Capítulo 3 Faça um pedido.

O caminho até o centro de Westport era definido pelas pequenas barracas que vendiam flores, e alguns objetos artesanais. Dessa forma, com a venda de instrumentos feitos a mãos, algumas famílias garantem o seu sustento durante aquela estação.

Katherine deixou seu olhar percorrer por uma banca improvisada com tábuas de madeira, analisando pequenos broches de diversos formatos, não eram nada parecidos com os que seu pai vendia na joalheria, com ornamentos de pedras preciosas, mas ainda, sim, tinha sua beleza. Após ver tudo que estava exposto, olhou para cima e viu uma garotinha lhe encarando com uma expressão penosa no rosto.

Enfiando a mão em sua pequena bolsa de porta-moedas, a jovem retirou algumas delas de dentro e estendeu para a garotinha com um sorriso no rosto. A pequenina estendeu suas mãos acanhadas e sujas de terra para receber a oferta.

- Compre algo para comer - Katherine disse e a menina saiu correndo em direção a uma vendinha com pães à mostra.

- Me acompanhe ou vai se perder na multidão - Amélia avisou por cima do ombro - Preciso só comprar algumas ervas.

A jovem apressou os passos seguindo a senhora, e cambaleava um pouco pelo caminho de pedras irregulares. Praguejou mentalmente por não ter escolhido um sapato mais confortável para seu passeio e compras.

Olhando aos arredores, a comoção na estação de inverno era realmente de se admirar, a busca por ervas e condimentos para preparação de pratos quentes quando esfriava crescia de forma considerável. Alguns produtores, aproveitavam a época para melhorar suas vendas e arrecadar algum dinheiro.

Katherine pode ver Amélia entrar em um pequeno chalé, que tinha algumas ramas subindo até o topo e era conhecido por vender as melhores especiarias da região, e ela optou por esperar pelo lado de fora, pois alguns dos temperos, quando ela sentia o cheiro, fazia seu nariz coçar.

Levando um dedo indicador para próximo das narinas, ela impedia um espirro e podia sentir a delicadeza da luva de seda roçar em sua pele e aquilo foi o suficiente para aliviar a tensão.

Ela quase saltou para frente, quando sentiu algo puxar a barra lateral de seu vestido. Atônita olhou para baixo e encarou novamente a garotinha de antes, dessa vez a menina carregava um dos broches que pensou ter visto em sua banca e o estendia de mãos abertas.

- Não precisa, as moedas eram pra você se alimentar... - Katherine começou e fez uma pausa quando a garota olhou para o lado oposto e apontou - O que tem ali?

A garotinha abriu sua mão e despejou o broche em formato de coração enfeitado por uma pedra vermelha e correu em direção à multidão. Alguém devia ter pedido para que ela lhe entregasse, e tal não desejava ser visto, pelo menos foi o que passou na mente de Katherine.

Ela pensou em seguir a menina, mas Amélia já retornava.

- Aí está você - A senhora apontou e agarrou um dos braços da jovem - Vamos, ou não terei tempo para preparar o jantar.

Katherine deu uma última olhada para onde a garota havia seguido e se voltou para a senhora, que agora tomava o caminho de volta para o casarão Winstone.

***

Alguns tons de laranja e azuis se mesclavam no céu, enquanto Katherine se esgueirava pela janela de seu quarto lembrando da tarde anterior. Ela sequer voltou a ver seu prometido, passava o restante do tempo presa em seu quarto, enquanto sua mãe esfregava seu rosto com um pano umedecido dentro da água misturado à lavanda.

Havia ouvido tantas reclamações, sobre como ela poderia ser tão desajeitada e pior, aparecer na frente de seu futuro esposo coberta de lama, Katherine não demonstrou mais sorria por dentro, durante o processo de limpeza.

Ela optou por não descer para o jantar, e permaneceria em seu quarto. Imaginava o quão irritado seu pai estaria depois da cena na frente de seu velho amigo, e iria esperar até tudo se acalmar, até lá, desceria logo mais, para comer algo na cozinha.

A noite caía devagar, e podia ouvir seus passos, quando andava de um lado para o outro, esperando as horas se passarem. Nesse meio tempo, sua mãe bateu à porta, mas continuou a repetir que estava indisposta, o mesmo disse para Amélia e a sua irmã.

Katherine parou ao meio do quarto, e caminhou até sua penteadeira. Deslizando a mão pela madeira maciça, encarou o broche que havia ganhado mais cedo, olhando atentamente agora, ele parecia mais brilhante, ou era sua imaginação?

Ergueu o mesmo na altura de sua cabeça, e enroscou a presilha em seus cabelos, o brilho bordô se mesclava em seu cabelo, e era até difícil de pensar que algo tão belo, estaria sendo vendido em uma pequena barraquinha na praça.

- Onde será que ela conseguiu isso? - Katherine indagou quase que para si mesma, vendo seu reflexo no espelho.

Ela retornou sua mão para o broche no topo de sua cabeça e o retirou, para guardá-lo em uma pequena caixinha que guardava suas joias preferidas. Seus dedos circularam sobre a tampa de porcelana, sentindo as irregularidades com formato de pequenas rosetas. Aquilo foi um presente de sua mãe.

Assim que enfiou o broche dentro da caixinha, se voltou para a janela. A lua tomava seu lugar no topo do céu, e esse era o horário que seu pai se recolhia para deitar. Apertando a manta que cobria seu corpo, ela caminhou até a porta de seu quarto e abriu a mesma, e logo se esgueirou para olhar no corredor.

Agradeceu mentalmente, pois não via ninguém. Deu o primeiro passo para fora do quarto e estendeu sua mão para pegar uma vela acesa em um candelabro próximo à porta, e iria iluminar seu caminho até o andar debaixo.

Com seus pés descalços, ficou mais fácil caminhar sem fazer barulho, ainda mais sobre o tapete liso. Andando devagar, sentiu um alívio, que durou pouco tempo, até passar perto da biblioteca e ouvir vozes vindas de lá.

Katherine engoliu em seco, pensava que seu pai já estaria na cama. Com a ponta dos pés ela se aproximou, e colou seu ouvido direito contra a porta, e se deu conta que seu pai e sua mãe conversavam, ela não tinha o intuito de ficar ali ouvindo, mas a menção de seu nome, chamou a atenção.

- Eu sei que Katherine... - Sua mãe começou e houve um curto silêncio.

- Não se preocupe com isso, o senhor Thornfield, entendeu a situação - A voz de seu pai cortou a quietude - Conversei com seu filho, e ele até pareceu admirado com Katherine.

- O quê? - A jovem que ouvia atrás da porta quase gritou.

Levando a mão a boca, a jovem se deu conta do que havia feito, pressionando os lábios, tentava ouvir mais alguma coisa, mas apenas escutou um barulho da poltrona de seu pai, que ficava dentro da biblioteca.

Katherine apertou os passos pelo corredor, e apenas deu tempo de alcançar a escada e com um sopro apagou a vela para não ser vista, por quem que fosse, que tivesse aberto a porta naquele momento.

Seu peito subia e descia, enquanto tentava recuperar o fôlego pela fuga. Assim que tomou um pouco mais de ar, desceu pelas escadas, e olhou para trás, mas ninguém a seguiu. Com o andar escuro, era quase impossível passar por ali e não tropeçar em algo.

Estendendo a mão, Katherine se esgueirou para acender a vela no candelabro que estava posto em uma mesinha próxima à escadaria. Levou alguns segundos para o fio voltar a queimar e o fogo tornava a iluminar novamente, agora pelo vão do salão principal.

Terminou seu trajeto, e chegou a cozinha, tinha vontade de xingar alto, mas fez isso apenas mentalmente. Sua raiva por Thomas Thornfield cresceu diante daquilo, o que ela fez não surtiu efeito, e não tinha ideia do que fazer a seguir, não queria parar diante dele, os olhos azuis gélidos, lhe travava apenas com o simples pensamento.

- Maldito! - Falou baixinho e deu um salto para frente quando uma voz atrás dela soou.

- Quem? - Amélia perguntou.

- Um rato, eu acho que vi um rato - Foi a primeira coisa que lhe veio à mente - Não sei ao certo.

A senhora arqueou uma das sobrancelhas e encarou a jovem por alguns instantes, como se tentasse ler sua mente, mas apenas se manteve quieta quanto a isso. Passando pela mesma, acendeu as lanternas a óleo, deixando a cozinha um pouco mais clara.

- Vou preparar algo para você - Ela disse.

- Eu estou bem - Acenou e se sentou à pequena mesa no meio da cozinha - Só preciso de um leite quente.

- Claro! - Amélia disse puxando umas das panelas penduradas no alto da estante - Precisa dormir direito, amanhã sua mãe quer discutir os preparativos do casamento.

- Mas, já? - Katherine quase gritou novamente - Achei que iria demorar um pouco mais.

Realmente se tinha esperança que tivesse mais tempo, mas não haveria.

- Dê uma chance para ele - Amélia falou e despejava a garrafa de vidro contendo leite na panela - Se não fosse pela sua travessura, talvez ainda desse tempo de conhecê-lo.

A atenção da jovem foi capturada pelas chamas acendidas, e queimava o fundo da panela, aquecendo o leite. Sua mente vagava, não tinha ideia do que lhe aconteceria, caso o casamento não acontecesse, poderia ser jogada em um convento? Ou seria mandada para uma fazenda muito distante. Todas as opções ela acabaria sozinha e distante de sua família, coisa que não queria.

- O que sabe sobre ele? - Ela perguntou e Amélia lhe servia o leite quente.

- Sei que viajou por muitos lugares - Ela começou e se serviu também da bebida - É o braço direito do pai, em seus negócios.

- Só isso?

- Achei que não estivesse interessada - Amélia ponderou sobre o copo e ergueu seu olhar para Katherine - Não é só isso, fala também, francês e italiano, sabe manusear espadas.

- Como sabe tudo isso? - Katherine indagou e tomou um gole da bebida.

- Sua mãe ficou repetindo isso por horas.

A jovem riu junto da senhora. Poderia imaginar a cena de sua mãe, contando até para as paredes do casarão e os arbustos do jardim, sobre o futuro marido de sua filha, como era gracioso, másculo e brilhante.

Embora as risadas por fora, sua mente ainda estava presa na ideia sobre casar com alguém desconhecido. Havia uma certa inquietação sobre isso, mas evitaria demonstrar. Se seus planos não o impedissem de levá-la ao altar, ainda tentaria depois dele.

Mas naquela noite, ela ainda se revirou na cama, o brilho daqueles azuis e gélidos olhos, lhe visitou em seus sonhos, e um sentimento estranho tomava seu corpo, que começava em seu peito e terminava na ponta de seus dedos dos pés e isso iria lhe perseguir por um longo tempo.

                         

COPYRIGHT(©) 2022