Capítulo 4 Monster

"But what if I, what if I trip? What if I, what if I fall?

Then am I the monster? Just let me know."

Trabalhando há um tempo considerável como ator, Thomas Reid tinha quatro formas simples para manter a cabeça no lugar enquanto lidava com a mídia.

Um: ele falava o mínimo possível com jornalistas.

Dois: nas entrevistas, que eram estritamente necessárias, não mencionava sua vida pessoal.

Três: quando surgia alguma reportagem sensacionalista - o que vinha acontecendo muito ultimamente - ele simplesmente ignorava. Nem uma única nota de esclarecimento.

E, finalmente, quatro: se nada disso funcionasse, ele tirava férias e desaparecia por um tempo.

Essa técnica não o deixava em bons olhos com a mídia, mas isso era apenas um bônus. Pro moreno, o que valia era manter a vida pessoal, o mais privada possível. E, de quebra, ele garantia que as pessoas ao seu redor não estavam lá só para aparecer na próxima matéria num site de fofocas qualquer.

Já havia caído nesse truque. Não uma, mas duas vezes, e gostava de pensar que aprendia com os próprios erros.

De modo geral, Thomas Reid tentava levar cada golpe como se fossem pequenos acidentes no percurso, ainda que os tenha sentido tão profundos quanto uma facada realmente poderia ser.

Isso porque amava o que fazia.

Para ele, era muito mais que apenas atuar.

Tinha algo em toda aquela agitação. Talvez fosse a euforia constante nos sets de gravação, ou a oportunidade única de viver tantas vidas diferentes. Para não falar do amor louco, que recebia de seus fãs.

Thomas não sabia ao certo. Provavelmente, chutaria todas as opções acima sem nem piscar.

Na verdade, ele só podia afirmar que atuar o fazia sentir-se vivo, como nada nunca foi capaz de fazer.

Por isso, ele nunca questionou sua escolha de carreira, mesmo com toda a exposição que sofria.

Não depois do circo que a mídia fez quando Amanda, sua primeira namorada, o largou por um ator mais famoso, que a chutou na semana seguinte. Nem quando ela, depois de implorar o seu perdão e não conseguir nada, contou mentiras sobre ele para cada site de fofoca que desse os quinze minutos de fama que o ego dela precisava.

Também não faria isso agora, mesmo que Sunny, a namorada seguinte - uma atriz dessa vez - tenha sapateado sobre a confiança que lhe restava.

Tom sabia que nada de bom poderia sair daquilo, assim que ela deixou escapar, em uma das brigas frequentes do casal, que só mantinha a relação porque era muito conveniente pra própria carreira.

Para ser justo, o namoro já tinha data de validade muito antes de realmente terminar.

Obviamente, ele esperava que, como colega de profissão, Sunny se mostrasse mais compreensiva sobre as dificuldades de um relacionamento com uma pessoa pública. Ou mais reservada sobre a coisa toda, após o término.

Bom, ficou claro que ele estava errado.

Apesar disso,Thomas ainda precisava dar a devida culpa às agendas lotadas de ambos, onde havia tempo pra tudo menos para os dois. Além disso, não podia esquecer da ficção que os tabloides constantemente vinham espalhando sobre uma suposta relação entre o moreno e Ravenna Tate, a atriz com quem contracenou em seu último filme.

Claro que toda aquela merda era uma mentira e Sunny sabia tão bem quanto ele. Isso porque, ainda que convenientemente não aparecesse nas fotos, ela estava na maioria dos "encontros secretos" que viraram manchetes.

Mesmo assim, quando Thomas terminou tudo, isso não a impediu de usar a carta de namorada traída.

Aquilo era um prato cheio pros lobos e sua cabeça foi servida em bandeja de prata.

Logo, ele não conseguia sair de casa sem ser seguido por uma montanha de paparazzis e seu nome estampava as revistas mais sensacionalistas do país.

Então, ali estava ele. Se desdobrando para adiantar, em meses, o último compromisso da agenda, a fim de ter alguns meses livres pra passar muito bem despercebido, obrigado.

- Bem-vindos ao Bronx! - Thomas sussurrou, sem se dirigir a ninguém em especial.

Ele observou as ruas ficando para trás enquanto Monster estourava em seu headphone, quase como se repercutisse o que sentia.

- Senhor Reid.

Desligando a música, Thomas olhou para o assessor de publicidade.

Como sempre, Edmundo Cornelius, ou Cory - como os Reid insistiam em chamá-lo -, mantinha o rosto muito sério, quase sem nenhuma expressão. Com cerca de cinquenta anos e tão magro quanto era possível, estava constantemente com o nariz enfiado na agenda desgastada que carregava para todo lado.

- Seguindo suas instruções, todo o material de publicidade será gravado dentro das instalações e nenhum veículo de imprensa foi avisado.

- Graças a Deus, pelas pequenas artimanhas da nossa equipe de publicidade. - Simon, cantarolou. O segundo do Clã Reid, já estava bem animado naquela manhã e - para o completo desespero do cansado assessor - veio tagarelando por todo o percurso até o Bronx.

- Eu agradeço muito por isso, Cory. Sei que você cortou um dobrado pra organizar tudo tão em cima da hora. - Thomas disse, enquanto acordava os outros irmãos, recebendo apenas um aceno do homem. - Nós estávamos muito ansiosos pela visita, mas, dadas as circunstâncias, algo rápido e discreto parece mais apropriado.

- Seria mais apropriado se fosse mais tarde. - Peter resmungou. O irmão mais novo dos Reid ainda esfregava os olhos claros, repletos de sono, quando Tom o encarou. - Qual criança, que se preze, estaria acordada a essa hora num sábado?

- Creio que seja o horário normal de funcionamento, meu jovem. - Cory informou, ainda sem tirar os olhos da fiel agenda de compromissos. - É provável que todos já estejam esperando enquanto você dorme.

Era difícil afirmar, principalmente sem olhar suas feições, mas Thomas teve a leve impressão de ouvir um tom de deboche na voz do assessor.

Provavelmente, a primeira prova, em nove anos, de que o homem não era um robô como seu irmão Simon vinha teorizando.

- Ouviu isso, Pet? - Do fundo da van, Simon passou a mão no cabelo do mais novo, bagunçando seus cachos escuros. - Parece que você é o único bebê que precisa do soninho de beleza.

- Muito engraçado. - O mais jovem resmungou, afastando-se do irmão. - Acontece que, enquanto você roncava, eu não dormi nada durante todo o voo.

Eis um motivo, entre muitos, para o ator amar a sua família.

Desde a fundação da Brothers Grant, Thomas e os irmãos se uniam - às vezes com os pais ou até alguns amigos - e faziam essas pequenas visitas a instituições que patrocinavam. Antes mesmo do evento de arrecadação.

Normalmente, nada tão cansativo como esse estava sendo. Afinal, não era comum que os irmãos precisassem virar a noite em um voo de oito horas, cheio de turbulências e marcado em cima da hora.

No geral, tudo sobre o trabalho da Brothers Grant era muito bem planejado, mas, com adiantamento na agenda do ator, a visita foi combinada alguns meses antes do previsto. O que deixou todos eles à mercê do azar e com apenas uma semana para programar tudo.

Ainda assim - e aqui está o motivo para agradecer à família que tinha - Thomas não ouviu nenhuma reclamação dos irmãos. Claro que houveram piadas e provocações, mas eles nunca questionaram as consequências do dedo podre do mais velho para seus relacionamentos.

A voz do motorista, avisando que haviam chegado a Fundação Corpo e Alma, arrancou o ator dos próprios pensamentos.

- Bom, sugiro que arrume uma forma rápida e lícita de se manter acordado, senhor. - O assessor finalmente fechou sua agenda, usando-a para acordar Henry, o último dos Reid adormecidos. - Essa cara amassada não ficará bem, frente às câmeras.

- Que conselho útil, Cory. - O irmão caçula de Thomas resmungou, afundando-se um pouco mais no assento e puxando os óculos escuros sobre seus olhos. - Muito obrigado.

- Eu vivo para isso, senhor Reid.

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Artístico foi a primeira - e mais original - palavra que Thomas pôde pensar para descrever a Fundação Corpo e Alma.

Assim que entrou no lugar, as câmeras já estavam prontas por toda parte e havia iluminação em todos os pontos estratégicos. Ainda assim, ele se prendeu à estrutura do lugar, percebendo pequenos detalhes na organização que o encantaram instantaneamente.

A começar pelo corredor central, que estava repleto de quadros em cavaletes, todos dispostos da forma mais desordenada possível. Acima deles uma faixa com os dizeres "Arte é a beleza na anarquia".

Também havia pinturas nas paredes. Sobre o papel, velho e desbotado, diversos desenhos vívidos e frases inspiradoras saltavam à vista, num elaborado mural.

E tinha aquela música.

Não muito longe, nem perto o suficiente para distinguir a letra. Ainda assim, era o bastante para deixá-lo curioso.

- Já está tudo pronto.

Thomas ergueu a vista ao ouvir a voz do assessor.

- Exceto por vocês. Maquiagem, na primeira porta à esquerda, senhores. - Como sempre, as palavras saíram com quase nenhuma inflexão.

O moreno só concordou, seguindo os irmãos até o lugar indicado e parando na porta.

Na sala, todo o espaço era uma confusão de equipamentos, cadeiras, roupas, produtos de cabelo e maquiagens.

Como, normalmente, a produção do quarteto seria no hotel em que se instalavam, o camarim improvisado era uma novidade. Acontece que, com quase nenhum tempo à disposição, apenas as poucas malas que trouxeram haviam feito check-in e os irmãos nem sabiam ao certo onde.

- É assim que eu imagino a produção de Cats, mas, provavelmente, com menos laquê e figurinos que isso. - Simon foi o primeiro a entrar, seguindo toda a agitação com um olhar frenético. - Por que fazemos isso mesmo?

- Porque somos muito bons, encantadores e generosos?

O completo oposto do irmão gêmeo - e por isso, mil vezes mais tranquilo -, Henry dificilmente se afetava com o tumulto a sua volta.

Lançando a Simon um olhar quase debochado, ele arrastou a si mesmo e o seu sono para a cadeira mais próxima. Voltando a dormir em instantes, ele apenas deixou que a equipe de maquiagem trabalhasse.

- Acho que ele 'ta falando de toda essa produção, não do trabalho na Brothers Grant. - comentou Peter, jogando-se em uma primeira cadeira, assim que a alcançou.

- Provavelmente, para aparecermos tão bons, encantadores e generosos no material promocional, quanto se supõe que sejamos. - Foi a conclusão do irmão mais velho. - Isso significa, nada de cara de ressaca.

- Eu senti a sua indireta, irmão. - Simon murmurou, repentinamente interessado em algumas peças de roupa numa arara próxima. - Mas não tem nada que atrapalhe meu charme natural.

- Depois que algum site de fofoca noticiar você, supostamente bêbado, numa visita de caridade à crianças, nós conversamos.

- Sei que você tem motivos pra ser tão cuidadoso, Tommy, mas não é como se algumas fotos fossem delatar o uísque que eu tomei.

- A câmera evidencia tudo, meu bem.

Se acomodando em uma cadeira, Thomas encarou o maquiador e quase teve pena do irmão. Ele nem saberia o que o atingiu.

Conhecido por sua discrição quase inexistente, Carlos era tão habilidoso quanto a maquiagem elaborada, que destacava sua pele escura, podia demonstrar. Ainda assim, não era só por isso que ele era famoso no mundo da moda.

Observando de fora, Thomas tinha certeza que o irmão, no auge da distração, não percebia o tipo de atenção que estava recebendo do maquiador.

- Senta aí, eu tenho um truque para esconder essas olheiras e acabar com a palidez desse rostinho bonito. Você vai adorar.

- Não tenho certeza se quero ser tão bom, encantador ou generoso assim. - Simon resmungou, deixando-se levar pelo homem. - Só não exagera, por favor.

- Não se põe limites na arte, baby.

- Eu, dificilmente, diria que essa cara debochada seria o melhor dos quadros, então boa sorte nisso. - Peter sorriu para o irmão.

- Eu sou como a porra da Monalisa, cara! - Thomas mal pôde conter a risada vendo Simon piscando para o maquiador. - Você concorda comigo, certo Carlos?

- O que você quiser, meu bem.

Enquanto Simon lançava um olhar convencido ao caçula, Thomas tentava entender se seu irmão era muito lerdo ou se Carlos apenas não fazia seu tipo. Bom, conhecendo o irmão, ele apostaria na primeira opção. Até porque o maquiador parecia o tipo de qualquer um.

Mas o que Thomas sabia sobre relacionamentos?

Levando em consideração as últimas manchetes dos tabloides, o ator estava com a conta pingando vermelho no quesito escolhas amorosas.

Sua opinião, certamente, não devia contar pra muita coisa.

            
            

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