Capítulo 2 Be Careful What You Wish For

"Be careful what you wish for, be careful what you dream.

They let you sing your songs, son, but they'll never hear you scream."

Aquela segunda começou atipicamente calma em Nova Iorque. Tão tranquila que Morgan já havia concluído suas atividades com a Fundação antes mesmo do início da tarde. De modo que, quando se dirigia a primeira aula, a ruiva sentiu falta da correria do período de férias letivas, quando a Corpo e Alma abria em turno integral e ela mal tinha tempo de respirar.

Morgan não se considerava uma viciada em trabalho, mas cresceu com o tumulto constante de muitas vozes ao seu redor e estava tudo muito bem, obrigada. Talvez por crescer com cinco irmãos, todos sempre barulhentos e espaçosos, ou ainda por passar cada momento livre ao lado de cantores ávidos a mostrar suas habilidades.

Seja qual fosse a resposta, o fato era que o silêncio e a tranquilidade incomodavam e isso dizia muito sobre a personalidade da ruiva. Alguns, provavelmente seus irmãos, a chamariam de louca, mas esse era apenas um detalhe.

Depois que seu pai morreu, quando ainda era muito jovem, a vida de Morgan deu um giro de cento e oitenta graus. Num dia, sua família era feliz e completa, no outro seu irmão mais velho lutava para manter cada coisa em seu lugar.

Mas nada, jamais, foi como antes.

Pensando bem, daquele dia em diante, tudo aconteceu como uma tempestade, rápido e com proporções para mudar a sua vida.

Fosse para bem ou mal.

Foi dessa forma a cada passagem da mãe pela reabilitação, ou quando Hanna surgiu na sua vida. Sempre súbito e de consequências monumentais para a ruiva.

Morgan se criou no caos, completamente acostumada ao frenesi e à iminente possibilidade de tudo mudar num estalar de dedos.

Assim, naquele momento, ela realmente só desejava alguma agitação no dia.

Qual foi sua surpresa, ao adentrar a sala de aula e descobrir que alguém escutou o seu pedido.

Não que a ideia de animação dela fosse uma visão de seus alunos numa tentativa de reboot ao clube da luta. Claramente, em uma versão com menos críticas ao consumismo e com mais pancadaria.

Mas é como dizem: Cuidado com o que se deseja.

- Atrapalho? - Ela questionou aos jovens que observavam, com certa expectativa, à dois de seus melhores violinistas se digladiando no meio do círculo de pessoas. - Eu deveria sair e deixar a diversão continuar?

Rapidinho, todos os olhos se voltaram para a mulher, visivelmente "pegos no ato". Exceto, é claro, pelos dois protagonistas daquele show, que insistiam na tentativa de acertar um ao outro.

- Dylan! Luke! Vocês vão parar com essa palhaçada e vão parar agora. - A ruiva precisou elevar a voz, mas as palavras foram o suficiente para separá-los, ambos se encolhendo alguns centímetros ao perceber quem falava.

A verdade é que Morgan era uma professora incrível e conhecida pelo bom humor persistente, mas isso não a impedia de ser dona de um gênio forte. Então, ainda que não fosse comum ouvir aquele tom gelado em sua voz, ser a causa dele certamente era um mau presságio.

- Estarei no corredor, mas quero ouvir dezoito violinos entoando suas partes no concerto que ensaiamos semana passada, na mais pura harmonia, até que eu volte. Claire, você é a primeira violinista. - A professora não esperou qualquer confirmação, a turma já sabia que aquele era um castigo.

- Senhorita Avery... - Os dois garotos se adiantaram, tentando arrumar uma desculpa convincente e, de preferência, que os fizesse escapar daquele olhar.

- Shiu! - Ela fez um movimento com uma das mãos, para que ambos se calassem. Recuando alguns passos, segurou a porta e indicou a saída. - O que estão esperando? Um convite formal?

No corredor, Morgan fechou a porta e olhou para os jovens cabisbaixos, esperando até ouvir o som dos violinos antes de começar a falar.

- Que prazer será recebê-los na detenção, rapazes. Faremos disso um hábito? - O deboche no tom dela deixou muito claro que a pergunta não precisava de respostas. - Bom, quem começa?

O questionamento foi seguido de frases desconexas, saindo rápidas e balbuciadas pelas bocas dos rapazes, que já davam indícios de uma nova briga.

Morgan não poderia dizer quem falava o que, ou quem gaguejava mais.

- Não! Mudei de ideia. - Ela disse acima das vozes birrentas. - Seja o que "isso" for, vamos resolver com o bom e velho trabalho forçado em equipe. Ou, como vocês conhecem, limpeza de instrumentos.

- Mas...

- Sem mais! Vou descobrir o que está acontecendo depois, eu sempre descubro. - A professora deu um aperto gentil em seus ombros, já sem qualquer vestígio de irritação. - Precisam passar na enfermaria? - Ela sorriu, vendo a negativa dos jovens e dando uma boa conferida em seus rostos e mãos, só pra ter certeza.

- Morgana! - O grito cresceu pelo corredor, assustando os três e fazendo Morgan se encolher instintivamente.

A verdade é que, pouquíssimas pessoas usavam aquele apelido e só porque a própria Avery não conseguia impedi-los. Apenas sete indivíduos muito irritantes, para ser mais exato.

Considerando que uma delas se encontrava muito longe de Nova Iorque, no momento, e os outros cinco eram seus irmãos, que não tinham vozes tão agudas quanto aquela desde que passaram pela puberdade, a ruiva não precisou se virar para conferir quem vinha na direção deles.

- É a senhorita Clarke? - Luke perguntou a ninguém em específico, coçando distraidamente o cabelo escuro.

Do alto dos seus quinze anos e quase um metro e setenta, ele mal precisou se esticar para ver a mulher sobre os cavaletes de pintura, que estavam desordenadamente expostos ao longo do corredor.

- É sempre a senhorita Clarke. - Ela sorriu observando a amiga de infância correndo em sua direção, a pele de ébano se destacando na luz que entrava pelas janelas.

Então, aproveitando a interrupção, Morgan virou-se pros dois garotos com o ânimo renovado.

- Agora, vocês vão praticar o concerto até enfiarem nessas cabeças que suas mãos são cargas preciosas. Entendido?

- Sim, senhorita Avery.

- Vão sentar lado a lado. - Não era o tipo de ordem que abria margens para recusa, mesmo assim os resmungos foram inevitáveis. - E vão sorrir! Porque somos todos violinistas educados e não pugilistas sedentos de sangue.

A resposta veio na forma de dois conjuntos de dentes brancos e levemente desalinhados, quase saltando de seus sorrisos forçados.

- Isso aí! Bem melhor, não acham? - A ruiva exibiu a mesma curvatura, mas suave e sincera.

Abrindo a porta, ela fez um movimento sutil com a cabeça, indicando aos rapazes que entrassem na sala.

- Morgana! - Após uma rápida olhada nos alunos, a ruiva voltou ao corredor, se certificando de deixar a porta entreaberta e os ouvidos atentos antes de encarar a amiga. - Cadê seu telefone? Te mandei várias mensagens.

Sabrina Clarke tinha lhe alcançado e a encarava com um sorriso de trinta e dois dentes e a respiração cansada, quase como se houvesse corrido uma maratona. Saby, como era conhecida desde a infância, era uma das voluntárias que gerenciava o marketing e os investimentos da Corpo e Alma, trabalhando na Fundação há tanto tempo quanto a própria Avery.

Inclusive, ela foi uma das primeiras alunas na turma de artes plásticas e vinha administrando tudo, ao lado de Morgan, desde que a senhora Miller faleceu, três anos atrás.

- Não sei, talvez tenha ficado na minha sala. - A afobação da morena não era estranha à Avery. Entretanto, aquele seu olhar tinha algo mais hiperativo que o normal, chamando sua atenção. - Aconteceu alguma coisa?

- Conseguimos! - Ela praticamente cuspiu as palavras, se balançando no próprio lugar, tamanha era sua empolgação. - O patrocínio da Brothers Grant! Nós conseguimos! - Saby agarrou os ombros da amiga e a balançou, seus cachos se agitando no processo.

- Porra, Porra, Porra! - As mulheres se abraçaram com sorrisos enormes, pulando em meio ao corredor. - Se isso for outra das suas pegadinhas...

- Não é, eu juro. Alguém vai nos visitar nesta semana.

- Isso vai abrir um mundo de possibilidades para a Fundação. - Elas estavam submersas em excitação e expectativa, totalmente alheias ao resto. - Isso é inacreditável, porra!

Então, uma risadinha as trouxe de volta à realidade.

Ainda abraçadas, as mulheres voltaram a atenção para a porta da sala, agora aberta, onde vinte pares de olhos as encaravam de volta.

- A senhorita Avery disse a palavra com "P". - Mary, a mais jovem violinista da Fundação no momento, tinha sete anos e encarava as mulheres com seus doces olhos castanhos e um sorriso banguela.

- Muitas vezes, pra ser mais exato. - Encostado no batente da porta, o rapaz loiro lançou um sorriso a Morgan. - Que feio, Professora! Faremos disso um hábito?

- Tem razão, Dylan, é muito feio. Por isso vou estar na detenção amanhã, supervisionando você e o Luke no castigo. - A animação do garoto sumiu rapidamente, enquanto os demais davam pequenas risadinhas e voltavam aos seus lugares. - Continuem com o concerto de Mozart, já vou ver como vocês estão.

A ruiva deu pequenos empurrões nos alunos que demoraram a sair da porta, rindo enquanto eles se apressavam a pegar os violinos. Então, antes de entrar, ela agarrou a mão de Sabrina e deu um aperto rápido.

- Isso é incrível, Saby! A senhora M. ficaria muito orgulhosa. - A morena concordou com um sorriso gigante, mas Morgan viu as lágrimas se acumulando em seus olhos. - Hunter's, as oito horas? Assim você me conta os detalhes. - Perguntou ainda da porta.

- Combinado. - Então, Avery assistiu a amiga praticamente saltitar pelo corredor, até sumir de vista, antes de voltar para a sala e fechar a porta.

Ouvindo um dos concertos de Mozart que mais gostava, saindo dos seus jovens violinistas, após longas semanas de treino e com apenas poucas falhas, Morgan sentiu que seu dia estava voltando ao normal.

Teria que manter um olhar mais atento em seus dois pequenos encrenqueiros, principalmente, se a Fundação receberia visitas, ela pensou ao observá-los. Já tinham algumas semanas que os garotos estavam se estranhando e ela pretendia resolver a situação antes que resultasse em mais do que alguns arranhões, como dessa vez.

Bem, seria uma tarde agitada afinal.

            
            

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