estar lá, mas não está. Isso faz com que o sangue não circule tão
bem como deveria. E, por causa disso, ela fica cansada mais rápido
do que outras crianças da idade dela. Às vezes, parece que ela está
fazendo um esforço extra só para brincar ou correr um pouquinho.
Ela tem que tomar remédios todos os dias para ajudar o
coração a funcionar melhor. Mas, apesar disso, ela é uma garotinha
corajosa. Passa por exames e consultas médicas como uma
verdadeira campeã.
E por mais que eu esteja disposta a fazer qualquer coisa para
garantir que ela cresça saudável e forte, os cuidados que ela requer
são caros.
Meu pai não me negaria essa ajuda, eu sei, mas meu orgulho
só me faria implorar caso eu não pudesse arcar com as despesas.
Enquanto conseguisse trabalhar, Aurora estaria segura.
Eu jamais admitiria isso para ninguém que perguntasse, mas
era um pouco cansativo e frustrante. Com todos os planos que fiz
para mim mesma, nunca pensei que acabaria desistindo da
faculdade para trabalhar em um emprego que – com todo o respeito
à profissão – não me oferecia nenhum desafio e no qual eu não via
absolutamente nenhuma chance de crescer profissionalmente.
Nunca pensei que me sentiria tão sozinha... tão imensamente
sozinha que por vezes eu implorava para que alguém aparecesse e
como um passe de mágica resolvesse os meus problemas.
Tipo uma fada-madrinha.
Abri a porta da frente da casa com as chaves e me deparei
com uma cena inesperada: meu pai e minha madrasta estavam
sentados no sofá. Havia xícaras sobre a mesinha de centro. Uma
pessoa estava sentada na poltrona que ficava de costas para a
porta, mas dava para ver que era um homem.
Por um momento, suspeitei de uma figura, que mesmo tendo
conhecido em um único dia, não saiu dos meus pensamentos.
Mas não era possível. Era?
- Ah, Belle! Que bom que chegou! - Virginia, minha
madrasta, falou com entusiasmo. O que era muito surpreendente
para mim, porque ela nunca me cumprimentava. Na verdade,
evitava ao máximo falar comigo, tanto que eu nunca era convidada
nem para fazer as refeições à mesa.
Eu e Aurora comíamos no nosso sótão mesmo.
- Eu e seu pai estávamos conversando aqui com o Sr.
Bridges... - Virginia estendeu a mão na minha direção, me
chamando, e isso por si só já teria me deixado um pouco
desconcertada, mas foi o sobrenome que me chamou mais a
atenção.
Bridges.
Era o mesmo cara do restaurante.
Ele se virou para olhar para mim, e lá estava o rosto que
tanto me assustou, pela história de proposta e pelo jeito malicioso
como me olhou.
Cheguei a dar um passo para trás, com os olhos arregalados.
- O que você está fazendo na minha casa? - perguntei em
um misto de indignação e medo. Se ele tinha ousado chegar até ali,
não iria me deixar em paz.
- Garota mal-educada! Esta casa não é sua. É minha e do
seu pai. Você está aqui por caridade nossa.
Ah, daquele jeito ela parecia bem mais a madrasta que eu
conhecia.
- Não precisam brigar com a menina. Eu realmente fui um
pouco precipitado no dia em que a conhecemos e a assustei. - O
Sr. Bridges se levantou, pousando sua xícara na mesa, junto às
outras. - Achei que se conversasse com seus pais primeiro,
provaria que minhas intenções são honradas.
Eles não eram meus pais. Ou melhor: ela não era. Mas
preferi ficar quieta, porque a situação já era problemática demais.
- Por que não se senta? - ele convidou, mas eu neguei.
- Estou bem em pé.
- Tudo bem, você que sabe. Acho que é do seu interesse
saber que sua irmã não está aqui.
Meu coração simplesmente parou.
- O quê? Como assim? - Lancei um olhar para o outro
homem presente, que era meu pai, em busca de algum tipo de
proteção. Só que ele estava claramente se abstendo, como em
todas as outras ocasiões em que minha madrasta tomava as rédeas
das coisas. - Onde está Aurora?
- Ela está, neste momento, sendo enviada para um colégio
interno em outro país. Será muito bem cuidada e terá toda
assistência para sua condição.
Ele tentava fazer como se fosse algo muito bom para minha
irmã. E até poderia ser, se eu não estivesse tão desconfiada; se
minha intuição não tivesse começado a gritar que era uma imensa
armadilha.
- Você tem alguma intenção de me controlar usando ela,
não tem?
Ele sorriu. Aquele sorriso levemente perverso que tanto me
assustou no primeiro dia em que nos conhecemos.
- Mas é uma missão simples, e eu vou cuidar das duas.
Deixei minha mochila cair no chão e já partir para cima dele,
com as mãos fechadas em punho, mas meu pai se levantou de um
pulo e me segurou.
- Ouça o Sr. Bridges, Isabelle. É uma proposta que vai te
ajudar e ajudar à sua irmã.
Tentei me debater, mas ele me segurou com força, me
obrigando a encarar o filho da puta que tinha tirado minha irmã de
mim.
- Não vou pedir nada absurdo, querida. Só precisa se casar
com o Senador Richard Walker e se comportar muito bem como
esposa dele. Mas se comportar para mim. Com as coisas que vou te
pedir para fazer.
Parei de me movimentar, sentindo meu corpo todo retesar.
Meu pai me soltou, percebendo que eu estava parada. Não porque
não tinha mais instintos assassinos em relação a Kenneth Bridges,
mas porque sua afirmação me deixou chocada o suficiente para
nem conseguir me mexer.
- Me casar? Mas... Eu nem conheço esse homem!
Kenneth deu de ombros.
- Casamentos assim acontecem o tempo todo,
principalmente no meio da política. Ele é um bom homem, vai te
respeitar. Está concorrendo à presidência e...
- Imagina só? Sermos da família da primeira-dama? Isso vai
ser maravilhoso para os negócios da família, Isabelle! - minha
madrasta falou, entusiasmada.
Ela nunca me considerou da família, mas a partir daquele
momento, aparentemente, eu passaria a ser.
- Não faz sentido... eu não posso ser primeira-dama. Eu só
tenho vinte anos. Nem quero me casar ainda. Isso é loucura!
- Nem mesmo para proteger sua irmã? Um casamento por
contrato. Você não vai precisar fazer absolutamente nada que não
queira. Conheço Richard, e tenho certeza de que não irá te obrigar a
nada.
Olhei para o meu pai, com os olhos um pouco
envergonhados. Eu não queria falar sobre aquele tipo de coisa com
ele presente, especialmente porque não tinha nenhuma experiência.
Kenneth poderia estar falando aquilo, mas eu definitivamente
não poderia confiar em um homem que estava me fazendo uma
proposta descabida e que levara minha irmã para longe de mim, só
para usá-la como chantagem.
- Ele não vai, mas você... pelo que entendi... - soltei em
um fio de voz.
- É... comigo eu vou pedir uma parceria. - Ele se sentou
novamente e fez um sinal para que eu me colocasse à sua frente.
Não fui, mas houve uma insistência, e eu entendi que teria que me
comportar como uma cachorrinha obediente, porque minha irmã
estava sob seu poder. - Não é nada de mais também. O que eu
quero é que você manipule Richard. Que o faça entender que sou
essencial para ele, que jamais chegaria aonde está sem mim. Quero
que tenha acesso a informações que, talvez, eu não tenha. Que não
permita que dê qualquer passo sem que eu tenha ciência.
Não consegui conter uma risada desdenhosa.
- O que te faz acreditar que ele irá confiar em mim o
suficiente para isso?
- Não precisa confiar. Você pode ouvir conversas sem que
ele saiba. Pode gravar vídeos comprometedores para que eu tenha
acesso a material para chantagem. Gravar conversas que ele não
quer que sejam divulgadas. Acho que você entendeu...
- Eu não sou esse tipo de pessoa. Está abordando a garota
errada.
- Você vai virar esse tipo de pessoa. Tudo, absolutamente
tudo o que eu mandar você vai fazer. Porque a sua irmã está
comigo, e você vai se lembrar disso quando me disser um não.
- Ei! - meu pai o interrompeu, o que me deu alguma
esperança. - Você disse que ia cuidar de Aurora!
- E vou. Ela estará protegida, e eu não pretendo machucála. Jamais faria isso com uma criança. Mas há coisas que ela pode
ter e ganhar que serão negadas caso Isabelle não colabore.
Era inacreditável. Ele ia mesmo me chantagear usando uma
criança.
De onde aquele demônio tinha surgido? E por que cruzara o
meu caminho? O que eu tinha feito de errado, para além de todos
os problemas que já tinha, precisar lidar com Kenneth Bridges?
Olhava para os lados, e meu pai e minha madrasta pareciam
convencidos. Eu não tinha ninguém para me defender. E mesmo se
tivesse, Aurora já estava longe de mim.
- Se eu aceitar, vou poder ver minha irmã?
- Sempre que fizer algo que me agrade.
Minha vontade era novamente pular sobre ele, mas nem
tentei daquela vez. Não havia sentido em lutar por algo sendo que
não haveria vitória no final das contas. Ele já me tinha nas mãos.
E não havia nada que eu pudesse fazer.