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Apaguei as luzes, deixando visíveis os adesivos neon no teto, o cobri e desci as escadas com um sorriso no rosto enquanto cumprimentava as pessoas. Fui até a área de serviço e peguei a minha toalha de banho seguindo em direção ao banheiro.
Deixei o chuveiro gelado mesmo, de qualquer forma, estava calor... soltei os cabelos e deixei a água escorrer por entre os fios molhando desde o meu rosto até os pés. A água gélida se chocando contra o calor da pele a fazia arrepiar e, aos poucos, fui me rendendo à dor que me sufocava por dentro. Meus pulmões pesavam ao respirar e minhas pernas fraquejaram... fui escorregando até acabar sentada no chão com os joelhos unidos com os pés afastados e as mãos por entre as pernas. Completamente despedaçada. Não me importava de estar sentada nua no chão do baheiro. Naquele momento, inclinei minha cabeça para baixo ainda mantendo os olhos lacrimejantes abertos, encarando o chão, e observei as ondas do meu cabelo se desmancharem com a força da água, indo embora. Assim como o meu pai. As lágrimas brotaram como rios saindo dos meus olhos e não pude conter os soluços. Mas eu PRECISO ser forte, se minha mãe me ouvir chorar vai ser ainda pior. Então, coloquei as mãos na boca a fim de abafar o som.
Quando o choro foi cessando, engatinhei até um canto do box, no encontro entre uma parede e outra e encostei a cabeça em uma delas abraçando os joelhos com toda a força e deixando as últimas lágrimas correrem num choro sem som.
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No dia seguinte acordei ao som do despertador tocando, aparentemente, pela terceira vez! Naquele dia eu tinha que fazer a 2ª chamada das provas que eu havia perdido por conta de toda aquela confusão. Então, peguei meus resumos e arrumei a mochila, dessa vez eu não iria quase esquecê-los de novo. Por conta da morte do meu pai, não vou à escola há 2 dias, foi o máximo que a escola permitiu. Então hoje eu tenho que voltar e disseram que não tolerarão atrasos. Apesar de parecido com o dia do incidente, neste dia minha mãe não me apressava ou gritava com meu irmão, ele estava tão tristinho que não tinha forças para aprontar nada. Desci as escadas e me deparei com a minha mãe num estado deplorável: o cabelo todo desgrenhado, as roupas bagunçadas, os olhos inchados e as olheiras enormes. Ela poderia ser considerada a personificação do luto. É claro, eu fiquei desolada também, mas não podia me entregar como ela. Para mim, essa não era uma opção.
Olhei para a direção da cadeira onde papai estava sentado da última vez que o vi e repassei a cena em minha mente. Porquê? Porque eu não abracei ele? Porque não disse o quanto o amava? Porque eu não fiz diferente?! Toda a culpa caía sobre mim naquele momento. Mas meus pensamentos foram interrompidos pelo meu celular tocando.
-Ué?! Porque o Igor tá me ligando? - olhei para o horário no celular e percebi que faltavam menos de vinte minutos para a aula começar!!! Desliguei o celular ignorando a ligação.
Apanhei uma maçã na cesta de frutas, como NO dia em que AQUILO aconteceu. Sabe, talvez se eu fizer tudo como aconteceu na segunda-feira... ele esteja lá, tomando seu café com indiferença.
-Não adianta, ficar refazendo seus passos não vai fazer meu marido voltar. Se adiantasse eu mesma teria feito algo para tê-lo de volta. - Minha mãe falava como um morto vivo, arrastando as palavras. Ela não disse mais nada depois disso.
Ignorando a única coisa que ela disse desde que me contou da morte do papai, peguei um misto quente como naquele dia e fomos para o carro. Sinceramente, eu estava um pouco receiosa de ir para a escola com a minha mãe dirigindo naquele estado. Era capaz de ela bater o carro... o que poderia não ser tão ruim... mas eu não quero que eles morram. Qual a probabilidade de apenas eu morrer neste acidente hipotético?!
Alguns minutos se passaram e nem sinal da minha mãe. Eu e Yuri já estávamos cansados de esperar então, desci do carro e o disse para me esperar lá. Quando entrei a vi ainda no mesmo lugar, sem nem encostar na comida e percebi que ela não iria nos levar. Então, tranquei o carro e coloquei a minha mochila nas costas, a do Yuri, na frente e segurei a mãozinha dele. O sol ainda não estava muito forte e a escola ficava há apenas umas quadras dali. Fizemos o percurso em mais ou menos oito minutos. Conseguimos essa proeza porque peguei meu irmãozinho no colo e corri porque não podia mais atrasar.
O céu estava armando para chover, mas não caiu uma gota sequer. Yuri não queria ir para a escola e eu também não. Queríamos voltar para casa e ficar com o papai mas isso não pode mais acontecer. Tudo o que encontraremos lá vai ser a tristeza e a saudade que já nos cercam por aqui logo, não há saída.
Quando chegamos a sala dele, a chuvarada começou. Ô sorte que eu tenho, hein?! Não é comum chover em outubro no Brasil, ainda mais na Bahia. Acho que até a natureza sabe quando não será um dia bom e proporciona o clima que mais combina com a situação. Dessa vez eu não fiquei chateada com a chuva, eu preciso dela. Nesses momentos, tudo o que precisamos é que a água leve com ela a dor e, convenhamos, eu não tinha muita opção a não ser me molharmesmo! Então o melhor que eu posso fazer é interpretar isso como algo bom.
Eu já me preparava para encarar a chuva quando me vieram gritando.
-Sophie! Espera pela gente, podemos dividir o guarda-chuva!
Eu fiquei especialmente feliz por ter Igor e Marcos do meu lado. É muito bom ter amigos e poder contar com eles em momentos como esse. Sabe, é mais fácil ver a luz no abismo quando não se está sozinho. Confirmei com um sorriso e entrei num canto, mas eles me colocaram no meio.
-Fica aqui. É melhor pra você -disse Igor.
-Se não, vai acabar se molhando. e já basta os outros problemas, não precisa ficar gripada agora! - Marcos complementou. E eu só observava os dois. Me sentindo, por um momento, bem de verdade.
Fomos bem rápido para não perdermos o horário e, inacreditávelmente, chegamos a tempo.
Toma essa, Universo! Eu pensei que tudo estava indo ainda pior, mas, mesmo que por um momento, tudo vai bem.
6 segundos. Foi todo o tempo que tivemos até o sinal tocar e o professor entrar. Sentamos juntos, os três. Igor pegou seu casaco e começou a secar meu cabelo. Ele pegou sua garrafa de água e me entregou, mesmo eu tendo dito que não precisava e disse que se eu não me sentisse bem ou tivesse febre, em casa ou na escola ou em qualquer outro lugar, a qualquer hora, eu deveria chamá-lo. E enquanto isso Marcos observava com uma expressão qu não consegui identificar, só sei que parecia não estar gostando muito de toda a atenção que Igor estava me dando. Ele parecia inquieto e balançava as pernas quando, do nada, ele se levantou do seu lugar e sentou entre mim e Igor, fazendo questão de ficar na frente dele.
-E... se precisar, me chama, antes de chamar ele! Afinal de contas ele é tããão ocupado, não é mesmo?! - E deu um sorriso estranhamente ... simpático?! Eu não sei bem...
-Não tem problema, se for você, eu dou um jeito de dar uma escapada dos compromissos. Além do mais, eu amo a adrenalina correndo por minhas veias!!! Adoraria ter uma desculpa para fugir no meio da noite. Não é incômodo algum! - Igor se esticava por trás de Marcos, para conseguir me ver enquanto falava.
-Olha... eu agradeço a preocupação e tals... mas vocês tão muito estranhos! Sério?! O que foi que deu em vocês?!
-Quem tá estranho? Eu não tô! Vocês dois é que estão com uma atmosfera estranha desde "aquele dia"! Parece que estão escondendo alguma coisa de mim! Principalmente você, Igor! Por que tá tão perto dela?
-E porque você se incomoda?
-Eu... eu não sei... -Ele parecia realmente cofuso. Dava para ver que ele estava tentando ainda descobrir o porquê - Eu... só sinto que vocês estão me deixando de lado...
-Own... não se sinta excluído! Vem cá! -Puxei-o para um abraço bem apertado e acariciei seus cabelos castanhos ondulados e ele sorriu. Parecia um pouco mais feliz. Igor que parecia bravo agora.
-Ei! porquê só ele ganha abraço?! - Ele fez bicou e cruzou os braços, virando de costas como uma criança mimada. Levantei e disse a Marcos para sentar-se em minha cadeira, arrastei outra a qual coloquei entre os dois. Abracei Igor e o soltei.
-Agora, vocês dois, prestem atenção na aula. E isso foi uma ordem! Estão agindo como crianças de 6 anos, birrentas!!! -Disse, por fim.
O restante das aulas daquele dia foi muuuuuito entediante, passei as horas seguintes alternando entre fazer anotações e bater a caneta na mesa, segurando por entre os dedos. O lado positivo foi que, por um momento, tudo parecia normal... pela primeira vez em muito tempo. Acho que nem lembrava da sensação de ter um momento "entediante", me acostumei ao caos, a dor e ao desprezo. E tudo aliviado por um simples momento corriqueiro... No entanto, como a paz dura pouco, logo me veio à memória os últimos acontecimentos... e fica o questinamento: O que eu vou fazer quanta a minha mãe?
Ok, eles me disseram que poderia contar com eles... mas, de um jeito ou de outro, essa família é minha. Acho que afinal de contas, não tenho muita opção senão procurar por um emprego. Não sei se vou conseguir equilibrar com os assuntos da escola e a carga horária... mas será um mal necessário. No momento, o importante é encontrar um modo de sobreviver. Quanto ao meu futuro?... Ele nunca foi realmente importante. Sempre foi apenas um borrão, um vislubre longíquo. Infelizmente, terei que assumir essse fardo pela minha família, ou pelo menos, o que me resta dela.
Minha mãe tem tanta força quanto quanto uma pessoa frágil que acaba de ser esmagada por uma Baleia Jubarte: As 40 toneladas esmagando sues frágeis ossos e exaurindo até a alma. Mas, é perfeitamente compreensível. Ela o amava tanto e ele sempre foi bom para ela, de modo que não poderia desejar companhia melhor ao seu lado. Pode ser egoímo... mas acho que me sinto 100 vezes pior. Ele foi o mais próximo que já cheguei de ter um pai e... de ser amada.
Neste dia ficamos até mais tarde na escola para planejar um seminário e é óbvio que Igor e Marcos estão no meu grupo. O sol já se punha ao fundo quando encerramos o planejamento. Só então me recordo: Se minha mãe mal pode se mover.... quem buscou meu irmão????? Corro em direção à primeira sala, a sala do Yuri. O coitado deve estar sozinho até agora!!!! Isso SE tiver continuado aqui! Aiaiaiiiii....