família dela. Partimos para lá, aliás, da forma mais secreta possível,
sem uma grande comitiva, apenas com dois seguranças e um único
carro. Não queria me sentir nervoso, mas toda a perspectiva da
situação era absurda. Tentei me distrair usando o celular, fuçando
meu e-mail pessoal, embora não houvesse nada lá de urgente, mais
para me manter alheio à possibilidade de uma conversa com Ken.
Ele entendia esse tipo de coisa, na verdade. Já sabia que eu
tinha meus momentos, minha necessidade de silêncio. Em viagens
de carro, quando íamos lado a lado, eu dificilmente era perturbado
por uma conversa enfadonha, a não ser quando era estritamente
necessário por causa do compromisso ao qual íamos comparecer.
O carro parou diante do portão de um condomínio, e nós
entramos. Como já era de se esperar, os Waverly moravam em uma
casa bonita, mas não condizente com a situação financeira de
alguém que estava à falência. Se é que isso era mesmo verdade.
Fomos guiados por uma governanta até a sala de estar,
elegantemente decorada, e ficamos de pé quando o casal se
aproximou.
Eu conhecia o rosto de Aston Waverly não apenas porque ele
era uma pessoa midiática, mas porque já tínhamos nos esbarrado
em um ou dois eventos. Sua esposa também estivera com ele, e eu
me lembrava de olhares nada confortáveis em minha direção.
- Senador Walker, que prazer tê-lo na nossa casa! - o Sr.
Waverly me cumprimentou com um aperto de mão.
- Obrigado. O prazer é meu.
Eu ia cumprimentar a esposa dele do mesmo jeito, mas ao
invés de aceitar minha mão, a mulher me pegou pelos ombros e me
deu dois beijinhos no rosto, como se fôssemos amigos íntimos.
- Nada de formalidades. Seremos parte da mesma família.
Ao menos alguém parecia animado com aquele casamento...
Precisava saber da noiva.
- E Isabelle? - Quem perguntou foi Ken, com um sorriso.
Talvez, no final das contas, eu fosse o único que achava
aquela ideia muito estúpida e até perigosa.
- Estava se arrumando quando desci. Mas não vai demorar
- Aster falou, apontando o sofá. - Enquanto isso, me permita te
servir um drinque. Com ou sem gelo?
- Sem, por favor.
Ele sorriu, balançando a cabeça em concordância, e se
afastou.
Os três que sobraram na sala se sentaram, quase como se
fosse uma coreografia, e eu novamente olhei para as escadas, à
medida que a mulher puxava um assunto qualquer.
Precisava confessar que estava curioso. Já tinha visto
algumas fotos, e Isabelle sem dúvidas era incrivelmente bonita, mas
não era só isso. Queria olhar para ela, interagir, trocar olho no olho.
Não tinha intenções de me envolver, e queria deixar isso bem claro
para ela, mas além disso queria ouvir suas posições.
A garota deveria ter algum objetivo também, não?
Pensando nisso, me lembrei da garotinha. Ken dissera que
havia uma criança, não dissera?
- A senhora tem outra enteada, não tem? Vou conhecê-la?
- perguntei, aproveitando um breve espaço entre os assuntos que
ela parecia estar atropelando.
Aster chegou logo em seguida, equilibrando os copos na
mão, e eu percebi que os dois ficaram um pouco sem graça.
- Aurora não é minha enteada. É irmã de Isabelle, só por
parte de mãe, mas nós a acolhemos aqui como se fosse nossa.
- E onde ela está? Gosto de crianças.
Gostava mesmo. Queria muito ser pai, inclusive.
Principalmente pensando que sem dúvidas, àquela altura, se ainda
estivesse casado com Tiana e feliz, talvez ela estivesse grávida.
Pensei também que a presença de uma garotinha de quatro
anos pudesse tornar aquele jantar um pouco mais tolerável, mas ela
não parecia estar em casa.
O casal Waverly se entreolhou e depois se voltou para Ken,
quase como se buscassem orientação. Achei isso um pouco
estranho, mas a mulher tomou a dianteira da resposta.
- Conseguimos uma boa escola para ela, mas é um
internato. Aqui mesmo em Nova Iorque.
- Para uma criança de quatro anos? - me surpreendi.
- Ela vai se adaptar bem. Não só terá uma educação boa
como também assistência vinte e quatro horas para suas
comorbidades - Anson falou, e eu continuei estranhando, mas não
tive muito tempo para isso, porque ouvi alguns passos de saltos no
piso.
Ergui a cabeça e a figura delicada de uma garota surgiu no
meu campo de visão.
Uma garota, não. Uma mulher.
Um vestido preto elegante cobria seu corpo esguio e
pequeno, delineando suas curvas. Não havia nada de muito
especial nele, além de um decote tomara que caia com um detalhe
em branco, mas nada mais era necessário.
Eu conseguia ver seu colo perfeitamente, coberto apenas por
um colar simples – um cordãozinho dourado com uma pequena
pedra de diamante. Os brincos eram iguais, e eles caíam como dois
pêndulos de sua orelha, bem visíveis por conta do cabelo preso em
um coque, com algumas mechas finas caídas pelo rosto.
Rosto esse que eu já conhecia, aliás, por causa das fotos,
mas exatamente como imaginei, pessoalmente era um pouco
diferente. Detalhes e nuances se destacavam, além de expressões
e movimentos suaves, que construíam a personalidade dela.
Olhando ali, à minha frente, de cima a baixo, não importava
quantas vezes repetisse para mim mesmo que eu não tinha
intenções de viver um relacionamento, que seria apenas um
casamento por contrato, a certeza de que seria muito, muito difícil
resistir àquela mulher se tornava mais evidente.
- Aí está ela! - Ken foi quem se manifestou, levantando-se
e aproximando-se da moça.
Percebi que Isabelle se retesou um pouco quando meu
assessor se colocou ao seu lado, passando um braço ao redor de
seu ombro, mas foi uma reação tão sutil que talvez eu estivesse
imaginando coisas. Apenas por eu a estar observando quase que de
forma obcecada foi que consegui reparar.
- Richard, meu querido, esta aqui é a linda Isabelle Waverly.
Uma pérola que encontrei perdida por aí...
A garota ainda não olhava para mim. Seus lindos olhos
acinzentados estavam fixos no chão, quase como se estivesse se
esforçando para me evitar.
Por algum motivo eu queria ser olhado por ela. Queria perder
aquela sensação de que se relacionar comigo era um sacrifício e
que ela estava caminhando por um corredor da morte naquele
primeiro encontro.
Sendo assim, fiz algo que nem estava muito acostumado a
fazer, a não ser em discursos ensaiados para uma audiência de
eleitores: uma brincadeira.
- Pérola, não. Um diamante.
Com isso, provavelmente curiosa, a garota finalmente olhou
para mim. O movimento foi súbito, no susto, em pura surpresa.
- O quê?
Não consegui responder logo, porque me perdi um pouco.
Ela não era só bonita, mas também te olhava nos olhos. Neles havia
uma explosão de um sentimento que era um misto de determinação
e inocência. Algo muito peculiar, que a transformava em uma
coisinha intrigante o suficiente para que eu já tivesse vontade de
decifrá-la em pouquíssimos instantes.
Apontei, então, para o pingente em seu cordão, para me
explicar.
- Um diamante.
Senti-me bobo o suficiente com aquela resposta, porque
achei que a faria sorrir, mas Isabelle estava irredutível. Ela
claramente queria aquele casamento tão pouco quanto eu.
O que a tornava uma candidata melhor do que as outras,
ironicamente.
Se encontrasse uma mulher completamente ávida por se unir
a um estranho, ficaria intrigado. Demonstraria certa ganância ou um
interesse diferente no fato de estar ao meu lado.
Isabelle queria ajudar a irmãzinha. Era curioso que a menina
tivesse sido mandada para um colégio interno pouco antes de eu
poder conhecê-la, mas preferiria acreditar na versão de Kenneth.
- Seja educada com o senador, querida - Virginia Waverly
falou, parecendo um pouco sem graça. Seu tom foi o mesmo que eu
usaria com uma criança que fizera uma travessura.
- Me desculpe, Vossa Excelência. É um prazer conhecê-lo.
- Ela foi mais formal do que eu mesmo teria sido.
Estendeu a mão pequena na direção da minha, e eu não
consegui tirar os olhos dela, nem por um segundo, até porque ela
também manteve os dela presos aos meus.
Quando aceitei o cumprimento, o fiz ainda encarando-a,
ainda analisando-a.
- O prazer é meu.
E novamente: eu precisava me lembrar de que aquela mulher
seria, em breve, minha esposa.
Uma esposa a quem eu mal conhecia, com quem assinaria
um contrato e em quem eu dificilmente poderia tocar. Em quem eu
nem sabia se poderia confiar.
Uma aliada, ou uma possível inimiga?
Só o tempo poderia dizer.