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CHIARA
- Mil infernos!
Praticamente berrei, assim que a pessoa a porta, parecia querer
explodir meus miolos com a campainha.
- Já vai, porra! - gritei ainda mais alto, e finalmente, a porcaria
silenciou.
Era real: a pior folga de todos os tempos. Andei a passos
embolados, colocando um shorts de tecido mole, e encarei o grande
relógio na sala de estar, que marcava cerca de duas da manhã. Franzi o
cenho e tentei pensar se minha irmã mais velha, poderia estar fazendo
alguma surpresa. Era a cara da maluca agir daquele jeito.
Era ela ou um assassino. Todavia, um assassino não tocaria a
campainha fazendo um escândalo aquele horário, refleti. Já bastava o
meu showzinho na madrugada anterior que com certeza, renderia uma
multa. Agora, teria mais uma para pagar. Merda!
A noite perfeita com Mattew McConaughey fora atrapalhada por
uma vodca forte demais que acabou me derrubando no sofá e de repente,
estava praticamente me arrastando para o quarto. Misturar sorvete de
chocolate com álcool naquele grau não foi muito inteligente, porém,
acabou sendo um ótimo calmante. Dormi, serenamente, sem sonho algum
atrapalhando. Porém, alguém tinha que bater na porta e acabar com
minha paz.
Encarei o olho mágico e fiquei perplexa. Afastei-me e balancei a
cabeça, tentando entender se ainda estava bêbada o suficiente para ter
alucinações. Voltei a olhar e fiquei ainda mais incrédula. Cael tinha
algum gêmeo, não era possível. Resolvi que o melhor era confirmar
minha loucura, ficando frente a frente. Abri a porta apenas o suficiente
para colocar a cabeça para fora e cometi meu pior erro ao fazê-lo. Os
olhos azuis intensos apenas me deram a certeza – era ele.
Mas o que diabos fazia em minha porta na madrugada?
- Relatório? - indaguei, e tentei afastar a vontade de fechar a
porta em sua cara.
Ele era meu chefe e para estar ali, em um domingo, com certeza,
era algo do trabalho. Nunca transamos no meu apartamento, e ele viera
raras vezes. Também, nunca foi uma questão de onde estaríamos juntos.
O que me fazia pensar a respeito da reunião com os americanos na
semana passada. Teriam solicitado algo do nada? As pessoas poderiam
ser imprevisíveis em alguns contratos.
- Posso entrar? - sua voz controlada fez-me arquear a
sobrancelha.
Onde estava a pedra de gelo de sexta-feira?
Optei por abrir a porta e deixá-lo entrar. Aquela simples
proximidade, de seu corpo adentrando meu apartamento, fez-me querer
acreditar que era o momento que ele se declararia.
Olha, percebi que também te amo. O aniversário sem você foi um
inferno. Volta para mim!
Ri sozinha de meu tolo pensamento, e me virei para ele, que de
repente, pareceu imponente demais em minha sala. Não conseguia focar
em nada além de sua presença.
- Engraçado, não é? - indagou, e sua boca subiu, claramente
com raiva.
O que?
- Só se estiver lendo meus pensamentos para entender porque ri.
- Rebati, e pensei no quanto aquilo poderia custar meu emprego.
Na realidade, não pensava tanto a respeito naquele momento.
Queria era colocá-lo para fora. Da mesma forma como, fui mandada para
fora do seu apartamento dias atrás.
- Não preciso, já que aposto que deve ter sido muito engraçado
ajudar minha irmã com o cancelamento da festa. - Aquela versão
nervosa e desconcertada de Cael raramente aparecia, ao menos, no
âmbito pessoal. Ele era extremamente controlado fora da cama. -
Achou mesmo que pode passar por cima de minhas ordens?
Acabei sorrindo ainda mais de deboche, diante de seu estresse.
Talvez eu devesse ter me divertido com aquilo, porém, sequer imaginei
no que ele pensaria. Ajudei uma amiga e ponto, nada mais. Talvez aquele
fosse o ponto chave da noite.
- Não trabalho aos domingos e veja só, aqui está meu chefe! Em
minha casa! - acusei-o e era como se seus olhos pudessem me queimar
caso fosse possível. - Tenha respeito, Cael. Não estamos em horário de
trabalho e está na minha casa.
Ele franziu o cenho e notei que nada de bom passava por sua
mente.
- Mas resolveu trabalhar em seu dia de folga em prol de
desfazer uma ordem lhe dada. - Rebateu e o encarei com preguiça. -
Não é para isso que te pago.
- Agora, vamos falar de salário? - indaguei, e bocejei em
seguida, sentindo-me a flor da pele, mas com aquele sarcasmo presente
em meu ser, que com certeza, queria demonstrar. - Apenas passei as
informações da sua festinha para sua irmã, já que quer uma explicação. O
que ela fez com isso, é responsabilidade apenas dela.
- Não tem direito de passar nada que se refere a mim para
outros. - Sua voz soou forte, mas controlada.
- Não tem direito de estar na minha casa a essa hora e nesse dia,
e olhe só. - Abri os braços e sorri cinicamente.
- Você me deixou entrar. - Acusou e o encarei com ainda mais
preguiça.
- Veio aqui para que, Cael? Ficar discutindo sobre algo que não
está sob meu controle? Sua irmã descobriria de todo jeito os números e
cancelaria sua festa de putaria, palavras dela. - rebati e ele me encarou.
Notei que sua expressão parecia ainda mais furiosa. - Vir a minha casa,
de madrugada, tirar minha paciência no domingo, com certeza, não
mudará isso.
- Deve estar muito ocupada. - sua voz soou baixa e perigosa, e
franzi o cenho, sem entender. Ele então se agachou e em seus dedos,
levantou uma de minhas calcinhas.
Adiantei-me e a peguei, feliz por tê-la encontrada. Tinha a mania
de tirar tudo para dormir. Ou apenas dormir com uma grande camisa
velha. Quando tirava a calcinha, ia direto para o cesto no banheiro.
Porém, aquela ali, foi tirada em meio ao porre, então, só poderia estar
espalhada.
- Obrigada. - Dei de ombros, sem conseguir levar a sério sua
fala.
Estava muito ocupada, enchendo a cara para te esquecer,
imbecil!
Um barulho vindo do quarto, fez-me levar a mão a cabeça,
imaginando que minhas maquiagens, mais uma vez, iam para o chão.
Noctis e sua nova mania de querer testar a durabilidade das coisas.
- Mande-o embora, precisamos resolver algo de trabalho. Pago a
hora extra. - Olhei-o incrédula e fiquei estática. - Preciso repetir?
- Por que mandaria Noctis embora? - perguntei incrédula, e
Cael olhou em direção ao quarto, onde veio mais um barulho. Só
conseguia pensar em meu iluminador novo. Que os anjos da maquiagem
o protegessem de um gato sem limites.
- Noctis? - a voz de Cael soou zombadora. - Quem diabos se
chama assim?
- Por que parece tão incomodado com meu...
Ouvi um estrondo alto, larguei a calcinha e sequer terminei a fala,
correndo em direção ao quarto. Assim que cheguei, encontrei Noctis em
cima da penteadeira, com seus olhinhos azuis praticamente declarando
que não era sua culpa, mas sim, das coisas que de repente entraram na
frente dele. Olhei para o chão, e ali estava minha base que custou um rim
e o iluminador novo. Felizmente, nada parecia tão arruinado.
- Eu só não te deserdo porque não conseguiria viver sem você.
- falei, e o encarei profundamente. - Filho mau!
Decidi por colocar as coisas dentro da cômoda e virei-me
novamente para Noctis, que se fingia de bom moço.
- Filho mau!
Ignorando-me por completo, pulou no chão e o vi passar entre
minhas pernas e ir em direção a porta, como se não tivesse feito nada.
Realmente, ele se tornou o dono da casa sem eu sequer perceber ou
pensar em impedir.
Assim que me virei, deparei-me com a cena que não deveria ser
tão bonita assim. Noctis, filho mau, agora passaria a ser conhecido como
traidor. Ele se esfregava na perna de Cael, como se fosse sua pessoa
favorita no mundo.
- Vem aqui, mocinho.
Adiantei-me e me abaixei, pegando a bolinha de pelos no colo.
Passei a mão por sua barriga, querendo parecer brava, mas era
impossível. Aqueles olhinhos azuis eram meu mundo todinho.
- Desde quando tem um gato? - a pergunta de Cael me pareceu
como mais uma prova de que sequer fazia questão de saber sobre minha
vida.
Sexo. Trabalho. Mais sexo. Mais trabalho. Um ciclo que
finalmente chegava ao fim.
- Então, é alérgico? - indaguei, e ele franziu o cenho. - Ora,
não queria que colocasse o gato para fora?
- Eu... - limpou a garganta, e notei seu constrangimento.
Juntei sua imposição e ainda mais, sua desconfiança clara. A
forma como parecia me acusar de algo, como se acreditasse mesmo que
alguém estava ali comigo. É bom estar do outro lado da moeda? Segureime para não perguntar.
- Anne Liv te falou do meu encontro, não é? - indaguei, e ele
engoliu em seco, abrindo a boca para argumentar, mas não disse nada.
Aquela era uma das poucas vezes que o via sem palavras. As outras,
eram basicamente quando lhe surpreendia com minha inteligência e
perspicácia, e também, quando tirava a roupa. - O que realmente quer
aqui, Cael? Olha, estou cansada, já estava no sétimo sono quando tocou a
campainha como se o mundo fosse acabar. Se é uma festa que quer, eu
tento aprontar tudo na segunda, que tal?
Seu olhar mudou e notei que parecia ansioso.
- Tem que ser hoje? - indaguei cansada, sem ainda entender o
que ele realmente queria. - Ficar brincando de estátua não vai esclarecer
minhas dúvidas.
- É que... Não precisa fazer nada disso. - franzi o cenho, e
continuei a passar a mão pela barriguinha de Noctis, que ronronava. Gato
manhoso. - Eu acabei ficando alterado à toa por ter mudado os planos,
mas sei o quanto Anne Liv pode ser convincente.
- Certo. - suspirei profundamente, encarando seus olhos azuis.
Tudo o que queria era tirar aquela camisa cinza e todo o resto de seu
corpo. Beijá-lo pelo resto da noite e boa parte da manhã. Se eu desse um
passo, ele me daria aquilo. Aí, seria sexo, como sempre. Sexo por sexo,
poderia ter em qualquer lugar. Com ele, eu queria mais. Infelizmente, o
que não podia me dar. - Vou te levar até a porta.
Deixei Noctis sobre a cama e passei pela porta, sentindo a
presença de Cael a minhas costas. Abri a porta e lhe dei espaço para sair.
Seu olhar pareceu preso no meu por alguns segundos, e o encarei,
implorando internamente para que meu amor fosse correspondido.
Em vez de simplesmente sair, ele me encarou, e abriu um leve
sorriso. Aquele sorriso, que me tinha aos seus pés. Segurei-me para não
unir nossos lábios. Ele era alto, cerca de um metro e noventa, entretanto,
meus vinte centímetros a menos não eram grande empecilho. Um passo e
teria sua boca na minha. Porém, escolhi o que era correto daquela vez.
Ignorar aquela atração.
- Desculpe o incômodo. - Apenas assenti, balançando a
cabeça, e ele continuou parado a minha frente.
- O que foi? - indaguei, e ele piscou algumas vezes, como se
parecendo confuso.
- Boa noite, Chiara.
Deu-me as costas e simplesmente saiu, deixando-me para trás. De
meu apartamento, poderia vê-lo caminhar até o elevador. Suspirei feito
uma adolescente, quando notei que ele estava concentrado em seu
caminho. Eu o amava, perdidamente. Mais uma vez perdida por saber
que não existia chance. Fechei a porta, excluindo-o de minha visão. Olhei
para o apartamento vazio, e tentei encontrar uma boa motivação para
acordar cedo e mudar tal cenário de minha vida.
Precisava espairecer.
Encarei o tapete velho da sala, que viera comigo do antigo
apartamento e pensei que era o momento certo de mudá-lo, e começar a
colocar os planos de decoração para minha casa em ordem. Domingo
seria aquilo, um dia de descontração comprando o que precisava para
começar a redecorar tudo. Um jeito de tentar esquecer o fato de que Cael
Marini era o centro de meus pensamentos.