Capítulo 3 Só podia estar em meu inferno astral.

CHIARA

Só podia estar em meu inferno astral.

Acordei com o despertador berrando, e quis jogar o celular contra

a parede. Olhei rapidamente as horas, após desligar aquela merda, e vi

que ainda eram oito da manhã. Suspirei, sabendo que deveria ter dormido

no máximo vinte minutos. Uma noite em claro, bebendo até cair e

cantando sertanejo sofrência até Adele, fora o que me restou. O sábado

de folga que tanto almejei, de repente, seria apenas a base para dormir o

dia todo, diante da ressaca causada por vodca, vinho e rejeição.

- Saúde as pobres almas apaixonadas por cretinos de terno e

gravata. - Ironizei para o quarto vazio, e suspirei profundamente.

Apenas a lembrança do porque tinha aquela dor de cabeça, faziame querer pegar as garrafas deixadas no entorno de minha cama, e

quebrá-las na cabeça de Cael, da forma como ele quebrou meu coração.

Liguei a televisão, e de repente, fui presenteada com o volume no

máximo e a música que continuava minha terrível playlist de sofredora

com álcool no youtube. Assim que Fergie cantou que garotas grandes não

choram, revirei os olhos, discordando por completo.

- Garotas grandes choram e muito, só que com álcool como

acompanhante.

Minhas reflexões sozinhas, eram tão necessárias quanto eu para

Cael. O dia mal começou e apenas queria esquecer que de fato existia.

Melhor, esquecer que Cael existia. Porém, o maldito era a causa de estar

daquela forma. Ainda mais, por ser um insensível. Soltei o grito entalado

na garganta, e levei as mãos aos cabelos. Como pude esperar algo?

No fundo, iludindo-me de que era diferente. O carma de toda

mulher apaixonada, e pensa que vai ser a diferente para o cara. Às vezes,

simplesmente, não era para ser. No meu caso, impossível. Assim como,

dispensei várias mulheres durante os dois anos trabalhando com ele, fui

apenas mais uma. Tão clichê e dramático, que de repente, me peguei

ouvindo Marília Mendonça.

A cabeça a ponto de explodir e o corpo mal se acostumando a

estar de pé novamente. Era uma péssima rejeitada.

"Sei

Que o pra sempre virou pó

E na cabeça deu um nó

Mas eu tô bem consciente

Mas amei

Amei sozinha, mas por dois

Me conformei que agora, e não depois

Vou ter que seguir em frente

Preocupa não

Que eu não vou bater no seu portão

Preocupa não

Que não vai ver mais o meu nome em nenhuma ligação

Preocupa não

Que eu vou tomar vergonha na cara

Preocupa não

Pra um bom entendedor, meia ausência basta"

Meu celular despertou mais uma vez, tirando-me do momento

gritando minha dor besta. Soltei um grunhido e peguei o aparelho a ponto

de querer jogá-lo na parede. O que me surpreendeu não foi o fato do

despertador ter decidido me infernizar, mas do número que me ligava –

Anne Liv. Massageei minhas têmporas, e peguei o controle, baixando o

som da televisão. Respirei fundo e atendi o telefone.

- Bom dia, perfeitinha.

Sorri diante do cumprimento de Anne, mesmo que minha vontade

fosse me esconder de qualquer um de sua família. Mesmo tendo certeza

que nenhum deles tinha a mínima ideia de meu envolvimento com Cael.

Na realidade, éramos discretos ao extremo. Como era sua assistente

pessoal, não abria chance para desconfiarem. Ao menos, nunca fora um

assunto em pauta em nenhuma revista de fofoca ou até mesmo, em roda

de amigos e nos corredores da empresa.

- Olá, ex chefinha preferida.

- Nisso tenho que concordar. - Anne Liv e sua autoestima

infinita. - Agora mesmo fui te procurar, e adivinha minha surpresa

quando não te achei?

Fechei os olhos, imaginando que dali um dia, voltaria para a

empresa e assim, encararia Cael. Tinha que deixar o sofrimento para o

momento, porém, minha ansiedade já conseguia me fazer sentir vergonha

de reencontrá-lo após aquela declaração catastrófica. Teria aquele fim de

semana para trabalhar minha frieza e ser impecável no trabalho. Sem

brecha para que lembrássemos do que aconteceu. Duvidava do fato de

que ele lembraria.

- Não devia estar no Rio? - indaguei.

- Bom, as reuniões aconteceram mais rápido e consegui voltar a

tempo de comemorarmos o aniversário do Cael. - Paralisei e minha

cabeça deu voltas. - Sei que ele odeia esse tipo de coisa, festa com a

família sabe? O jeito dele é sempre aquelas festas extravagantes cheio de

mulher pelada para todo lado... - ela soltou um som de nojo, e me

segurei para não pensar sobre.

Era a realidade. O fato era que organizei a festinha privada de seu

aniversário no ano passado, e sequer passei em seu apartamento no dia.

Andei até meu escritório, sem conseguir acreditar que andava tão

distraída. Abri o planner e me deparei com o que sequer imaginava ser

naquele dia.

Festinha privada – Cael

Suspirei, sentindo-me uma completa idiota. Aquele evento fora

programado há meses, e sequer fiquei atenta ao que acontecia. O fato era

que meu coração e mente se embaralharam no meio do caminho, e tentei

evitar pensar que não éramos exclusivos, muito menos, jurou-me

fidelidade. A que ponto chegamos, em Chiara?

- No que posso ajudar? - perguntei por fim, jogando-me contra

a cadeira. Minha cabeça parecia doer ainda mais, e logo senti um peso

sobre meu corpo. Sorri para Noctis, meu gatinho de apenas três meses,

que se emaranhou em meu colo, e fechou os olhinhos. Ao menos, tinha

um amor real bem ali.

- Bom, tem tempo para cancelar tudo? - engoli em seco e

arregalei os olhos. - Sei que é sua folga, mas... Mamãe e eu queremos

fazer algo diferente para Cael, e bom, se ele estiver na putaria, não

teremos como.

- Anne... - engoli em seco, imaginando o quanto aquilo

poderia ser errado. - Não sei se posso fazer isso. Pode custar meu

emprego.

Passei as mãos em Noctis, que parecia uma bolinha de pelos

negros. Olhei para os números anotados em meu planner, logo abaixo do

evento, e comecei a maquinar o que poderia ser feito. Seria uma

vingança de acordo acabar com sua festinha de aniversário que não

passava de uma suruba? Sequer conseguia entender como me esqueci

por completo do aniversário de Cael. Ao menos, no ano anterior,

comprei-lhe um presente. Sequer tinha lembrado daquela vez. Minha

mente, com certeza, focou tanto em querer ser sincera com ele, que

deixei todo o resto se tornar irrelevante.

- Então, talvez, possa me passar os números das pessoas que

combinou e... eu me encarrego de cancelar tudo. - a voz provocativa de

Anne Liv surgiu do outro lado da linha e tive que sorrir. Ela era o

tormento de Cael: fato.

- Tudo bem. - acabei por concordar e repensei o que de ruim

poderia acontecer. - Se ele me demitir, volto a ser sua assistente. -

negociei e ela gargalhou alto.

- Amo fazer negócios com você, senhorita Moreira.

- Sei. - Sorri de sua determinação. - Vou te mandar uma foto

com os números por mensagem.

- Certo. Já até organizei o jantar de aniversário para ele, no

meu apartamento, e ele sequer tem ideia. - comentou e levei o cotovelo

ao tampo da mesa, querendo apenas esquecer. - Aliás, está mais do que

convidada.

Fechei os olhos com força, pois já esperava por aquilo.

- Não posso, Anne. - Engoli em seco. - Tenho um encontro

justamente hoje, e é bom, um velho amor... Enfim, é complicado. -

Lembrei-me do filme que estava ansiosa para rever; bom, seria um ótimo

reencontro com Matthew McConaughey.

- Sabia que existia alguém nesse coraçãozinho. - Sua fala me

pegou desprevenida. - A maioria das mulheres acerca de meu irmão

parecem que caem de amores, e você, sendo tão próxima... aposto que

percebeu os defeitos e mais, tem alguém em sua vida.

- É.

Se ela soubesse...

- Ok, vou te deixar descansar e se preparar para o encontro. -

por mais horrível que pudesse parecer, estava dando graças a Deus por

Anne Liv me deixar em paz. Ela foi uma ótima chefe e era uma ótima

amiga. Entretanto, não era o meu dia para conversa. - Obrigada pela

ajuda, perfeitinha.

Sorri de seu apelido.

- De nada, Anne. Até mais!

Ela desfez a ligação, e em seguida, tirei a foto da folha do planner

e lhe mandei, sabendo que ela teria que ser rápida para cancelar tudo. Por

fim, poderia ficar em paz. Noctis se remexeu em meu colo, no momento

em que cliquei na galeria. Não era fã de fotos, mas ali existiam algumas

que eram especiais. Principalmente, algumas tiradas em momentos

bêbados com Cael.

Toquei seu sorriso perdido, que tanto pensei ser meu, e que

implorei internamente para que fosse. Suspirei, deixando uma lágrima

descer. Amar doía. Principalmente ele. O amava por coisas tão pequenas

e momentos tão únicos, que duvidava que fosse de fato algo congruente

com o tamanho do sentimento. O problema era que encontrava amor

onde não devia.

- É, Noct. - Sorri para meu pequeno. - Vamos superar isso!

Disse em voz alta, para ver se atraía. Quem sabe o universo me

presenteava com a superação. Um amor só se cura com outro, era o que

mais ouvia. Esperava poder superar o que sentia por Cael, sem me

complicar ainda mais.

O amor de Noctis contava?

Passei as mãos por seus pelos e sorri. Naquele momento, tinha

que bastar.

            
            

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