Para chegar aonde estou hoje trilhei uma caminhada árdua, tive que lidar com todo tipo de gente, sofrer os mais variados golpes, fui traída por pessoas em quem confiava minha vida, mas eu não reclamo, afinal, tudo que veio de ruim me fortaleceu.
Aprendi a fazer tudo com cautela e sem me expor, prezo por minha integridade física e principalmente por minha liberdade, muitos conhecem meu nome e poucos a minha face é assim que tem de ser, o cagueta mora ao lado, nos beija e nos abraça e depois nos mata.
Eu sou o trunfo que todo "polícia" quer, passam dias e dias tentando levantar minha identificação, felizmente tenho conseguido me safar e embora eu saiba que um dia a casa vai cair, espero que essa data ainda esteja bem distante.
- Eles já estão chegando, meia hora no máximo o carro encosta! - Sabrina me avisa.
- Não sei não, estou com um pressentimento ruim, quem sabia desse corre? - Pergunto apreensiva, meu sexto sentido nunca erra.
- Ih, vira essa boca para lá! Toda vez que você vem com essa "dá ruim"- Sabrina fala se benzendo.
Tento falar com o batedor, assim que pergunto e ele me informa que havia uma única viatura na estrada e que não está parando ninguém, meu alarme dispara, contudo, tento me confortar de que está tudo certo mesmo que, a cada minuto que passa minha agonia aumenta.
Os abatedores encostam no local e nos informam que perdeu o carro do radar, olho no relógio e vejo que há um atraso de dez minutos, tenho certeza de que algo deu muito errado, só não sei ainda o que.
- Sabrina, pede para trazer meu carro, vou descer! - peço e ela me olha surpresa - esse menino foi caguetado, e eu sinto que ele não vai segurar a onda, vou descer o morro e dar um tempo, não posso dar mole. - Explico.
- Tudo bem! Aqui está sua chave. - Ela responde levantando o chaveiro no ar.
Pego as chaves, verifico minha bolsa, dou mais uma olhada no celular e saio, dirijo observando bem cada espaço que eu passo, as ruas estão aparentemente normais.
Entro em um prédio próximo ao morro, tenho um apartamento aqui, não é onde eu moro, mas sempre que saio do morro troco de carro, roupas e acessórios, enfim, viro outra pessoa. Entro no outro veículo e dirijo até um residencial de alto padrão, minha casa.
- Olá dona Helô, está sumida, é bom vê-la novamente! - Seu Tobias, o porteiro me cumprimenta com alegria.
- Olá, estava viajando a trabalho, devo ficar essa semana por aqui. - Respondo simpática.
- Bem-vinda de volta! - Ele completa e eu sorrio agradecendo, pego minhas correspondências e entro na minha casa.
Neste condomínio as casas são de alto padrão e a vizinhança constituída em sua maioria por políticos e famosos, um ótimo local para se camuflar.
Tiro minha roupa, entro na banheira e me delicio com um bom banho, aprecio um champanhe e descanso minha mente. Durante esse momento de paz, sinto vontade de sair, não sei se é uma boa ideia, contudo deixo a água e me visto.
- Poderosa! - Falo para mim mesma me olhando no espelho.
Em silêncio, dentro do carro percorrendo as principais avenidas da cidade, observo os pontos jovens e é incrível como nada disso me atrai e nem nunca me atraiu.
Às vezes penso que sou a única traficante que nunca experimentou nada do que vende, não consigo entender como as pessoas perdem suas vidas por alguns momentos, uma substância que leva pessoas, bens, saúde e paz.
Não me orgulho do que faço, porém não me martirizo, é uma profissão como outra qualquer e se há algum mal em tudo isso certamente a culpa não é minha, somos todos peões em um tabuleiro comandado pelo sistema.
Vejo um Pub que me chama a atenção, reduzo a velocidade e passo quase parando, abaixo o vidro do carro e ouço o batuque de um pagode que me faz querer balançar o esqueleto.
- Por que não? Eu não sou de ferro! - Justifico a mim mesma.
Raríssimas vezes saio na cidade, quando estou a fim de curtir prefiro pegar um voo e ir para bem longe, onde eu possa ser eu, aqui há muitos riscos e quanto mais discreta eu conseguir ser, melhor para mim.
Estaciono o carro, desço, caminho para dentro do estabelecimento, estou só e pela primeira vez isso me incomoda. Sento-me em uma mesa próximo ao espaço de dança, peço ao garçom uma cerveja e começo a mexer no telefone, vou convidar uma amiga para se juntar a mim.
Para minha alegria nem preciso chamar, quando começo a discar avisto justamente Amanda entrando com um casal de amigos, ela me vê e caminha na minha direção.
- Amiga, você aqui? Isso sim é novidade! - Ela diz me abraçando.
- Oi! Como você está? Acredita que eu estava te ligando? - Falo mostrando o número dela na minha tela.
O casal de amigos segue para a mesa deles e Amanda acaba ficando aqui comigo, ela sempre vai nas minhas viagens para desestressar e não faz ideia da minha vida no morro, quando estou focada no trabalho eu sempre digo que estou em viagens de trabalho, minha desculpa para tudo nessa vida dupla.
Bebo minha cerveja e agora que tenho companhia desço um combo, Amanda chama algumas amigas e começamos a dançar alegremente. Danço como a muito não fazia, o suor toma conta do meu rosto e meu cabelo cola no meu rosto.
- Vou buscar uma água, preciso me hidratar! - Aviso Amanda indo em direção ao balcão.
Dou dois passos e meus olhos se cruzam com o par de olhos mais lindos da minha vida, o homem alto, forte, barba perfeitamente feita, braços desenhados pelos músculos e uma camiseta preta coladinha, Meu Deus de onde saiu essa perfeição.