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Palavras machucam e quem as ouve, nunca esquece.
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Vender?
Mordi meu lábio inferior com força e tentei acalmar minha raiva que crescia em meu peito. Eu não devia ficar surpresa, aquela fêmea desejou que eu estivesse morta, vender sua cria não devia ser algo tão ruim assim não era mesmo? Finalmente ela estava se livrando daquele empecilho, eu.
Mas não queria ser vendida, não permitiria que tal injustiça fosse realizada comigo! Neste caso, a única alternativa era fugir dessa casa antes de ser leiloada ao comprador. Sobreviver nessa floresta com minha idade era quase suicídio, mas que escolha eu tinha? Uma era ser vendida e a outra era tentar viver na maldita casa dos monstros. Prefiro a segunda opção, não sou mercadoria e daria um jeito de não morrer na floresta. Até esse momento eu aprendi sobre frutas comestíveis e venenosas, sobre rastrear pegadas de animais carnívoros e herbívoros... Certamente viver no meio daquele lugar não era recomendável, mas ainda possível.
Fiz uma lista mental do que precisava levar, o que não seria muito, pois como esse corpo era pequeno, havia um limite de peso que poderia carregar, mesmo sendo uma férica.
- Duas panelas para cozinhar
- Panos para me cobrir
- Facas
- Cantil
- Roupas
- Barraca
Devo reunir tudo para fugir amanhã, sem deixar nenhum rastro ou desconfiança.
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Não foi difícil reunir os objetivos da lista e os esconder em um tronco oco de uma árvore que ficava perto da minha casa. Não tinha sido difícil olhar para cada compartimento daquele lugar e esperar existir alguma hesitação. Meus pais não tinham nenhum amor por mim, se existiu carinho em algum momento, pode ter sido antes de olharem em meus olhos e perceberem o vermelho vivo que minhas íris eram. Minha mãe mesmo disse, que eu era o monstro que havia devorado sua cria e tomado seu lugar na barriga.
Não sentia desgosto por estar partindo, talvez fosse algo inevitável e uma hora ou outra isso acabaria acontecendo... Só não esperava que fosse tão cedo.
Em meus plenos cinco anos de idade desta vida, precisei decidir entre ser escrava ou correr para uma possível morte. Nenhum dos dois eram uma escolha reconfortante, mas ao escolher a segunda opção, eu ainda continuava a pertencer a mim mesma e a ninguém mais.
Antes que os céus se escurecessem por completo, fugi de casa pela janela e recolhi minha bagagem antes de ir. Lancei um último olhar por trás do ombro, observando aquela residência se afastar cada vez mais. Eu não chamaria aquele lugar de lar, mas foi ali que eu nasci. Havia deixado um bilhete na minha cama, agradecendo por terem me dado uma vida. Talvez eles não soubessem exatamente o significado por trás daquelas palavras, mas eu sabia, e era o suficiente.
Amarrei a bagagem no meu corpo, estava pesada e mesmo que tivesse escolhido o mínimo para que não se tornasse um fardo e diminuísse minha agilidade, era inevitável que sentisse aquele peso me puxando para o chão. Eu tinha um corpo de criança, não tinha como negar esse fato, eu era mais forte se comparada a uma criança humana, mas não estava vivendo no mundo moderno ou do outro lado da muralha, estava indo adentrar uma maldita floresta que iria se tornar minha casa, eu tinha que levar aquilo tudo ou morreria.
- Meus primeiros passos para a morte, mas também para a liberdade...
Teria que viver entre os malditos monstros, precisava aprender a caçar eles, rastrear as feras e a buscar abrigo. Precisava adquirir habilidades para sobreviver neste inferno, mas tudo bem, iria conseguir... Mas precisava ser rápida para adquiri-las, se não pereceria.
Enquanto pisava com cuidado na terra para abafar qualquer barulho, olhava com cuidado ao meu redor, se não tivesse uma boa visão do que se acontecia ao meu redor, provavelmente hoje seria meu último dia. O vento passou varrendo o chão de folhas e com ele, o meu cheiro. Não sabia como camuflar meu aroma, ele podia ser levado pela brisa e consequentemente poderia atrair predadores.
De repente, eu senti um arrepio em minha espinha e escutei uma voz dentro da minha cabeça gritando fuja! Fuja! Então eu corri, porque algo me disse para fazer isso, porque meu corpo gemia para mover as pernas, porque senti que algo se aproximava. Corri, corri com todas as minhas forças! Contudo, minhas pernas eram pequenas, não era nada comparadas as patas velozes do animal que tentava me encurralar. Um grunhido alcançou meus ouvidos e eu virei minha cabeça, só para depois me arrepender de ter feito a ação.
Não sabia como matar uma fera daquele tamanho, mas tinha que pensar em algum jeito, e o que veio em minha mente foi fazer o animal baixar a guarda.
A fera que lembrava um urso, tinha pelagem preta misturada com manchas cinzas, o focinho era comprido e quando a boca era aberta, o arsenal de dentes afiados ficava a mostra, o rabo grande chicoteava durante a corrida e suas orelhas estavam levantadas. Porém, fiquei curiosa a respeito de sua visão, ele não tinha olhos! Nesse caso, sua audição e faro eram importantes para caçar.
Ele não me via, por isso acreditei que a melhor forma para baixar a guarda dele era sangrar e gritar! Precisava fazer o "urso" acreditar que sua presa se machucou e não tinha como se mover e é nesse momento que teria que agir, contudo não seria tão fácil colocar isso em prática, precisava fazer o animal se ferir um pouco antes. Eu sabia que alguns féricos deixavam algumas armadilhas espalhadas pela floresta para capturar animais e bom, acho que farei um bom proveito delas.
Desviava dos troncos e tentava regular minha respiração, podia estar correndo bem rápido, mas não o bastante para escapar! Quando menos esperava, o animal chegou mais próximo e ergueu sua pata para acertar a lateral do meu corpo. Senti a dor irradiar por toda minha extensão quando saí voando até bater em uma árvore e cair no chão, doía, ardia, mas precisei aos tropeços puxar todo o oxigênio que podia e desviar da mandíbula do urso, que viam em minha direção para me abocanhar.
Só mais um pouco... Usei todas as minhas forças que ainda tinha, roubei todo ar que necessitava, desviando de mais outras patadas que prometiam ser tão fortes quanto aquela que me acertou, eu consegui chegar onde as armadilhas estavam! Passei por cima dela e esperei ela agarrar o pé do predador. Ela era de ferro, lembrava uma boca cheia de dentes e ficava aberta, quando a presa chegava perto do seu centro, ela fechava rapidamente e prendia o quer que fosse. Ela prendeu a pata dianteira do animal, escutei seus grunhidos de dor vertebrando pela floresta, mas isso não o parou. Ele continuou a vim em minha direção, em passos mais curtos por causa da armadilha que se fechava cada vez mais contra sua carne.
Só mais uma, eu queria que ele passasse em mais uma para deixa-lo mais fraco e fácil de matar. Olhei em volta, onde estava, onde? Estava tão preocupada que não percebi uma raiz curva na minha frente, meu pé se encaixou nela e eu perdi meu equilíbrio, fazendo eu ir ao chão. O animal escutou o barulho e apressou o passo para aproveitar a oportunidade.
Já estava sem fôlego para correr mais, meu corpo ainda doía por causa do seu ataque anterior e por isso, pensei em arriscar. Talvez eu devesse o matar agora, se não conseguisse morreria ou na corrida ou aqui. Sem tempo para hesitar, usei a faca que estava em minha cintura e cortei minha mão, ao mesmo tempo eu continuei deitada e gritei por causa da dor. A criatura veio mancando na direção dos gritos, suas narinas se dilatavam enquanto buscava o cheiro de sangue no ar e suas orelhas balançaram como se procurasse sons que pudessem delatar minha posição.
Minha mão ardia de dor e meus olhos marejavam, eu só não quero morrer, estou morrendo de medo, mas nem posso pensar em vacilar por conta do meu amedrontamento. Esperei seu corpo enorme se chegar mais perto do meu com cautela.
Não tardou para a criatura aproximar sua cabeça do meu corpo para me cheirar, e era tudo que eu precisava!
Antes que seus dentes perfurassem minha carne, eu segurei a faca e desferi o golpe na garganta do animal. Por estar perto, fui engolida pelo seu sangue que jorrava pelo corte. O grito esganiçado da fera era intenso e grotesco, precisei tampar meus ouvidos e rolar na terra para quando ela caísse no chão morta sangrando, não me esmagasse.
Essa era apenas a primeira morte de muitas que teria que enfrentar.
- Pelo menos já tenho minha janta. - divaguei enquanto forçava um sorriso.
Respirei fundo, sentindo o cheiro daquele sangue, da carcaça ao meu lado e do meu próprio. Estava banhada pelo líquido vermelho quente, mas meus olhos brilhavam. Tão assustada, mas me sentia gloriosa por ter sobrevivido! Perto de morrer e perto de viver. Sorri e comecei a gargalhar como uma louca, até que minha voz se transformasse em dor. Uma queimação se alastrou por minha pele, queimando cada fibra minha, roubando todo meu fôlego e ordenando que eu gemesse de aflição. Eu não devia ter me machucado tanto, a fera não havia me ferido para estar sentido isso, mas ...
Ao rolar na terra senti minha blusa se rasgar, algo crescia e moldava meus ossos ao seu bel prazer, como se estivessem esperado anos para sair de seu núcleo para fora, para a liberdade. Grunhi com a dor alucinante que me enforcou quando o último osso quebrou e se juntou ao novo. Ofeguei, puxei todo o ar com minhas narinas e senti que não era o suficiente! Pensei que iria desmaiar por um momento, e provavelmente iria se aquele sofrimento continuasse.
Com receio, olhei para trás e me espantei ao ver o que tinha crescido.
Asas haviam saído de minhas costas! Não eram feitas de penas, eram como de um Illyriano. Por fora era preto - uma escuridão profunda e intensa-, por dentro era um degrade de preto passando para uma vermelho escuro e depois vivo, era possível ver alongamentos que lembravam dedos em sua membrana - assim como os morcegos- dessa forma, era possível voar com mais destreza e ainda havia protuberâncias pontiagudas no topo da envergadura, espinhos afiados e certamente perigosos.
Lindas, poderosas e magníficas!
Mais um mistério que se associava a meu respeito. Minha reencarnação, meus olhos, e agora minhas asas! Havia muitas perguntas para poucas respostas, mas não devia me questionar sobre isso agora.
Precisava sair dali primeiro, perguntas depois, nervosismo só após comer, agora precisava focar na minha sobrevivência.