Na segunda chamada um número me dá um toque, sei que é a Sabrina e que o toque é para eu ligar o aparelho dos "corres", apresso em desligar com a Amanda.
- Amiga, pode passar, mas acho que não estarei na cidade por esses dias, preciso desligar pois a empresa está me ligando. - Aviso e me despeço.
Pego o outro aparelho e ligo, chegam inúmeras mensagens, procuro o contato da Sabrina e ligo, ao que ela me atende prontamente.
- Naty, sua intuição estava certa. "Deu muito ruim!!" - Sabrina avisa e eu reviro os olhos.
- Quem foi preso? Quanto perdemos? O que temos de informação? - Pergunto já fazendo cálculos mentais do prejuízo.
- Então, perdemos a carga, o carro, a arma, mas ninguém foi preso. - Ela responde um pouco sistemática.
- Como assim, ninguém foi preso? Conseguiram abrir fuga? - Questiono impaciente.
- Não, mana, o buraco é mais embaixo! Já mandei segurar o mancoso que estava no "corre" e estou tentando falar com você desde ontem à noite, ele voltou e estava nas mãos dos "canas", depois de uma pressão ele admitiu que abriu o jogo e falou que a situação era sua. Só estamos aguardando seu aval para deixar de exemplo. - Sabrina explica e eu ouço em silêncio.
- Eu já cansei de falar que pior do que "rodar" é abrir a boca, cagueta é pau no gato sem massagem, pega esse maldito e capricha que é para botar de exemplo mesmo. - Falo já em pé, o ódio está tão forte que o sono foi embora e a adrenalina corre em meu corpo.
- Pode deixar, ele vai saber exatamente o porquê está pulando e os outros vão ter exemplo por um bom tempo. - Sabrina fala com um tom sádico. - Você vem hoje?
- Não duvido! Amanhã eu apareço por aí se estiver favorável. - Respondo.
Oh maravilha, tudo que eu mais preciso é de alguém direcionando o alvo nas minhas costas, eu já disse que no meu morro ninguém é obrigado a ir para o corre, mas que se for é para ter foco e responsabilidade, mas parece que o povo faz questão de desafiar o perigo.
Sabrina (13:05)
Esqueci de falar,
tem outro delegado.
Pelo que pude averiguar,
ele está seco de vontade
de pôr as mãos em você.
Se cuida mana e qualquer
coisa eu fico na contenção
aqui até a poeira baixar.
Eu (13:06)
Alguma informação?
Nome, características?
Sabrina (13:07)
Ainda não, mas
já solicitei com o
gravata.
Eu (13:08)
Vai me mantendo
Indomada, mana!
Aproveito que estou com o telefone na mão e peço uma comida por aplicativo, me arrasto até o banheiro e coloco a banheira para encher, enquanto relaxo as tensões vou falando com fornecedores para garantir um novo abastecimento antes que o estoque esgote, desacertos fazem parte, só não posso deixar a peteca cair.
Ouço o interfone, visto um roupão e vou até lá atender, autorizo a entrada do motoboy, sem me vestir, sento-me no sofá e "me acabo" numa massa italiana ao molho bolonhesa.
Amanda me manda várias mensagens chamando para curtir com as amigas dela, contudo, eu tenho pouquíssima paciência para essas patricinhas socialites que acham que a vida é a bolha a que estão acostumadas.
Coloco uma série na Netflix, mas nada me agrada, por fim visto uma roupa e saio, vou bater perna no shopping e comprar algumas coisas que estou precisando lá no morro.
Sabrina (16:23)
Mana, a missão foi cumprida,
porém, temos um problema
a mãe do cagueta está fazendo
o maior escândalo aqui
na porta, já pagou de
chamar a polícia e
tudo mais.
Eu (16:24)
Quando não é oito é oitenta.
Explica o caminho do bom viver
para ela, mas pega leve nas
palavras que cê está ligada que
eu não curto essa parada de
assustar família principalmente
uma mãe desesperada.
Só faz o que tem de fazer.
Definitivamente, mexer com família e idosos me deixa desconfortável, só que se eu passar pano para uns os outros vão fazer arruaça, então que seja feito o certo, o que vale para chico se aplica também no Zé.
Visto uma calça em tom pastel de alfaiataria, uma blusa branca, coloco um tênis e uma bolsa também na cor branca, prendo o cabelo em um rabo de cavalo, orno alguns acessórios que combinam com o look e finalmente saio de casa.
O trânsito está terrível e eu gasto horas para chegar no shopping, sem contar o calor de matar que faz nessa época do ano, ou melhor, o calor aqui é sempre o mesmo, nunca vi fazer frio no Pará.
Enquanto dirijo, me lembro de quando cheguei aqui e o choque que eu sofri com as culturas, tudo completamente diferente do que eu estava acostumada, entretanto, aprendi a amar a região e não troco por lugar algum no país.
A comida, o clima tropical, o linguajar, os costumes folclóricos e o acolhimento hospitaleiro, não consigo me ver longe de tudo isso, não mais.
Finalmente chego ao shopping, entrego o carro ao manobrista da ala vip e caminho para o elevador, eu paro na livraria que tem aqui nesse pavimento, escolho alguns títulos que estou querendo ler já tem um tempo e passeio um pouco pelas vitrines.
No térreo está acontecendo uma apresentação teatral, me aproximo e fico presa na trama cultural, vislumbro com a apresentação de carimbó, completamente rendida não vejo o passar das horas, mas sou tirada dessa imersão com uma mão tocando em meu ombro e me chamando pelo nome.