Eu já tinha visto esse quarto antes, só não conseguia me lembrar onde. Quem morava ali? E o mais importante, porque eu estava ali?
Ergui meu tronco da cama e o quarto todo girou, me fazendo cair contra os travesseiros macios novamente. Que merda estava acontecendo comigo?
- Ei, vamos com calma. Você passou por maus bocados nos últimos dias. - uma mulher loira entrou no quarto já falando.
Sua voz era quase um cantarolar dos pássaros e o seu rosto tão doce e amigável, que até a repreensão pareceu uma coisa boa.
Os olhos escuros como a noite me encaravam com genuíno interesse e ela me abriu um sorriso branco e largo, com direito até a covinha.
- Quem é você? E onde estou?
Aquele cheiro no ar, parecia o parque quando estávamos na primavera e todas as flores desabrochavam juntas, inundando toda a cidade com um perfume único.
- Eu me chamo Flora. Sou amiga da Agnes, estou aqui cuidando de você.
- Cuidando de mim? O que aconteceu? Onde está Agnes?
Não esperei por uma resposta, eu me ergui da cama mesmo tonta. Apoiei minha mão na cama e obriguei meus pés a funcionar.
Mesmo me sentindo fraca eu andei até o parapeito da janela e olhei pelo vidro, em busca de qualquer memória, qualquer coisa que me ajudasse a lembrar onde eu estava.
O jardim parecia não ter fim, eu não conseguia identificar nada que me recordasse algo assim.
- O que aconteceu aqui? - a voz familiar de Alice me encheu de alívio. - Quem disse que você pode sair da cama mocinha?
- Alice! Graças a Deus. - suspirei aliviada quando ela chegou mais perto e me amparou em seus braços. - Onde estamos e porque me sinto como se tivesse sido atropelada várias vezes?
Minha amiga me encarou por longos segundos, seu silêncio começou a pesar uma tonelada, até que ela me puxou de volta para a cama.
Com cuidado Alice me ajudou a sentar e depois ocupou o lugar ao meu lado.
- Estamos na casa da minha vó. Lembra que vínhamos pra cá quando éramos pequenas?
Então era isso, fazia anos que eu não visitava a vovó Blanca, como me acostumei a chamá-la. Esse era o motivo do lugar parecer tão familiar e ao mesmo tempo ser tão difícil de lembrar com exatidão.
Desde que minha mãe e Will ficaram juntos eu não a visitava. Mamãe sempre disse o quanto vovó Blanca era importante, ela até mesmo ajudou no meu parto.
Mas por algum motivo ela se afastou de todos depois que Will chegou.
Isso me fez lembrar, Will...
- Onde está Will? - questionei é assisti minha amiga olhar em volta, como se fosse achar a resposta em algum lugar ali. - Tinha alguém no meu quarto quando desmaiei, chamei por ele e o ouvi dizer que tudo ficaria bem, mas então eu apaguei.
Alice respirou fundo e se virou para Flora, as duas trocaram um olhar esquisito e mesmo sem dizer nada, a outra pareceu entender o recado.
- Vou chamar a Agnes. Tudo vai ficar bem, menina. - Flora disse com a voz que parecia ser capaz de apaziguar uma guerra.
Mas foi só ela deixar o quarto para que eu me preocupasse com outras coisas.
O que elas estavam escondendo de mim? O que poderia ter acontecido com Will?
- Desde quanto você pisa em ovos para falar alguma coisa?
- Fica calma, minha mãe vai poder te explicar melhor o que aconteceu, mas o cretino está bem.
- Alice! - a repreendi imediatamente e ela revirou os olhos.
Ela estava prestes a protestar quando Agnes entrou no quarto, calando nós duas.
- Ai querida é tão bom te ver acordada! Ficamos muito preocupadas com você.
Tia Agnes era a cópia de Alice, loira, magra, alta, com uma beleza de dar inveja em muita gente.
Apesar de ter cinquenta e dois anos, ela não aparentava mais do que quarenta. Eu admirava isso nela, não só isso é claro, a personalidade dela contava com uma mulher decidida, independente, de grande fé e um coração maior ainda.
- Mãe, Bri quer saber o que aconteceu.
- Oh querida, foi muito difícil tudo o que você passou. Por sorte chegamos a tempo, antes que William conseguisse te tirar da cidade...
- O que?
- Ele já tinha colocado você dentro do carro e estava indo embora, mas conseguimos interceptar o carro na estrada e pegar você de volta.
Isso não era verdade, ele não estaria me levando para fora da cidade quando eu estava praticamente morrendo. Não, não posso acreditar nisso!
- Ele não faria isso, acho que vocês se enganaram. - protestei sabendo que o homem que me criou, que cuidou de mim mesmo depois da minha mãe partir, não faria algo assim comigo. - Ele deveria estar me levando para o Hospital, quando viu que eu não estava bem!
- Eu queria que isso fosse verdade, do fundo do coração queria mesmo. Mas o que descobrimos é que William colocou o veneno na sua comida. Você não estava tendo uma reação tarde ao álcool ou algo parecido, ele envenenou você.
- Mentira! - foi a primeira coisa que veio a minha mente e eu gritei.
Ele jamais faria isso, ele me tratava como pai, me chamava de filha, sempre cuidou de mim e da minha mãe.
- Eu não esperaria que você acreditasse em tudo tão rápido, até porque ele esteve ao seu lado todos esses anos. - Agnes falou devagar, como se falasse com uma criança assustada. - Mas a verdade é essa querida, por sorte encontramos o veneno na cozinha, ou seria muito difícil descobrir uma cura.
Empurrei a mão de Alice e tentei me afastar delas. Eu não ia cair naquela conversa, estava indo longe de mais toda essa confusão.
- Eu vou embora! Vou para casa e vou avisar Will que aceito sair de Salem, vocês foram longe de mais inventando isso!
Dei alguns passos incertos, enquanto elas falavam e falavam, mas minha cabeça tinha dado um nó, eu não conseguia processar mais nada.
Todas as informações se embaralharam na minha mente: Envenamento, Will tentando me matar e me tirar da cidade, elas me salvando, o homem de preto e aquele sonho estranho.
- Amiga não temos porque mentir. - Alice apareceu ao meu lado, me apoiando para que eu não caísse. - Se quiser ir até sua casa eu te levo, mas você precisa descansar. William não está na casa que era da sua mãe. Ele correu, fugindo para bem longe como o rato que é!
- Alice, olhe o que fala!
- Ela precisa saber mamãe! - ela protestou, se virando para mim e despejando a verdade. - Você ficou desacordada por uma semana inteira e depois ia e voltava, despertando aos poucos. - falou me assustando. Eu tinha ficado apagada naquela cama por mais de uma semana? - Nós ficamos do seu lado, trouxemos você para a casa de Blanca e cuidamos de você!
- Quanto tempo eu dormi?
- Quase três semanas, você tem um guardião muito forte. - Agnes disse com a voz amável, chamando minha atenção novamente. - Vocês dois tem!
Franzi o cenho em confusão, de quem ela estava falando? Não havia mais ninguém no quarto além de mim, Alice e ela.
- Você está grávida, Bri! - Alice respondeu minha pergunta silenciosa e eu a encarei como se ela tivesse duas cabeças.
Grávida? Eu? Não podia ser, não tinha como! Eu nunca dormi com homem nenhum...
Parker! Os olhos cor de ouro e cabelos selvagens vieram a minha mente e eu suspirei com as lembranças quentes que preencheram meus pensamentos.
Eu não podia acreditar que estava grávida! Tinha visto o homem uma vez só, não dividimos nada mais do que uma noite e eu estava grávida dele?
Três semanas, tinha passado três semanas desacordada. Então isso queria dizer...
O ar ficou rarefeito e minha respiração ficou presa na garganta.
Minha vida tinha virado de ponta cabeça da noite para o dia e eu não tinha a menor ideia do que iria fazer agora.
Como eu sustentaria um filho? O que diabos ia fazer da minha vida, agora que Will sumiu? E se ele tinha mesmo tentado me matar, quem era esse homem que convivi minha vida toda?
- Nós vamos precisar ir até a LYNC. Vocês precisam de proteção e só Parker pode fazer isso.
- Do que você está falando, Alice? Que proteção?
- Não ligue pra ela querida. Alice fala muito quando não deve, não se preocupe, vamos cuidar de tudo. - Agnes tomou a frente tentando calar a filha. - Você só precisa descansar. Já recebeu informações de mais para um dia.
Eu quis protestar, mas Vó Blanca entrou no quarto, com seu perfume de flores trazendo a calmaria com ela.
- Minha menina, precisa dormir um pouco. Vai acordar bem melhor.
Antes que eu pudesse falar qualquer coisa, suas mãos cobriram meu rosto e com um beijo na testa ela me fez voltar para a cama. O sono me tomou rapidamente e eu adormeci em segundos.