Capítulo 5 Eu não sei se vou dar conta, mas tenho que tentar! , Jardim

Preocupada, me despedi do pessoal e me dirigi à sala do Yuri. Será que ele ainda estaria lá, a essa hora? Caso não esteja, para onde poderia ter ido?

Já me aproximava da porta quando o avistei sentado no chão. Ele estava com os bracinhos apoiados sobre os joelhos, com os negros cabelos lisos inclinados em seu rosto debruçado por sobre os braços. Quando o chamei uma pequena lágrima escorria de seu olhinhos... ele parecia muito assustado.

-Mana, porquê você demorou tanto pra me buscar?! Eu pensei que tinha acontecido algo ruim com você também!!! Não quero te perder. Não me assusta assim de novo! - Ele pulou eme abraçou, ele tremia, coitado!

-Vamos Yuri, vamos pra casa! Não se preocupe, maninha não vai sumir daqui tão cedo! - Coloquei a mochila dele em um dos ombros e a minha no outro e o coloquei em meu colo. Ele olhou nos meus olhos e me fez jurar que não esqueceria dele de novo. O medo genuíno nos olhos dele me cortavam o coração! Não posso deixar que ele se machuque. Tenho que ser forte, por ele.

-Porque o papai teve que ir embora... eu posso ir ficar com ele? - Ele parecia realmente querer saber! Aquilo me desarmou. Porque, como eu explico uma coisa dessa para um serzinho tão pequeno e inocente?! Era pressão demais para mim. Parecia que o meu coração ia ser engolido por um mar de incertezas e que toda aquela calmaria de mais cedo era a apenas o mar puxando toda a água que pudesse para depois mandar tudo de uma vez, em uma grande tempestade.

-Eu não sei o porque disso... mas sei que você não pode ir pra lá com ele. Nenhum de nós pode. Só quando for a hora certa. Enquanto não podemos nos encontrar com ele, podemos lembrar dele e tentar viver como ele gostaria que vivêssemos. Assim a gente deixa o papai orgulhoso. Tá bom?! -Só Deus sabe quantas lágrimas eu tive que engolir para não desabar naquele momento. Eram tantas, que embolavam em minha garganta. Um sufoco tão grande e doloroso que mal podia respirar.

Eu andei bem devagar, quase me rendendo ao cansaço, remando, com ele no colo. O caminho inteiro de volta, ele não falou nada. Apenas senti as suas lágrimas silenciosas escorrendo pelo meu pescoço, no lado em que ele estava deitado.

Quando chegamos em casa minha mãe não estava mais na sala, mas a comida permanecia no mesmo lugar, intocada. Levei o Yuri para o quarto dele e mandei ele tomar banho. Enquanto isso, desci para procurar minha mãe. Olhei em todos os quartos, salas, escritórios, olhei na cozinha... nada dela em canto algum da casa. Em meio a preocupação, temi o pior. Mas, de repente me veio à cabeça: o quintal, eu não olhei lá! Quando passei em frente a escada vi Yuri descendo.

-Prontinho, maninha! Terminei o banho!

Esse não é o melhor momento para ele aparecer precisando da minha ajuda...

-Sobe pro seu quarto e vai fazendo o seu dever que daqui a pouco maninha leva a sua comida viu?! Não sai de lá, seja obediente.

-Tá bom! E cadê a mamãe?

-Ela tá no quarto dela dormindo! fica tranquilo e sobe logo! - Corri desesperadamente até os fundos

A cena com a qual me deparei foi chocante: a minha mãe se encontrava jogada ao chão ao lado da árvore, que tinha uma corda amarrada a um dos galhos. Havia uma linha roxa contornando seu pescoço. Mas ela não estava pendurada à corda. Para além desse terror, encontrei ao seu lado a caixa de remédios para ansiedade que ela tomava, vazia. Meu coração pulsava na garganta, ameaçando saltar e minha alma insinuava querer deixar-me. Completamnte devastada, minhas pernas falhavam e eu errava o passo. Me joguei ao chão para conferir os batimentos cardíacos: Estavam fracos e, por alguns instantes permaneceram ali. Ela ainda estava um pouco quente, então não havia muito tempo desde o ocorrido. De repente seus batimentos e respiração cessaram. Por sorte, me lembrava das instruções de RCP que os bombeiros tinham ensinado quando foram dar uma palestra lá na minha escola. Liguei para a ambulância sendo mais objetiva quanto possível e dei início à reanimação. Acho que AGORA SIM foram os 10 minutos mais intensos e angustiantes da minha vida.

A ambulância chegou mais rápido do que eu esperava. Talvez porque, ao telefone, minha voz tenha deixado transparecer o desespero que tentava esconder. Enquanto os socorristas cuidavam da minha mãe, eu liguei para a minha avó com as mãos tremendo. Pedi que viesse o mais rápido possível, mas que não dissesse nada ao Yuri. Disse que precisava ir ao mercado resolver uma coisa urgente.

Assim que ela chegou, expliquei tudo muito rápido, de um jeito que ela entendesse a gravidade, mas sem dar tempo pra perguntas demais. Peguei minha mochila, o celular, e fui direto para o hospital.

O tempo passou como um borrão. Médicos entravam e saíam, e eu só conseguia me concentrar no som do monitor cardíaco. Quando finalmente disseram que ela estava fora de perigo e que passaria a noite em observação, desabei num choro silencioso. Não era alívio - era tudo. Era dor, raiva, cansaço e, talvez, só talvez, um grãozinho de esperança.Por volta da meia noite, ela acordou. Olhou pra mim com olhos perdidos, mas cheios de vergonha. Eu segurei sua mão e não disse nada. Às vezes, o silêncio é mais gentil que qualquer palavra.

Voltamos pra casa naquela noite mesmo. A vovó insistiu em ficar e eu deixei. Yuri já estava dormindo, como pedi. A casa estava silenciosa, pesada, mas viva. E isso era mais do que eu podia pedir naquele momento.

Fui pro quarto, tomei um banho quente e, só então, encarei meu celular. A notificação do Igor estava ali.

"Ei... você tá bem mesmo? Fala comigo quando puder. Tô preocupado."

"Meu Deus! Como eu sou grata por ter ele ao meu lado!" Foi tudo o que eu consegui pensar. Nem conseui responder a mensagem naquele momento. Chorei. Mas dessa vez, foi de alívio. Foi como se desentupisse a rolha de lágrimas que havia se alojado na minha garganta. E depois eu pensei "Eu sempre reclamei do quanto a minha vida é difícil. Só percebo agora que aquilo não era nada. Nunca tinha percebido, até agora, o quanto, apesar de tudo, sou feliz por ter os meus amigos do meu lado." Foi só então que eu percebi que Marcos também mandou mensagem. Ele é um pouco menos ligado nessas coisas, mas ele pelo menos tentou:

"Sophie... vc tá melhor agr, né?! Vamos sair amanhã? Quero te levar num lugar pra ver se distrai a cabeça e n fica aí td deprimente!"

Aquilo me arrancou um leve sorriso. Peguei minha toalha e fui tomar meu banho. Enquanto a água quente escorria pelo meu corpo minha mente passava, como um filme, cada momento em que eles estavam ao meu lado. Quer me ajudando a me reerguer, quer me fazendo rir, quer conversando, me animando, comendo comigos ou até estando apenas do meu lado. Percebi REALMENTE o quanto eles cuidam de mim. Aquilo tirou algumas das grandes pedras que pesavam meu coração.

Coloquei o pijama e me deitei na cama, enrolada na coberta com um pote de sorvete - comprado na esquina há uns quinze minutos - como companhia. Enquanto respondia algumas mensagens, recebi uma ligação. Era o Igor. Por algum motivo que eu não saberia explicar, meu coração bateu mais rápido e se aqueceu ao ouvir aquela voz familiar.

- Oi...

- Oi...

- O que aconteceu? Fala logo.

- Como assim? Tô normal.

- Sei. E eu sou o Bang Chan. Conta outra, Sophie. Eu sei quando você tá tentando esconder alguma coisa.

- Não é nada, de verdade. Já passou.

- Então quer dizer que aconteceu mesmo alguma coisa! Poxa, Sophia! Eu disse que podia me chamar se precisasse. Lembra?

- Lembro... mas...

- Acho que você não entendeu direito, então vou repetir: Eu sou seu amigo e tô aqui por você. Pode me chamar a qualquer hora. Eu vou até você e faço o que puder pra ajudar. Porque eu me importo com você. Quando falei pra ser forte, também disse pra dividir o fardo com a gente. Não foi?

- Eu sei... Mas você também tem seus problemas. E se viesse aqui de madrugada, podia ter problema com seus pais. Eu... eu também me importo muito com você. E com o Marcos. Não quero causar transtorno.

- É... então não tem jeito. Vou ter que voltar pra casa...

- Ué, como assim?

- Eu tô aqui. Na porta da sua casa.

- Tá brincando! São quase duas da manhã! Como você chegou aqui sozinho essa hora?

- Peguei o carro do meu pai escondido.

- Ai meu Deus!

- Ih! Se não queria me ver era só dizer.

- Você sabe que não é isso... Mas vai acabar se metendo em confusão!

- Imagina. Ele nem vai saber. Agora desce aqui e vem me ver. Ou quer que eu vá embora mesmo? Nossa, que maldade! Vim até aqui só pra te ver e é assim que me recebe?

- Dramático... - soltei uma risada.

Ele riu também. Eu simplesmente... derreti.

- Tô descendo.

Abri a porta, ainda com o sorvete em uma mão e o celular na outra. Um sorriso caloroso e acolhedor me esperava do lado de fora. Parecia um cachorrinho feliz ao ver a dona voltar pra casa. Fechei a porta atrás de mim e, mesmo cara a cara, ainda estávamos na ligação.

- Seu cabelo tá uma bagunça! - ele disse, rindo.

- Ihhh! Vai ser assim? Olha que eu volto pra dentro, hein!

- Tô brincando! Gostei do pijama...

- Obrigada por ter vindo...

- Senti saudade de você...

Desliguei o celular e ele também. Me puxou pra um abraço - com sorvete e tudo. Ficamos assim por um bom tempo: abraçados, quietinhos. Às vezes, o silêncio fala mais do que qualquer palavra. E naquele instante, eu não queria ouvir nada. Só queria que aquela calma durasse.

Então chorei. Mas não foi um choro de tristeza. Foi um choro leve. Quase doce. Me perguntei se, de tanto sorvete, minhas lágrimas não haviam virado açúcar.

Ele soltou o abraço devagar, ajeitou meu cabelo com carinho e me guiou até a pracinha próxima dali. Sentamos num banco e, sem cerimônia, ele pegou minha colher e provou meu sorvete.

- Ei! Eu tava usando essa colher!

- Eu sei. E daí?

- Agora como vou tomar meu sorvete?

- E essa lá é hora de tomar sorvete, mocinha?

- Não me julgue. Meu dia foi difícil. E você também tomou!

Sem chance de retrucar, ele pegou uma colher generosa e a ofereceu pra mim.

- Aqui, abre a boca.

- Eca! Você usou essa!

- Agora é tarde. Somos parceiros de colher.

Sorri. No fundo, era tudo que eu precisava.

            
            

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