um banco no Brooklyn, seu humor mudava conforme o tom da
notícia. Naquele momento, eles iam entrar na rodada de fofocas
sem relevância.
Comecei a procurar o controle remoto, mas o nome falado
me impediu.
- A bela Tiana Hilton, ex-senhora Walker, como vocês bem
sabem, está compartilhando cada detalhe da preparação de seu
casamento. Nós estamos encantados com o bom gosto, não
estamos, Werner?
Ela jogou a deixa para seu companheiro de tela.
- Sim, mas uma mulher de bom gosto nunca iria nos
decepcionar, é claro. Ficamos um pouco curiosos, porque ontem o
Senador Walker foi bem ríspido com alguns jornalistas em uma
breve abordagem em frente ao prédio do gabinete. Será que ainda
tem uma dor de cotovelo em meio àquela figura fria e pragmática?
Fechei a mão em punho ao mesmo tempo que ouvia a porta
se abrindo. Já sabia quem era. Só uma única pessoa tinha
autorização – e audácia – para entrar no meu gabinete daquela
forma.
Assim que passou pela porta, ele ia falar alguma coisa, mas
parou diante da TV, prestando atenção no mesmo que eu.
- Não sabemos, meu amigo. Até porque desde então
Richard Walker nunca mais foi visto com outra mulher. E, não vamos
ser hipócritas, ele é um cara lindo e sexy, deve haver uma fila de
garotas ansiosas para...
A mulher mal terminou de falar e Ken simplesmente desligou
a televisão, pegando o controle em cima da minha mesa.
- Por que você insiste em ver esse tipo de bosta? - Ele
jogou o controle de volta na mesa e se apoiou nela, cruzando os
braços.
- O meu nome estava sendo mencionado. É um pouco difícil
fingir que nada está acontecendo.
- Ao menos te chamaram de lindo e sexy. - Foi uma
tentativa de piada, é claro, mas eu só revirei os olhos. - Relaxa um
pouco, Rick. Fofocas são fofocas. Na pior das hipóteses o seu nome
permanece na boca do povo.
- Quero que fique, mas por uma boa gestão. Que as
pessoas queiram votar em mim pelo meu trabalho - quase rosnei,
mas Ken balançou a cabeça, como se eu fosse uma criança que
não sabe nada da vida.
- Você quer que as pessoas votem em você. Ponto. Não
importa o motivo. Depois que chegar lá, você prova o seu valor.
- Se fosse assim, eu estaria usando o meu pai na
campanha inteira.
- Deveria ter usado, mas é orgulhoso demais para isso.
Não era só uma questão de orgulho. O problema era que eu
e meu pai não tínhamos uma relação muito boa. Para a mídia,
éramos unidos e um complementava o trabalho do outro, mas nos
bastidores a verdade era outra.
Não gostava da forma como meu pai seguiu com sua vida na
política. Não gostava de como se aliou a pessoas perigosas, nem
durante a candidatura e nem depois. Tornara-se amigo de famílias
da máfia, como os Ungaretti e os Caccini – coisa que ninguém
sonhava em saber –, e eu podia jurar que ainda lhes devia favores.
Volta e meia eu recebia propostas muito discretas para
reuniões com os atuais chefes da Cosa Nostra, mas sempre
recusei. Por muito tempo achei que isso iria me prejudicar, mas eles
não insistiram e não me colocaram em sua lista de inimigos.
Ao menos não que eu soubesse.
- Seja como for, você sabe que quando anunciar o
casamento, essas fofocas vão diminuir, não sabe? - ele continuou
falando, e eu me recostei na cadeira, levando os dedos às
têmporas.
- Tenho minhas dúvidas.
- Confia em mim, garoto. Quantas vezes te decepcionei?
O problema era esse: eu confiava demais. Mesmo quando
chamava um homem de trinta e cinco anos de garoto. Mesmo
quando, no fundo, eu pensava que era perigoso estar tão nas mãos
de alguém.
Eu gostava de ter o controle, de manter minha vida nas
pontas dos meus dedos, mas às vezes tudo isso desandava. As
questões com Tiana foram como um balde de água fria, que me
deixaram um pouco desorientado, mas consegui me reerguer.
Mesmo que me sentindo, eventualmente, na corda bamba, como no
dia do anúncio do casamento dela e depois daquela maldita menção
no telejornal.
- Eu tenho uma solução para os seus problemas.
Ken jogou outra pasta parecida com a do dia anterior sobre a
mesa à minha frente, e eu respirei fundo, meio sem paciência.
- Não estou a fim de ficar selecionando mulheres em um
cardápio, Ken. Ontem já foi o suficiente. Você me trouxe seis
garotas que eram a cara de Tiana. Todas elas completamente
parecidas em personalidade. Não sei o que te deu, mas eu não
tenho um tipo. Não é porque me apaixonei por ela que tenho algum
tipo de preferência.
- Só olha, Rick. Dá uma olhada. Essa garota é diferente.
Mesmo a contragosto, abri a merda da pasta e logo me
deparei com uma foto impressa. Parecia um print de uma postagem
de instagram.
Tratava-se de uma garota muito, muito bonita.
Não, eu estava sendo econômico. A garota era mais do que
isso. Ela era... linda de um jeito que chegava a incomodar.
Os olhos eram de um azul-turquesa que poderia ser
confundido com um tom mais acinzentado. Os lábios eram cheios,
sendo o inferior pouca coisa mais fino do que o superior – e este
tinha um formato marcado, com uma curva acentuada. Os cabelos
eram castanhos, quase mel, e caíam muito lisos sobre seus ombros.
De acordo com a ficha que Ken preparara, ela tinha vinte
anos. Uma menina.
Havia mais folhas com informações, mas eu não estava com
muita paciência para ler. E nem tempo.
- O que tem essa garota?
- Sem contar o fato de que ela é linda?
- Todas as outras também eram. - Eu estava sendo
hipócrita. As outras eram muito bonitas, sem dúvidas, mas aquela ali
era diferente, de fato.
De um jeito inocente, puro.
- Mas todas as outras eram bonequinhas e filhinhas de
papai.
Dei uma olhada no nome da garota e o reconheci.
- Isabelle Waverly? Filha de Anson Waverly? Não é como se
ela fosse uma pobretona.
- Ah, mas é aí que a história fica mais interessante... - Ken
deu a volta e se sentou em uma das cadeiras à frente da minha. -
Ela é bastarda e precisou morar com o pai, levando uma irmãzinha
pequena, que tem uma condição cardíaca. Pelo que apurei, ela não
se deu muito bem com a nova família, e eles não a tratam muito
bem. Tanto que a encontrei em um restaurante de péssima
qualidade, trabalhando como garçonete.
- Garçonete? Uma Waverly?
- Foi o que chamou a minha atenção também. Minhas
pesquisas me levaram a esse cenário: ela precisa de dinheiro para
largar a família, conseguir a tutela legal da irmã e se libertar. Um
casamento com um homem influente como você viria em boa hora.
Ao menos seria uma causa nobre. Isso me fez ao menos
hesitar.
- E o que eu ganharia?
Claro que Kenneth abriu um sorriso. Ele sabia que estava
começando a ganhar aquela breve batalha.
- Além de uma esposa jovem e linda? - Ele se inclinou e
folheou algumas páginas da pasta. Havia uma parte destacada com
um amarelo forte, como se fosse mesmo um dossiê. - Uma
ativista, engajada em causas sociais. Uma garota inteligente, que
não teve oportunidade de estudar. Uma entusiasta de Ciências
Políticas. Sem contar uma garota que precisa de ajuda e que pode
topar essa loucura que estamos criando, por estar desesperada o
suficiente para isso.
- Então nós vamos usar o desespero da moça? É isso?
- E ela vai usar você também. Seu dinheiro, seu prestígio,
sua posição. Não vai ser uma exploração de uma garota inocente,
Richard. Desde o início deixaremos tudo muito claro. Ela vai entrar
no acordo por livre e espontânea vontade e vai usufruir disso. Não
só para proteger a irmã, mas também para se tornar esposa do
Senador Walker e, quem sabe, primeira-dama.
Dei mais uma olhada para a foto dela, ainda um pouco
relutante.
Não era a garota em si. Com certeza de todas as opções que
me foram apresentadas, ela era disparada a que mais me atraía. O
problema era que tudo aquilo me parecia muito absurdo, muito
louco.
- Mas e então, Ken? Por quanto tempo vamos ter que
manter essa farsa?
- Até você chegar à presidência. Depois disso, eles terão
que te engolir por quatro anos.
- E então vai tudo se repetir. Eu serei eleito e vou me
divorciar logo depois.
- Faremos de um jeito que seja convincente. Na pior das
hipóteses, se vocês se tornarem ao menos amigos, ela fica até o fim
do mandado. Podemos avaliar a situação.
- Mas teremos que colocar isso em contrato. Dois anos,
pelo menos. Sigilo total.
- Confia em mim, Rick. Vai dar tudo certo. É a melhor
escolha, acredite.
Até poderia ser, mas eu ainda sentia como se estivesse
entrando em uma enorme cilada.