Capítulo 4 Jornada

Tornou-se pedra, a menina que um dia foi flor.

- Quando vai partir?

- Em breve... - respondi enquanto levava a caneca de hidromel aos lábios.

- Vou perder minha melhor provedora de mercadorias. - divagou Zeltris.

O macho férico que bebia ao meu lado, era meu cliente, costumo vender peles e carnes de animais que eu caço para ele, o que me rende uma boa quantia para comprar o que precisava. Zeltris era alto, pele morena e olhos castanhos, seus cabelos mel chegavam na altura de seus ombros e sua personalidade era afiada. Conheci ele quando tentava achar alguém interessando em comprar minhas mercadorias, ele havia sido o único que não me olhou com desgosto e aceitou comprar o que eu tinha em mãos.

- Sei que poderá encontrar outra pessoa. - falei enquanto sorria com um pouco de melancólica.

- Se soubesse que você iria embora depois que eu contei sobre aquela humana que acabou com a desgraçada da Amaranhta, teria ficado calado.- resmungou enquanto virava a caneca de uma vez.

- Eu disse a você que iria me preparar por mais ou menos uns três anos até partir, não seja dramático.

Desde que eu comecei a viver na floresta, aprendi a viver a base da caça, porém eu desejava morar em Velaris, como toda fã de acotar. Contudo, não podia ser apressada, afinal a cidade seria apenas revelada quando Rhysand fosse mostrar a localização para as rainhas mortais, até que o momento certo chegasse, eu esperei e pratiquei minha esgrima para ser útil ao Grã senhor da corte noturna.

- Herpia, eu percebi que durante esses anos trouxe mais pele para mim, como também suas brigas no bares aumentaram. - Zeltris pousou a caneca na mesa e olhou-me nos olhos, sem desviar ao ver o vermelho que o encarava de volta. - Você estava treinando mais... Pensei que fosse por causa da guerra, mas não é esse o motivo! - afirmou com convicção.

- Não, posso ter participado da guerra, porém eu tenho o desejo de ser útil para uma corte. Por isso continuei praticando e puxando duelos com o pessoal do bar.

Era verdade. Aos vinte dois anos fui para a guerra que é contada no terceiro livro, lutei e senti a morte passar diante dos meus olhos várias vezes, mas escapei com vida. Sei que entrar de penetra na enfartaria com um nome qualquer havia sido perigoso, mas eu necessitava dessa experiência! De lutar bravamente e sentir o calor do sangue escorrer pela pele. Não sabia o que poderia acontecer no futuro, afinal eu li até o livro da Nestha, dessa forma eu estava preparada para um combate brutal se fosse preciso em honra da corte noturna. A guerra me moldou, escutei choros de desespero por verem amigos mutilados e mortos em seus braços, o cheiro de sangue impregnado nas roupas e terra, os arredores infestados de animais carniceiros dispostos a se banquetear dos féricos mortos. Não era uma boa visão, fazia qualquer um vomitar e perguntar se haveria esperança, eu sabia qual lado iria ganhar, mas não podia negar o quão era desolador era estar de pé após uma batalha, era como se o mundo fosse engolido pela agonia e sofrimento, a esperança parecia ser uma coisa tão inútil e impossível de se existir. A guerra fazia ter esses tipos de pensamentos.

A batalha me ajudou a entender a como lutar contra vários oponentes, mas antes disso eu costumava criar brigas em tavernas, uma forma bem tosca para aprender a como manusear uma lâmina, entretanto, às vezes era o que me restava quando não aceitavam um duelo.

- Herpia, a solitária caçadora dizendo que quer ser útil para alguém. - falou incrédulo e franzindo as sombracelhas.

Viver sozinha na floresta cheia de monstros acabam atraindo apelidos peculiares.

- Estou sendo honesta. - repliquei. - Existem féricos que eu desejo ser reconhecida, quero ser útil para eles e meu tempo aqui se esgotou.

Zeltris sabia que eu estava falando sério, mesmo que a maioria de nossas conversas fossem sobre compra e venda, acabamos criando uma amizade solidária. Aprendemos sobre um e o outro, pois somos féricos observadores e também às vezes falamos um pouco sobre nós mesmo. Ele foi o mais próximo que eu pude chamar de um amigo. E no final, o macho sempre se divertia quando eu começava uma briga em um bar, ele costumava até fazer apostas e óbvio, saia com os bolsos cheios de moedas, pois era difícil eu perder.

- Que a mãe te proteja e que um dia você volte pelo menos para me contar sobre suas aventuras fora dessa corte. - divagou derrotado e com um sorriso triste nos lábios.

- Eu irei... Meu amigo.

Se um dia eu voltar para a corte outonal, será por você.

- Muito bem, por que não faz seu amigo receber uma bolsa de dinheiro antes de sua partida? - insinuou-me a um desafio.

Ahhh, às vezes era fácil odiar e amar Zeltris, mas acho que iria aceitar sua proposta. Virei minha caneca, tomando toda bebida alcoólica que tinha nela, após limpar minha boca, sorri para o férico e fui buscar minha presa. A forma de abordagem pode muito bem ser variada dependendo do alvo e o quão bêbado ele está, dessa vez eu escolhi um macho que estava jogando cartas, ele tinha cabelos escuros e roupas limpas, uma espada pendia em sua cintura e ao carrega-la, ele já demonstrava que sabia como manusear.

Joguei meu cabelo longo para trás e pisquei o olho para o meu amigo antes de abrir o show.

Pedi para entrar na roda, a maioria não quis me aceitar, mas após umas provocações que mexesse com seus egos, uma cadeira foi jogada para que eu me sentasse e pegasse minhas cartas. O jogo foi se estendendo, Zeltris tomava outra caneca de hidromel e esperava a hora da diversão, ele já sabia que eu iria irritar aos poucos os competidores até o álcool subir em suas cabeças tolas e decidirem partir para as armas por estarem com raiva. Eu era boa com cartas, mas trapacear era meu trunfo. Ganhei quase todas e peguei seus dinheiros para mim, os três féricos, contando com meu alvo rangiam os dentes e grunhiam, eles estavam quase no ponto.

- Ora, se eu soubesse que era tão fácil assim arrancar as moedas de vocês, teria vindo mais cedo. - debochei.

Meu alvo cerrou a mão de raiva e me olhou com os olhos em fúria para depois olhar para os outros, parecia que estavam decidindo que iriam me atacar em grupo, tudo bem. Então, como esperado, o macho que estava na minha esquerda chutou a mesa para que saísse voando e o meu alvo avançou para mim atacar de frente. Puxei minha espada e ela se chocou contra a dele, lâmina na lâmina e fúria contra diversão.

Deslizei meu aço para que sua espada a seguisse, para em seguida usar minha mão livre e agarrar sua camisa, trazendo o macho mais para perto para acertar uma cabeçada em seu nariz. Ele grunhiu e eu o empurrei para poder desviar de um murro que vinha em minha direção do macho de cabelos ruivos alaranjados, bloquei o soco com meu braço e depois devolvi com um gancho em seu abdômen. O que chutou a mesa agarrava uma cadeira dessa vez, rapidamente coloquei-me na frente do macho que eu atingi o seu nariz, para que no momento que a cadeira fosse lançada, eu me abaixasse e ela atingisse o macho.

A luta contínuo nesse ritmo, os três tentando desferir golpes, sendo que eu ou os bloqueava ou induzia a acertar seu companheiro, infelizmente não conseguia manter uma luta de espadas por muito tempo, se não era atingida por um chute ou móvel, então fazia o suficiente para que minha lâmina fizesse cortes na carne do férico, os outros eu me restringia em manter uma luta corpo a corpo. Mas aquilo já estava se estendendo por muito tempo, Zeltris já devia ter feito a proposta de aposta e recolhido as moedas, era a hora de encerrar aquela briga.

Recolhi minha espada na bainha e avancei contra o de nariz quebrado, soquei seu rosto e depois seu queixo para que caísse desmaiado. Ele já estava cansado e cheio de cortes para aguentar por mais tempo, os outros dois eram mais resistentes e mantiveram a luta mais duradoura, até que um deles acertou um pedaço de madeira em minha nuca, em um momento em que eu havia chutado o flanco de um. Não havia sido rápida o bastante para deter o ataque, mas tentei me manter de pé.

Dois já haviam sido derrotados, só faltava terminar com o que adorava usar móveis como armas. A cabeça latejava e eu sentia enjoos, entretanto tentei manter o semblante entediado para que ele não notasse minha fraqueza. Esperei ele atacar, um soco que mirava meu olho e outro para a minha bochecha. Desviei de forma mais lenta, mas consegui segurar seu segundo soco com a mão para o puxar e desferir uma joelhada bem no seu diafragma, o macho tossiu e tentou buscar oxigênio, mas eu não lhe dei tempo, o girei e apliquei um mata leão. Segundos depois ele estava deitado no chão, desmaiado.

Limpei um resquício de sangue que estava em minhas mãos e caminhei até Zeltris, que tinha um sorriso estampado na sua face jovial.

- Sabe, vou sentir falta do dinheiro extra que ganho com você, além das lutas, claro.

- Abusado, você adora isso não é mesmo? Além disso, aprendi a como manter uma briga divertida para a plateia. - falei ao pegar sua caneca e tomar um longo gole.

- Bom pelo menos, você não vai embora de bolso vazio. - brincou ao piscar o seu olho pra mim e pedir mais uma caneca para o garçom.

Zeltris, sempre em busca de dinheiro e eu da luta, de fato, éramos uma boa dupla dinâmica.

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Ao começar minha nova jornada, senti a mesma sensação de quando fugi da minha casa. Um sentimento de desapego e de não desejar continuar ali, pois não eram um lar. Não senti falta dos meus pais por todos esses anos e nunca quis rever eles. Deixei aquela vila sem ressentimento, mas admito que ao deixar essa corte, estarei deixando uma amizade para trás.

Zeltris entregou-me roupas de frio e mais cobertas após eu lhe contar que iria atravessar a corte invernal. Sua preocupação era visível, mas ele não tentou me impedir de partir, apenas apertou meus ombros e olhou-me por um minuto em silêncio. Era como se estivesse analisando todas minhas feições e guardando na memória, pois não saberia quando me veria novamente.

Sem discursos ou lágrimas, eu parti. O clima gelado e torturante me aguardava, o peso das pegadas na neve seriam a prova de que eu estava mais perto do meu objetivo: Velaris, a cidade que sonhei todas as noites. Minha vida foi muito solitária e eu me acostumei a isso, porém, me pergunto se seria aceita pelo círculo íntimo... Se minha vida iria mudar depois de conhecer todos eles.

Um pé após outro, marchei para a corte Noturna.

                         

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