Comemos em silêncio desconfortável, confesso que quis me mexer nervosamente na cadeira, mas eu estou fazendo isso por uma boa causa e preciso aguentar firme. Observei que meu pai estava comendo muito pouco, apesar de a comida estar deliciosa. Parece que ele já está sentindo alguma coisa, mas, como um workaholic que é, não consegue abrir mão de algum tempo e cuidar de si mesmo, em vez de trabalhar incansavelmente.
No meio do jantar, ele começou a fazer caretas e em certo momento empurrou a comida para um canto, mas, logo olhou para mim e percebeu que eu o observava e voltou a comer, parecendo incomodado com algo.
- Você tem se sentido bem ultimamente? - pergunto despreocupadamente.
- Sim, nada fora do normal. - responde.
- Você parece mais magro. - digo.
- Isso é impressão sua. - responde.
- E também parece cansado. - insisto.
Eu preciso que ele pare de ser vago e fale realmente o que está sentindo e se eu preciso irritá-lo para que isso aconteça, então que seja.
- Isso é só impressão sua. - responde com um suspiro impaciente.
- Bem, eu acho que o senhor deveria ir ao médico e fazer alguns exames. Quando foi a última vez que fez isso? - indago.
O suspiro alto e o som do talher tilintando na mesa é a prova de que ele finalmente se irritou com minha insistência e tem algo a dizer sobre o assunto.
- Olivia, eu já disse que estou... - antes de terminar de se assegurar que está bem, meu pai sibila de dor e segura a barriga se curvando de dor e ficando rapidamente pálido.
Corri até ele e segurei seu braço.
- Pai, o que está sentindo? - pergunto apressadamente.
- É apenas uma dor incômoda, logo vai passar. - tenta se desvencilhar das minhas mãos, mas eu o seguro com mais firmeza.
- Vamos ao hospital. - digo.
- Não é necessário, vai passar. - diz ainda curvado de dor, suor escorre de seu rosto.
Sim, apenas uma dor incômoda, como se eu fosse acreditar nisso.
- Vamos ao hospital. - insisto.
- Não. - devolve.
Bem, parece que ele quer me irritar com sua teimosia.
- Pai, se não for para o hospital comigo por bem, eu vou acertar sua cabeça com um vaso e o levarei de qualquer jeito. - decreto com toda seriedade.
Meu pai paralisa por alguns instantes e me encara de olhos arregalados, surpreso com a forma como eu me opus às suas palavras. Isso é algo que eu nunca fiz antes, já que sempre o evitei e tinha certo medo dele, mas agora, eu sou outra pessoa, quatro anos mais velha do que a minha idade atual diz e eu já passei por muitas coisas e dessa vez, eu não vou deixá-lo sozinho por causa de temores e complexos.
É isso aí, pai. Eu sou uma nova mulher.
- Tudo bem. - assente.
Uma pequena vitória!
Mandei que a governanta pegasse os documentos necessários enquanto eu pegava também a minha bolsa e a chave do carro. Voltei até a sala onde meu pai me aguardava, seu semblante não era nada bom, mas eu fui rápida e me senti aliviada por não encontrar lentidão no trânsito até o hospital. Assim que eu expliquei a situação, meu pai foi levado para fazer exames e eu fiquei aguardando. Um tempo depois, foi dito que meu pai havia sido transferido para um quarto e estava em observação e que eu poderia vê-lo. Abri a porta devagar e encontrei meu pai deitado na cama, agulhas conectadas ao seu corpo levavam remédios e soro. Tive um breve vislumbre de mim mesma deitada em uma cama de hospital, achando que melhoraria logo e só piorando a cada dia, até o momento em que eu soube sem que ninguém me dissesse que meus dias estavam contados, e que eu morreria sem deixar aquele hospital e deixaria todos os meus sonhos, uma vida inteira deles para trás. Foi doloroso, no entanto, eu tentei aceitar esse fato irrevogável, ou melhor dizendo, me obriguei a aceitar que eu não podia fazer mais nada e me sentir grata pelo que eu tinha, achando que era muito amada.
Que tola eu fui.
- Como se sente? - me aproximo devagar.
- Bem, eu disse que ia melhorar, não era necessário vir ao hospital. - resmunga.
Claro que ele ia resmungar a respeito, era de se esperar dado a personalidade dele.
- Bem, o que eu poderia fazer? Você é meu pai e embora não sejamos próximos, eu ainda quero vê-lo bem e me preocupo com você. - desabafo.
A sinceridade é a melhor arma nesse momento.
Meu pai abre a boca e arregala os olhos ante minhas palavras, bem, pode parecer estranho ouvir isso, já que eu nunca me comportei assim antes, mas agora eu sei o quanto eu senti falta dele, além do mais, nessa segunda chance que eu tenho, eu quero fazer as coisas direito com ele, quero que tenhamos uma boa relação, como pai e filha devem ter, afinal, tudo o que eu sempre quis foi ser amada por ele.
- Eu nunca soube que você se preocupava comigo. - murmura.
Seu olhar está me deixando um pouco desconfortável, é um olhar novo, como se ele estivesse me vendo pela primeira vez.
Talvez seja realmente assim, já que ele nunca olhou para mim antes.
- É claro que eu me preocupo, você é meu pai e minha única família. - seguro sua mão em um ato de coragem.
Ele me encara e depois olha para onde nossas mãos se unem, depois seu olhar suavizou e ele aperta minha mão levemente na sua. Eu me enchi de emoção naquele momento, esse era o nosso primeiro momento de pai e filha, onde eu me senti verdadeiramente próxima a ele. Engoli o choro no último segundo e dei um pequeno sorriso enquanto olhava nossas mãos, isso até ele praguejar veementemente.
Que diabos?
- O que foi? - pergunto apressada, pensando que ele está sentindo dor novamente.
- Acabei de lembrar que preciso ir para Las Vegas amanhã de manhã. - explica.
É isso?
- Eu posso ir no seu lugar. - me ofereço sem pensar duas vezes, se ele sair assim, suspeito que não será tão fácil trazê-lo novamente para fazer exames.
Ele pensa a respeito por alguns segundos e depois assente.
- Tudo o que você precisa está em cima da minha mesa no escritório, meu assistente irá com você, ele pode oferecer qualquer informação que precisar, não precisa se preocupar, é apenas um congresso, é bom que você vá se familiarizando com os assuntos da empresa. - responde.
- Tudo bem, eu irei para casa e darei uma olhada em tudo, também vou me preparar, eu juro que não vou decepcionar. - garanto sorrindo feliz por ele acreditar em mim.
Pouco tempo depois, deixe-o no hospital com todas as recomendações e depois de ter uma conversa com o médico sobre o estado do meu pai. Antes de ir para casa, corri até uma loja e comprei algumas roupas, porque as minhas simplesmente não servem para algo assim, aliás, não servem para nada.
Tenho um sentimento bom sobre Las Vegas, espero grandes coisas dessa viagem.