Capítulo 2 Capitulo 2

De tão compenetrada em seus pensamentos nem viu o tempo passar. Era uma caminhada de 30 minutos. Quando se deu conta já estava na rua de frente ao portão do colégio. Avistou as amigas lá dentro e olhando para os dois lados, uma moto se aproximava diminuindo a velocidade, de certo, algum aluno que também chegava. Caminhando rápido foi cruzando a rua calculando que daria tempo de passar antes que a moto chegasse.

O barulho estridente da buzina a fez pular e se imaginar caída no chão desmaiada pelo impacto. Correu sem pensar, assustada. O coração acelerado parecia querer sair pela boca. Respirou fundo tentando se recuperar enquanto tremia feito uma vara verde.

Em estado de choque levou alguns segundos para olhar para trás e se dar conta de que não havia sido atropelada. A moto passara longe de seu corpo. Viu o rapaz acelerar e voltar em sua direção, passando por ela, a olhando diretamente nos olhos, penetrante. Percebeu que sorria pela malicia em seu olhar.

- Idiota! – Pensou.

- Ele gosta de você! – A voz atrás de si chamou sua atenção. Não havia se dado conta de que Cecília era quem o motoqueiro maluco viera trazer. A direcionou um olhar de interrogação.

E a menina continuou.

- Ele faz essas coisas pra chamar a atenção! Você esta bem? – Expressou carinho ao perguntar.

- Sim, estou. Seu irmão é meio fora da casinha, né?

- Ele é meio maluco. – Uma risada de inocência pausou a conversa. – Mas ele é um cara legal! Tem um coração enorme! Não se deixe irritar. Essas coisas que ele faz é só uma forma de se proteger, não deixar que os outros vejam quem realmente é.

- E quem ele é? - Ana não estava entendendo direito o que a menina queria dizer com aquilo.

Cecília sorriu.

- Vai ter que dar uma chance se quiser mesmo saber. – Disse se afastando rumo as amigas que a esperavam perto do portão.

- Dar uma chance? Chance de que? Deve ser tão doida quanto o irmão. Vai ver é coisa de família. - Seus pensamentos gritavam tão alto dentro da cabeça que nem percebeu seus lábios mexendo como se conversasse com alguém a seu lado.

- Falando sozinha, fia?

Foi só quando Susana interrompeu seus devaneios que ela de voltou a si.

- Tô ficando maluca, eu acho!

- Claro que não, amiga. A gente viu o que o Santiago fez. Idiota! Adora se aparecer... – Sandra a consolou. – Você está bem? Quer tomar água?

- Não, obrigada! Tá tudo bem! Foi um susto e tanto. Acho que eu não sofro do coração. – Riu. – Foi muito louco! Por um instante pensei que tivesse sido atropelada. Dei um pulo que nem sei como cheguei na calçada. Estou tremendo ate agora...

- Esse Santiago é um palhaço mesmo! – Sandra continuou. – Mesmo não estudando mais aqui continua aprontando.

As três seguiram adentrando pelo pátio do colégio. Ainda faltavam alguns minutos para o sinal tocar. Tempo suficiente para colocarem a conversa em dia, afinal haviam estado juntas por última vez na manhã passada, no colégio, havia muito o que se falar.

Ana, Sandra e Susana eram amigas inseparáveis. Não se desgrudavam jamais e era assim desde a época do jardim de infância. Com elas não existia tempo ruim, riam o tempo todo. Os outros sempre queriam estar junto delas devido ao alto astral que traziam consigo. Eram meninas. Ambas no auge de seus 17 anos, meninas. Traziam a inocência em seus corações, conseqüência de terem sido criadas e educadas em um cidade pequena, num casulo confeccionado por pais religiosos que as levavam nas rédeas curtas. As três se viam limitadas. Não lhes cabia na mente o quão tudo poderia ser maior e possível de se realizar, bastando apenas que saíssem do casulo.

Sempre que a conversa era direcionada aos planos para o futuro, os sonhos que traziam em seus corações, uma falava logo.

- Meu sonho é ser uma grande executiva. - E tendo os olhos brilhantes enquanto viajava a través do mundo da imaginação contava sorrindo. – Imagina eu de terninho, saia tubinho um pouco acima do joelho, salto alto. Caminhando ereta carregando uma pasta cheia de documentos em uma das mãos. Poderosa! – E de repente, a realidade a trazia de volta e o brilho em seus olhos se esvaia. A alegria antes sentida em sua voz sendo ofuscada pelo silêncio amargurado dominado por saber ser impossível.

A outra tinha o sonho de ser policial de transito. E sempre que falava sobre isso já começava em tom de comédia, rindo, expressando em sua voz uma certa vergonha por achar que o que falava era uma besteira, sentindo-se ridícula até.

- Ah, imagina eu no meio do transito, apitando e sinalizando quem pode ir ou quem deve aguardar a sua vez de seguir em frente?

Elas não foram criadas para realizarem os seus sonhos. Elas foram criadas para seguirem o ritmo.

Casar, ter filhos. Cuidar da casa, do marido e dos filhos.

E não há nada de errado nisso, claro que não! Se isso for o que você realmente quer. Se tiver a liberdade de escolha, se não estiver optando por aquele caminho como se esse fosse o único caminho, e até optando pelo casamento com determinada pessoa pela pressão do medo de ficar sozinha, pela crença da incapacidade de poder viver sozinha, de pagar suas próprias contas, de trabalhar, de conquistar seus objetivos. E escolher um parceiro sim, se essa for sua vontade, mas com a maturidade necessária para isso.

Susana e Sandra assumiram esse plano desde o inicio. Elas até sonhavam brincando com o imaginário, mas tinham em si que o certo, o que deveriam fazer de fato era se casar e ter filhos.

Ana Laura por sua vez, nunca pensou em se casar. Dos planos que as amigas faziam, do casamento, do vestido de princesa. O enxoval que faziam já desde os doze, treze anos de idade, ela não compartilhava. Tudo o que ela podia imaginar para o seu futuro, tudo o que ela podia querer para si era ser uma mulher de sucesso. Forte, determinada!

Vencer na vida para ela era ser capaz de viver de forma independente. Quem sabe morar sozinha, em uma cidade grande, longe dali. Ter um bom emprego. Uma casa bonita, um carrão... Quem sabe ser uma grande empresária, ou porque não? Uma grande escritora, reconhecida? Esse sim era o seu grande sonho de infância. Escrever, colocar no papel todas as aventuras que vivia em seu mundo particular da imaginação... E depois sim. Quem sabe, encontrar o seu príncipe encantado, se apaixonar e viver um romance.

Mas tudo isso, por mais que quisesse com todas as forças de seu coração, lhe parecia impossível.

Como uma garota, criada no interior, de família pobre poderia chegar a alcançar viver uma vida tão extraordinariamente feliz?

Ela não conseguia entender, não se via capaz.

E por isso, por essa crença ela acabou por destinar-se a trilhar um caminho de muitas dificuldades, a carregar um fardo um tanto quanto pesado demais, se prendeu na idéia de que seus sonhos eram impossíveis. E foi incapaz de perceber o que estava fazendo consigo mesma ao se convencer que jamais chegaria a lugar nenhum, ao jogar a toalha antes mesmo de ter começado a lutar, desistir sem ao menos tentar.

            
            

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