Vou contar um pouco da minha história. Fui rejeitada pelos meus pais porque, naquela época, todos me chamavam de bruxa. Eu e meu irmão Alex éramos muito jovens, com cerca de 12 anos, quando os Medici nos encontraram. Eles queriam esperar que envelhecêssemos antes de nos transformar, mas fomos acusados de bruxaria pela população local e seríamos queimados na fogueira. Isso forçou os Medici a adiantarem seus planos.
Após a transformação, descobri que tinha o dom de infligir ilusões de dor nas pessoas. Os Medici nos deram um lar, tanto a mim quanto a Alex, mas até hoje carrego um ódio profundo por aqueles que destruíram minha vida. É claro que eu queria ser humana novamente, queria viver a vida que me foi roubada.
Se você quer saber o que aconteceu com o grupo que destruiu minha família, eu os exterminei até o último. Talvez seja por isso que desenvolvi o poder de torturar alguém mentalmente - assisti à tortura que minha família sofreu.
Nos momentos de tédio, eu jogava xadrez com meu irmão ou fazia queda de braço com Cai. A vida se tornou monótona conforme os anos foram se passando, e devo até dizer que não ver mudanças em minha aparência também. Vi ciclos se iniciando e se partindo ao longo dessa imortalidade.
Ao observar o mundo de hoje, confesso que preferia como era há cem anos. As esposas de Alfred sempre me perguntavam se eu não estava interessada em me apaixonar por alguém, e eu sempre respondia que não. Mas, honestamente, quem conseguiria entender e aceitar o que sou quando eu revelasse a verdade? Ou me apaixonar perdidamente por um vampiro que nem eu, sabendo que poderemos viver juntos ou não a eternidade, iriamos nos aguentar por tanto tempo?
Eu estava sozinha no meu quarto quando ouvi uma batida na porta. Era Helena.
- Querida, está na hora do lanchinho - disse ela, sorrindo. Eu retribuí o sorriso e, num piscar de olhos, já estava ao lado dela.
- Vamos nos divertir - respondi, com um tom malicioso.
Seguimos até a parte de cima do castelo, onde os humanos estavam para visitar nossa "casa". Eles seriam nosso alimento. Sei que sou cruel, mas o cheiro do sangue que já imaginava escorrendo pela minha garganta despertava minha sede.
Quando chegamos ao salão, escondi-me nas sombras, pois eles não podiam me ver.
Foi então que meus olhos avistaram algo perfeito. Um jovem entrou no grande salão segurando uma câmera. Tinha cabelos castanhos claros, olhos cor de chocolate, e aparentava ter cerca de 20 anos. Quando me viu, sorriu. Seu sorriso era radiante, e um leve vento bagunçou seus cabelos. O cheiro de seu sangue era viciante, um aroma inacreditável.
Ele deveria ser minha presa, mas algo em mim hesitava. O que estava acontecendo comigo?
Enquanto os outros começavam a atacar, ouvia-se os gritos ecoando pelo salão. O garoto ficou arrepiado com a cena. Alex tentou avançar, mas fui mais rápida.
- Ele é meu - declarei, e meu irmão recuou.
O garoto, agora muito assustado, me olhou e eu o puxei para fora dali. Ele ainda estava traumatizado. Levei-o até um canto escondido e o coloquei ali.
- Vo-vocês são vam-pi-ros? - perguntou ele, gaguejando.
- Fique aqui - ordenei. - E não faça barulho.
Ele ficou paralisado, seus olhos fixos em mim. Voltei ao salão, onde os gritos diminuíam gradativamente.
Não sabia o que estava acontecendo comigo. Nunca salvei ninguém da morte. Nunca deixei minha presa escapar. Por que agora? Por que não consegui matá-lo?
Minha fome desapareceu rapidamente. Quando todos terminaram de se alimentar, levamos os restos dos corpos para um lugar onde os queimamos.
- O que foi, Jane? Parece preocupada - perguntou Marcos.
- Nada não. Só quero voltar para o meu quarto.
- Então, volte, querida - disse Alfred.
Esperei que todos voltassem para seus aposentos antes de seguir até o pequeno quarto de limpeza onde havia deixado o garoto.
Ele ainda estava lá, do mesmo jeito. Trouxe um copo de água para ele.
- Está tudo bem? - perguntei.
- Você acha que estou bem? Eu vi pessoas sendo mortas na minha frente - ele respondeu, segurando seu crucifixo.
Como se aquilo o protege-se de mim. Ele me via como um monstro, grande novidade.
- Eu entendo. Preciso tirar você daqui - falei.
- Por que você não me matou? - ele perguntou. - Já que você é uma deles.
- Você não poderia simplesmente me agradecer por estar vivo? - rebati, olhando diretamente para ele. Ele desviou o olhar, mas logo se levantou e veio na minha direção.
- Por que seus olhos são vermelhos? - perguntou ele. Não respondi, então ele ameaçou: - Se você não contar, eu conto a todos o seu segredo.
Parei em sua frente e o encarei, furiosa.
- Tente fazer isso e você morre, garoto.
- Então, me conta - insistiu, com uma audácia inesperada.
- Porque sou uma vampira e bebo sangue humano. Pronto, sem mais perguntas. Eu odeio isso.
- Por que você me contou isso?
- Por incrível que pareça, estou confiando em você. Acho que você vai guardar esse segredo - respondi.
- Você é muito bonita. Eu imaginava as vampiras mais assustadoras.
- A beleza e o poder são as maiores armas de uma vampira. Existem outros vampiros, os "vegetarianos", que só bebem sangue animal. Mas chega de comentários - avisei.
Levei-o para longe, bem distante do castelo, onde as sombras não poderiam alcançá-lo e o silêncio da noite o envolveria em segurança.
Quando o deixei, comentei:
- Adeus.
Mas, ao dar as costas, ouvi sua voz suave me chamar, hesitante, mas cheia de esperança.
- E... poderei ver você novamente?
Virei-me para ele, meus olhos refletindo a escuridão da noite, e respondi com uma voz quase imperceptível:
- Não sei.
Ele se aproximou, como se a distância entre nós fosse um abismo que precisava desesperadamente cruzar. Segurou minha mão gelada entre as suas, o calor de sua pele contrastando com o frio que emanava de mim.
- Como você é fria - sussurrou, com um misto de curiosidade e fascínio.
- Esse é outro aspecto dos vampiros - respondi, tentando mascarar a agitação que sua proximidade causava em mim.
Ele sorriu, um sorriso que parecia quebrar a tensão do momento, e com um gesto gentil, colocou um papel dobrado na palma da minha mão.
- Abra em casa - disse ele, soltando minha mão com uma delicadeza que me surpreendeu, antes de se afastar, desaparecendo na escuridão.
Fiquei ali, por um instante, olhando para o papel em minha mão, sentindo algo que não deveria sentir. Uma centelha de humanidade que há muito tempo pensei ter perdido.
Voltei correndo para casa e, ao chegar, abri o papel. Dizia:
"Apareça amanhã na floresta. Eu estarei te esperando."
Eu não sabia se iria ver aquele humano encantador no dia seguinte. Ele deixou o número do telefone comigo. Eu estava maluca ou algo assim? Era impressão minha ou... estava me apaixonando?
Naquela noite, deitada em minha cama, não consegui tirar o garoto da cabeça. Por que ele mexeu tanto comigo? Será que o destino estava me pregando uma peça cruel, fazendo-me sentir algo que nunca acreditei possível? Fechei os olhos, mas o sono não veio. O que fazer no dia seguinte? Deveria ceder ao convite ou ignorá-lo, esquecendo de tudo o que aconteceu?
O amanhecer trouxe consigo um dilema novo e perturbador. De um lado, o chamado do destino, oferecendo uma possibilidade que eu nunca havia imaginado. De outro, a negação do impossível, o medo de se render a algo que poderia destruir tanto a mim quanto a ele. Ficar ou ir? Arriscar o que restava de minha humanidade, ou proteger o que ainda me fazia uma vampira implacável?
A escolha se aproximava, e com ela, a incerteza do que isso significaria para ambos.