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CHIARA
Tinha me esquecido de como redecorar era um porre, ao menos,
quando não se tem tempo para a mesma.
Passei a mão por meu macacão de cor preta, em uma malha
social, que o tornava formal e bem apresentável. Prendi os cabelos loiros
no alto da cabeça e optei por uma maquiagem leve, já habitual,
completada com um batom rosado. Sempre gostei de me vestir daquela
forma, e trabalhando diretamente com o CEO da empresa, era algo
essencial. Estar apresentável e com um belo sorriso. Palavras que Anne
Liv me dera como ensinamento em meu primeiro dia a seis anos atrás.
Suspirei profundamente, lembrando-me de como tudo tinha se
transformado. Parecia surreal, e se alguém me falasse que me encontraria
em tal situação, rejeitada por Cael, jamais acreditaria. Afinal, como
poderia ser rejeitada por alguém que não ia me envolver? Os dois anos
recorrentes, se encarregaram para que me envolvesse além do que
deveria.
Peguei a bolsa sobre a cama, e não resisti em abaixar e dar um
leve beijo na cabecinha de Noctis, que dormia enrolado sobre o
travesseiro que não usava. Tão meu menino, que era realizou aquele
sonho de futuro perfeito – uma fidedigna mãe de gato.
Sempre odiei o trânsito e por tal motivo, mudei-me para o mais
perto da empresa quando o salário aumentou e consegui estabilidade.
Andar dois quarteirões de salto alto eram o céu, ao em vez de passar no
mínimo meia hora dentro do carro, enquanto pensava em quão cedo
deveria sair no dia seguinte para não atrasar. Cerca de cinco minutos
depois de sair de casa, estou à frente da recepção da empresa. Dou bom
dia a todos que parecem solícitos e me dirijo ao elevador privativo. O
qual, apenas os funcionários com ligação direta ao último andar,
poderiam utilizar. Usei o cartão que me permitia chamá-lo e em poucos
segundos as portas se abriram.
Dei um passo a frente, guardando o cartão na bolsa e me aprumei.
Levantei o olhar apenas o suficiente para desejar bom dia a pessoa ali
dentro, sendo recebida por um sorriso de Leonardo. Ele tinha uma aura
leve, diferente da maioria das pessoas que trabalhavam ali. Como o novo
assistente pessoal e executivo de Anne Liv, que voltou para o Brasil a
cerca de cinco meses, todos disseram que ele não daria conta por uma
semana. Até mesmo, cheguei a pensar que seria remanejada para o cargo
antigo, entretanto, contrariando todos, ele ainda estava ali e apenas ouvi
elogios a respeito.
- Bom dia, Leo.
- Bom dia, Chia. Preparada para a semana? - indagou, e
respirei profundamente, dando-lhe meu olhar austero.
Seria uma semana infernal e decisiva. Ao mesmo tempo que
contratos e decisões de suma importância seriam tomadas, o que era um
grande marco para a empresa, seria a semana de ficar praticamente
afundada em documentos e reuniões sem fim. Todavia, era o meu
trabalho, e amava ser criteriosa, a ponto de chegar a sexta-feira e poder
voltar para a casa com apenas uma certeza: fui foda.
- Sempre. - Pisquei e ele sorriu, dando-me alusão a uma
covinha em sua bochecha.
O elevador parou, e saímos. Dei-lhe um leve aceno e me dirigi até
ao lado esquerdo do andar, onde se localizava a sala de Cael, e
consequentemente, a minha. Parei à frente de minha mesa, e já peguei o
planner exclusivo para empresa, no qual repassaria todos os
compromissos, e conseguinte, teria que encarar meu chefe. Minha mente
virou, e pela primeira vez, em todo aquele tempo trabalhando com ele,
sabia que seria difícil agir normalmente.
Nunca foi. Nem mesmo depois da primeira vez que ficamos
juntos. Um encontro casual em um bar qualquer, e de repente, acabamos
em uma cama, longe de qualquer ambiente de trabalho. Foi uma escolha
mútua e sem qualquer alusão a romance. Gostava daquilo, tinha que
admitir. E por um longo tempo, foi apenas aquilo. Sexo depravado com
meu chefe, que além de tudo, eram um homem sexy como o inferno.
Porém, os últimos dois meses mostraram-me uma nova face, e até
mesmo, aquele sentimento que sequer sabia dizer quando nasceu. Não
conseguia mais me envolver com outros homens e parei para pensar
sobre o que me freava. E lá estava a imagem nítida de Cael. Lá estavam
seus lábios, cheiro e toque. Assim como, nossas conversas, momentos e
sorrisos. E principalmente, o sentimento que me despertou.
Assim como ele, sempre tive outros encontros esporádicos. Uma
mulher livre para explorar o prazer que queria, e quando queria. Porém,
sempre me vinha voltando para seus braços. Assim como, ele vinha para
os meus. No princípio, pensei que pela comodidade de explorarmos cada
vez mais o corpo um do outro, e o fato de nunca conseguirmos enjoar do
que fazíamos. Hoje, vejo que minha mente não enxergou tão cedo o que
meu coração já acusava: não se arrisque de tal maneira.
Ali estava eu, apaixonada por alguém, que com toda certeza, não
pensava na possibilidade de algum relacionamento além do que tivemos.
- Você pode. - falei baixinho, e encarei a porta de cor marrom.
Olhei para meu relógio e já eram exatas oito horas. O que significava
uma coisa: hora de começar o dia. Dei duas batidas na porta e adentrei o
grande espaço.
Como de praxe, Cael já estava em sua cadeira, com o terno
jogado sobre o sofá branco do lado esquerdo, vestido na parte de cima
apenas uma camisa de cor azul clara, a gravata em outro tom de azul e o
colete preto. Um óculos preto de aro grosso emoldurava os belos olhos
azuis, e ele parecia preso ao que estava no papel.
- Bom dia, senhor Marini. - usei da formalidade que nunca
perdemos ali dentro, e era um caminho que sempre preferi trilhar. Nada
atrapalharia meu trabalho, e muito menos, me faria perder o foco.
Então, por que queria discutir sobre meus próprios sentimentos?
Ele ergueu o belo rosto, e os olhos azuis pareceram mergulhar nos
meus. Notava a forma diferente com que me encarava, talvez, esperando
que agisse diferente depois daquela fatídica sexta-feira. Surpresa, queria
gritar. Aquela era eu, fazendo o que sabia de melhor – esquivar-me e
fazer-me de invisível.
- Bom dia, senhorita Moreira. - a imponência de sua voz
atingiu diretamente minha nuca, a parte de meu corpo que sempre se
arrepiou com sua presença. Foco!
- Podemos repassar sua agenda? - indaguei, e ele assentiu,
pegando o tablet ao seu lado.
Era aquela grande diferença entre nós, e que me custava um
pouco mais de trabalho. Sempre preferi o papel para anotações por ser
uma forma na qual me concentrava melhor, até mesmo enfeitando
minhas páginas de compromissos. Entretanto, o indispensável, em
empresas e ainda mais, em uma de tecnologia, era a agenda eletrônica.
Enquanto Cael acompanhava tudo em seu tablet, ali estava eu, com meu
planner executivo, repassando cada mínimo detalhe do dia. O trabalho
em dobro consistia em fazer a mão e depois digitar cada compromisso.
Era uma escolha minha, no entanto.
- E bom, as oito horas, reunião externa com a representante da
AIA Cosméticos. - finalizei, e ele negou com a cabeça, claramente
incomodado.
Sabia bem do porquê, mas jamais levantaria tal questão ali. E
como já não existia nós fora do trabalho, o assunto não seria explanado.
Ou melhor, nunca houvera nós.
- Quanto tempo está marcada essa reunião? - indagou, e nem
precisei conferir para saber. A assistente de Maria Gonzáles me ligou a
semana passada toda para confirmar tal reunião.
- Há um mês. - Ele assentiu, e fez aquele gesto tão
característico seu, que tive que me firmar nos saltos. A mão percorreu a
barba bem-feita e parou segurando o queixo, como se procurando uma
solução. Sabia que ele sorriria de lado, assim que a mesma viesse em sua
mente. Então, ele o fez.
- Fale com Garcia, e peça para que Anne Liv vá. - Assenti e
anotei rapidamente sua ordem. - Isso é tudo, senhorita Moreira? -
perguntou, e tentei abrir a boca para lhe responder o que sempre foi
costume entre nós, porém, pela primeira vez, travei.
Respirei fundo, e assenti, sem saber como disfarçar meu
incômodo. Não conseguia parar de pensar onde diabos enxerguei
romance ali. A questão era, o romance estava fora daquelas paredes,
daquele prédio... Estava em momentos que o enxerguei como o meu
Tony Stark. Por que diabos era tão fã de homem de ferro? Aliás, Cael
sequer parecia com ele. Estava mais para uma versão de Capitão
América, que com toda certeza, não aprovava. Como sempre, começava
a vagar por minha mente.
- Vou preparar tudo para a primeira reunião. - Ele assentiu, e
notei que engoliu em seco. - Com licença, senhor.
Dei-lhe as costas e bastaram dois passos, para que sua voz
reverberasse por todo o ambiente.
- Vai mesmo ser assim, Chia?
O apelido, o tom aborrecido na voz... Parecia sonhar que tinha
algo mais em sua fala. Porém, era apenas o fato de que ele não esperava
aquilo. Cael Marini era metódico, e sabia bem. Mais uma vez, ele me
tratava como um de seus contratos. Aquilo me doía, ainda mais, porque
tentava me blindar. Nada além do fato de não o ter respondido como de
costume mudara. O que vivíamos era fora. Mesmo assim, parecia ter
incomodado.
- Não entendi, senhor. - frisei a última palavra, e ele assentiu,
parecendo entender que não adiantaria insistir.
- Isso é tudo, senhorita Moreira.
Assenti novamente, e dei-lhe as costas, saindo em seguida. Sentia
algo diferente no ar, e sabia que era o fato de meus sentimentos estarem
expostos há poucos dias. Se nem mesmo eu conseguia entendê-los, quem
diria Cael. Um homem que nunca vi falar abertamente sobre amor ou
paixão.
Sentei-me e liguei meu computador, com apenas um pensamento
em mente: trabalhar. Por mais que Cael fizesse parte de minha vida, o
deixaria no único lugar plausível dali por diante, como meu chefe. Em
algum momento, aquele sentimento morreria. Sua rejeição, era apenas o
passo inicial para que aquilo fosse desencadeado. Por bem ou por mal.