Capítulo 2 Chiara

Cerca de dois anos depois...

- Parece tensa hoje.

A voz rouca me atingiu e fechei os olhos, quando suas mãos

chegaram até meus ombros. Suspirei profundamente e me permiti ser

embalada por seu toque. Não estava sendo um bom dia. Sentia-me

engolfada por sentimentos e sensações que nunca imaginei, não para com

ele. Mas a quem queria enganar? Cael Marini era a definição de pecado

e problema no dicionário. Poderia até mesmo conferir. O pior de tudo,

era que passou a ser a definição de amor, em meu próprio.

A cada dia ficava mais difícil fingir que não sentia nada e que

aquele acordo firmado há cerca de dois anos era o bastante. Não era. Pelo

menos, não mais. O que doía, era saber que para ele funcionava. Então,

expulsar mulheres de seu apartamento e mandar lavar os lençóis que me

deitaria mais tarde, tornaram-se um dilema. Enquanto eu, queria mais.

Mais dele e principalmente, exclusividade.

Apenas sexo já não era o bastante.

- Gozou duas vezes e ainda parece longe daqui, Chia. -

Afastei-me de seu toque, e puxei o lençol ao redor do corpo. Sentia-me

vulnerável, e a cada instante, tornava-se ainda mais difícil. Assim que

fiquei de pé, parei alguns segundos apenas para olhá-lo.

Cael estava sentado no meio da enorme cama de seu quarto,

completamente nu, dentre os lençóis de cor cinza. Que por sinal,

chegaram da lavanderia no dia de hoje. Já que ele havia os usado em

algum dia da semana passada com outra ou até mesmo, outras. Às vezes

apenas me indagava do porquê me sujeitava a tal situação.

Por muito um longo período, convenci ao meu cérebro que

gostava do perigo, e que o sexo era o bastante. Não me importava o que

acontecia além do momento em que estava sob ou sobre seu corpo. Tola

mente de uma mulher que se apegou ao primeiro que deu um pouco mais

de atenção. Como fui entrar naquela fria?

Já completavam dois anos, e os efeitos do simples olhar de Cael

me deixavam sem ar. No momento em que fui remanejada internamente

na Marini Tecnologia, soube que ficaríamos próximos demais para minha

sanidade. Indicação de sua irmã mais nova, Anne Liv, que viajou para

fora do país um longo tempo. Foi assim, que caí no colo de Cael. Não

imaginava que seria, literalmente.

- Geralmente seus olhos se prendem em mim, não na parede. -

Sua voz soou rouca, e sabia que pensava a respeito de meu diferente

modus operandi.

Geralmente, era apenas divertido e prazeroso, para ambos. Por

aquilo, acabamos estendendo mesmo sem sequer conversar a respeito, o

que fazíamos. Horas jogados à frente da televisão maratonando uma nova

série, e que terminava com nós dois nus, entre bebidas e beijos, no chão

da sala ou qualquer outro cômodo. Éramos adultos o suficiente para

separar as coisas, e lembrava bem de como Cael encarava aquela

situação.

- Não precisamos disso. - Deu de ombros, e o encarei sem

entender. Não estava nos planos ir para a cama com meu novo chefe e

CEO da empresa, uma semana depois de começar a ser sua assistente.

Mas aconteceu... E pior, não me arrependia. - Mas podemos nos

divertir nesse tempo, o que acha? Anne sempre me contou que é uma

ótima profissional, então, apenas separaremos esses dois mundos e...

Podemos foder quando quisermos.

Sorri sem vontade, ao me lembrar daquele momento. O sexo fora

selvagem e incrível, e meu corpo era completamente receptivo para com

o seu. Não tinha porque negar, a não ser, o fato de poder ser demitida a

qualquer momento caso cruzasse alguma linha. Porém, não cruzaria.

Apaixonar-me por Cael não era uma opção. Mas quem disse que sabemos

todas as opções em pauta quando fazemos uma escolha? Foi aí, que

vendi minha alma para o prazer, e perdi meu coração.

Ele saía com outras e isso não me incomodava. Fazia o mesmo, e

por um longo tempo, fora completamente normal. Muitas vezes, julguei

que era uma mulher madura e de mente aberta para algumas questões.

Porém, percebi que os dias passaram a se arrastar nos últimos meses e

sequer conseguia estar com outro. Além de que estar próxima a Cael,

apenas como sua assistente, quando assistia mulheres saírem do

apartamento, doía. Percebi mais claramente, quando precisei trazer uma

papelada urgente, e o encontrei rindo junto a outra, na mesa de jantar. Na

mesa em que fodemos na noite anterior.

Era para ser aquilo – uma foda recorrente. Porém, nunca devia ter

misturado prazer e trabalho. Era uma péssima combinação.

- Dizem que quando uma mulher se cala, algo muito errado

aconteceu. - Sua voz soou imponente, e ele se levantou, puxando o robe

caído ao lado da cama e o vestindo.

Dei de ombros, e andei até a sacada do apartamento com vista

panorâmica para a bela cidade de São Paulo. Era a cobertura de um

prédio em zona de alto padrão da cidade, o que não me surpreendia, pelo

fato de ele ser um homem rico. Apertei o lençol ao redor do corpo, e

recebi o vento da madrugada, feliz por um lado, de que amanhã não teria

que trabalhar. Era minha folga, necessária depois de tantos meses

interruptos de trabalho árduo.

Meu coração deu um salto no peito, quando ele se juntou a mim,

parando ao lado, escorado contra o concreto que nos separava do céu e da

queda.

- Animada demais para sua folga?

Olhei-o e optei por assentir. Cael não me entendia, sequer sabia

me ler durante todo aquele tempo. Sabia que era o meu trabalho, estar a

disposição para tudo que ele precisasse. Além de assistente executiva na

empresa, era sua assistente pessoal. Uma espécie de Pepper Potts, que fez

o meu salário triplicar, assim como, começou a destruir meu emocional.

O homem ao meu lado não era Tony Stark, muito menos, considerava-me

importante.

Sorri sem vontade e repensei meus vinte e sete anos. Já era uma

mulher com uma boa quantia em dinheiro guardada no banco, um

apartamento próprio na área que mais gostava da cidade que sonhei como

lar, e um currículo impecável tanto pela universidade, quanto pelo meu

trabalho na Marini.

- Não fique triste, na segunda tudo recomeça. - sua voz soou e

ele sorriu levemente.

Por um longo tempo, iludi-me que aquele sorriso me pertencia.

Porém, era apenas o jeito Cael de conseguir o que queria ou fingir certa

intimidade. Só abri de fato minha mente, quando presenciei cenas como

aquelas em direção a outras. Não era exclusiva, tão pouco, diferente.

Seus olhos azuis pareciam tentar me ler, mas ainda, permanecia a

confusão nos olhos. Por um longo tempo, indaguei-me se era apenas

minha mente sonhadora com um CEO de livros e sua beleza. Ele era

lindo e um CEO, fatos incontestáveis.

Cabelos negros bem cortados, naquele típico aspecto "pós foda".

Os olhos azuis contrastavam com a barba sempre bem-feita, e os lábios

carnudos, como se implorando para serem mordidos. O corpo musculoso,

tonificado nos lugares certos e de um bronzeado que nunca consegui

entender de fato como conseguia. Ele era a personificação para mulheres

e homens caírem de joelhos. O problema, era que me transformei

justamente em uma daquelas pessoas. E pior, que não tinha mais

controle.

- Sabe que somos amigos, não é? - sua indagação me pegou de

surpresa, e senti que não dava mais para mentir para ele, e

principalmente, para mim mesma.

Não dava mais. Justamente, por querer mais.

- Somos? - rebati, e nossos olhares se encontraram. Notei a

confusão em seu semblante, como se tentando me entender. Ele não

conseguia.

Aquele sentimento em meu peito nasceu em algum momento, e

consegui ignorá-lo por um longo período. Mas nos últimos dois meses,

tornei-me apenas um fantasma de mim mesma. Acabei perdendo peso

por não ter apetite, devido ao fato de estar me sentindo tão perdida

naqueles sentimentos. Minha saúde mental, completamente devastada,

como se implorando para que apenas deixasse aquilo para trás. E era

aquilo que vinha trabalhando, convencer-me de que não precisava

daqueles momentos de sexo e falsa intimidade com ele. Que poderia

superar, e assim, voltar a sorrir de fato. Mesmo que ele sequer tivesse

ideia ou culpa, estar com ele, era minha salvação e inferno pessoal.

Precisava dar um basta ou simplesmente, confrontá-lo.

A parte romântica de meu ser, jurava que ia se surpreender, mas

no fim, admitiria que também me queria. No caso, que tentaria ser apenas

meu, e que depois daquilo, seu coração se tornaria também. Porém, quais

as chances reais daquilo acontecer? Talvez 0,01%. Se tinha algo que

conhecia sobre Cael naqueles dois anos, era que em seus 36 anos,

envolver-se seriamente com alguém não era um objetivo.

- Por que duvida disso?

- Você é meu chefe, e a gente fode o que? Uma a duas vezes por

semana? - indaguei, sentindo o amargo em minha boca ao admitir

aquilo em voz alta. - Isso não é uma definição de amizade.

Notei seu olhar azul mudar e ele endireitou o corpo, encarandome.

- Onde quer chegar com isso?

- Ao óbvio. - Dei de ombros, e agarrei-me mais ao lençol,

tentando não parecer tão exposta. - Não representamos nada um para o

outro.

Suspirei pesadamente, e era naquele momento, que ele me

puxaria para si e diria que estava completamente enganada. Que eu era

alguém para ele. Porém, como já esperava, ele sequer reagiu a minhas

palavras, dilacerando meu coração sem ao menos perceber.

- Compartilhamos bons momentos, no entanto. Séries, jantares,

filmes, jogos... - Comentou e cruzou os braços. - Não faço isso com

todas as mulheres que transo.

Sua fala saiu tranquila e senti a bile vir a garganta. Não dava

mesmo, para mensurar o quanto aquilo me machucava. Apenas tive uma

certeza: que não ficaríamos juntos, nunca mais.

- Acho que não existe muita diferença entre as mulheres que

fode. - Soltei, e me virei, adentrando seu quarto.

Deixei o lençol cair e fui até o canto esquerdo, onde minhas

roupas estavam jogadas. Apenas passei o vestido longo pelo corpo e vesti

a calcinha, focada em achar minhas meias e tênis em seguida.

- Por que deveria existir? - sua pergunta continuou meu

martírio e abaixei os olhos, encarando-o.

- Não consigo mais. - soltei de uma vez. - Nunca me deu

esperanças de que isso se tornaria um relacionamento, e tudo bem. Mas...

Eu me apaixonei, Cael. Eu te amo e não posso fingir que consigo te

dividir com o mundo dessa forma. Porque eu não posso.

Seus olhos se arregalaram, porém, a postura perfeita permaneceu.

Ali notei, que era como se ele tratasse de negócios, mesmo que

estivéssemos apenas nós, frente a frente. Fora a última noite em seus

braços e meu coração se partia ao ter certeza de que nada além do

esperado sairia de sua boca.

Diga que me ama, implorei internamente.

- Gouvêa vai te deixar em casa.

Suas palavras frias me atingiram de forma que punhais

adentraram minha pele. Uma lágrima desceu, antes que pudesse evitar, e

foi no exato momento que avistei meus tênis e meias. Praticamente

passei por ele como um furacão, pegando-os em mãos, sem sequer olhálo. Porém, no fundo, era como se precisasse. Necessitava lhe mostrar que

nos trataria como ele fizera, um mero negócio concluído.

- Isso é tudo, senhor Marini?

Ele sequer expressou algo, e apenas me deu as costas, adentrando

seu banheiro. Senti-me querer afundar naquele chão, ao mesmo tempo

que queria jogar o tênis em sua cabeça. Isso é tudo o cacete seu imbecil

de merda, segurei-me para não gritar. Porém, apenas me virei e segui

para fora daquele apartamento.

Rejeitada era como me sentia.

Rejeitada por aquele maldito CEO.

            
            

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