Ele, por sua vez, parecia quase se divertir com a minha presença. Seu olhar estava fixo em mim, com um sorriso sarcástico curvando os cantos de sua boca. Aquele tipo de sorriso que dizia: "Você não tem a menor ideia no que está se metendo."
- Então, Sr. Bellini, é assim que pretende me convencer a lhe defender? - Eu mantinha a postura, tentando esconder a insegurança que queimava por dentro. Mesmo com minha licenciatura e experiência acadêmica, havia algo em Enzo que me deixava vulnerável. Algo no poder que ele emanava.
Ele se levantou da cadeira com uma lentidão quase provocante, caminhando até a janela. A luz da cidade de Nova York iluminava seu rosto de maneira quase cinematográfica, criando sombras que faziam sua expressão ainda mais imponente.
- Você realmente acredita que pode me defender, Alice? - Ele virou-se lentamente para me encarar. - Vai encarar um caso como esse apenas porque tem um diploma? Ou você tem algo mais a oferecer, hm? Porque eu posso ver em seus olhos que você não tem a menor ideia do que é realmente lutar por um cliente como eu.
Aquelas palavras, ditas com tanta certeza, faziam meu estômago revirar. Ele estava certo, eu não tinha experiência. Mas eu também não estava ali para desistir. Minha mente girava com uma única certeza: eu não era fraca, e tinha uma razão para estar ali. Eu não iria permitir que ele me fizesse duvidar de mim mesma.
- Eu posso não ser experiente, Sr. Bellini, mas a minha determinação não tem preço. - A firmeza da minha voz me surpreendeu, mas a frase saiu com mais convicção do que eu imaginava. - Eu sou a melhor opção que você tem. Não sou mais uma das advogadas de grandes escritórios que vai tentar negociar em cima do medo. Eu vou lutar por você, e se você achar que só um bom nome pode resolver o seu caso, então estamos em desacordo.
Enzo não respondeu imediatamente. Ele permaneceu em silêncio por alguns segundos, mas o sorriso em seu rosto se alargou, e então ele caminhou em direção à mesa, ainda sem desviar os olhos de mim.
- Vamos ver, então, Alice. Vamos ver o quanto você está disposta a sacrificar por mim. Você vai ter que ser muito mais do que "determinada". E se você acha que vai sair imune disso tudo, posso te garantir uma coisa: vai se decepcionar.
Ele se aproximou, parando tão perto de mim que eu podia sentir o cheiro amadeirado do seu perfume, algo que parecia envolver a sala inteira. O tom ameaçador em sua voz era como uma advertência disfarçada de curiosidade.
- Eu gosto de ver pessoas assim, cheias de coragem, sem nem saber o que estão enfrentando. - Ele sussurrou, como se fosse uma observação íntima. - Mas me conte, o que você faria por mim, Alice? O que você tem a oferecer?
Aquelas palavras reverberaram na minha mente como um eco. Eu sabia que o que ele queria não era uma resposta direta, mas uma maneira de me testar, me empurrar para fora da minha zona de conforto. Ele não me via como uma ameaça ainda. Mas o que mais me irritava era que ele tinha razão em pensar assim. Eu não sabia o que estava por vir. Eu só sabia que precisava seguir em frente.
Karen, que estava quieta até então, respirou fundo e se aproximou de nós. Ela olhou para Enzo, depois para mim, e soltou um pequeno sorriso nervoso, como se tentasse aliviar a tensão. A presença dela me lembrava o porquê de estar ali.
- Alice, não leve para o lado pessoal - ela disse, sua voz tentando soar mais casual do que o momento exigia. - Sr. Bellini, com todo o respeito, acho que a Alice está aqui porque ela sabe o que está fazendo. Ela é boa. E tem muita determinação. Só precisa de uma chance.
Eu poderia sentir a relutância de Karen em intervir, mas também percebia o quanto ela queria me apoiar. Ela sabia que o que eu estava fazendo era arriscado, mas não me deixaria enfrentar isso sozinha.
Enzo me observava com um ar de quem estava se divertindo em me ver vacilar, mas também havia algo em seu olhar que estava diferente. Ele não parecia mais tão confiante de que eu fosse uma perda de tempo.
- Está vendo, Alice? Sua amiga sabe o que estou falando - ele disse, lançando um olhar para Karen, que estava tentando manter a calma, mas claramente desconfortável. - Vamos ver até onde vai essa sua "determinada" coragem, então. Vou te dar uma chance. Apenas uma. Mas não espere que eu seja fácil de lidar. Não se você realmente quiser me tirar dessa.
Ele deu um sorriso pequeno, mas que, para mim, soou mais como uma ameaça disfarçada. Mas era um desafio, e eu estava determinada a não me intimidar. Eu havia aceitado esse jogo. Agora, era hora de jogar.
- Vamos trabalhar juntos, Sr. Bellini. - Eu disse, mantendo o olhar fixo. - Mas lembre-se de uma coisa: eu não sou do tipo que recua.
Ele assentiu lentamente, como se aquilo fosse o que ele esperava ouvir.
- Vamos ver, Alice. Vamos ver. - A última palavra saiu da sua boca como uma promessa, e ele se afastou, deixando o clima ainda mais carregado na sala.
Eu respirei fundo, tentando recuperar o equilíbrio, enquanto sentia a pressão de cada palavra trocada.
A primeira jogada tinha sido feita.
Após a reunião, eu estava com a mente a mil. A pressão de Enzo Bellini parecia ainda pairar no ar. Ele não só me desafiou como também me fez questionar minhas próprias intenções. Eu sabia que havia aceitado o caso em busca de uma oportunidade, mas o que ele me mostrou - ou melhor, o que ele não mostrou - me fez duvidar de mim mesma.
Karen insistiu que fôssemos almoçar. Ela sabia que eu não estava em um bom estado mental para trabalhar ou fazer qualquer outra coisa, então ela quase me arrastou para fora do escritório. O calor de Nova York batia forte, mas nem mesmo o calor abafado da cidade poderia dissipar a tensão que eu estava sentindo. O som do trânsito, a pressa das pessoas, tudo isso me parecia distante, como se eu estivesse fora de sintonia com o mundo ao meu redor.
Nos sentamos em uma pequena lanchonete não muito longe do escritório, e o cheiro dos sanduíches e café parecia quase surreal diante do caos mental que eu estava enfrentando.
- Alice, você não parece bem. - Karen falou com cuidado, observando-me enquanto eu mexia na comida sem realmente comer. Ela sabia que algo estava errado, e embora eu tivesse tentado esconder, não consegui mais disfarçar.
Eu suspirei e recostei na cadeira, tentando colocar meus pensamentos em ordem.
- Eu não sei o que fazer, Karen. Ele... Ele é tão... Ele sabe o que está fazendo. - Eu falei, a frustração tomando conta de mim. - Enzo Bellini tem um controle sobre tudo e todos, ele tem o poder, a influência, e eu sou só uma... uma advogada recém-formada sem experiência. Ele quase me fez acreditar que eu estava em cima da minha cabeça.
Karen me observou com uma expressão de preocupação, mas também havia algo mais em seus olhos, uma certa compreensão que fez minha respiração ficar mais tranquila. Ela já tinha me visto passar por várias dificuldades e se lembra da Alice que começou com poucos recursos, a Alice que teve que lutar por cada pequena conquista.
- Eu sei que você está se sentindo assim, mas... - ela pausou, pensativa - você tem uma coisa que ele não tem, Alice: integridade. E isso vai ser mais do que o suficiente. Você tem uma visão clara do que quer, e sim, ele é perigoso, e sim, o caso é grande demais, mas você não vai ceder a isso. Não agora.
Eu me afastei da mesa por um momento e observei o movimento pela janela, o reflexo da cidade se desenhando como uma tela em branco diante de mim. Mas a verdade era que eu ainda me sentia perdida.
- O problema, Karen, é que eu não sei até onde posso ir. O que eu realmente quero fazer é advogar para pessoas inocentes, para aquelas que não têm voz. Mas esse caso... É uma escolha difícil. - Eu a olhei, esperando que ela me ajudasse a entender o que eu estava sentindo. - Eu sei que o mundo é cheio de injustiças, mas será que vale a pena me perder em algo tão sombrio?
Karen ficou em silêncio por um momento, aparentemente absorvendo minhas palavras. Ela sabia o que eu estava pensando. Ela sabia o quanto eu me importava com os meus valores, e o quão difícil seria para mim ficar presa nesse jogo de poder.
- Alice, eu entendo seus dilemas, mas o que você não pode esquecer é que você tem a chance de fazer a diferença aqui. Enzo Bellini é um homem complexo, um criminoso, sim, mas ele também é alguém que precisa de uma defesa justa. E você, mais do que ninguém, tem as ferramentas para fazer isso. Se você acredita que ele é inocente, ou se você acredita que ele merece uma chance de mudar... então essa é a sua missão.
As palavras de Karen soaram como um despertar para mim. Era isso. A missão. Não era sobre aceitar o trabalho de defender Bellini porque eu queria me envolver com o mundo dele. Era sobre justiça. Era sobre fazer a diferença. Isso poderia ser minha chance de lutar por algo mais.
Eu respirei fundo, deixando as palavras dela se encaixarem em meu raciocínio. A pressão de suas implicações não desapareceu, mas algo dentro de mim se acendeu. Eu não ia recuar agora.
- Talvez você esteja certa. - Eu murmurei. - Talvez o que eu preciso agora seja aprender a lutar pelas pessoas de uma forma diferente, até mesmo por aquelas que estão do lado errado da lei.
Karen sorriu, aliviada por me ver começar a fazer sentido das coisas. Ela estendeu a mão e tocou minha mão, um gesto simples, mas cheio de apoio.
- E lembre-se, Alice, você não está sozinha nessa. Eu estou com você. Vamos encontrar uma maneira de fazer isso dar certo.
Eu olhei para ela, sentindo uma onda de gratidão tomar conta de mim. Ela era minha amiga desde a infância, e agora, mais do que nunca, eu sabia que sua amizade e lealdade significavam o mundo para mim.
- Obrigada, Karen. Sério. Eu não sei o que faria sem você.
Karen sorriu, dando um leve empurrão em minha cadeira.
- Sempre, amiga. Agora, vá lá e mostre a esse mafioso quem realmente manda.
As palavras dela me fizeram sorrir, e pela primeira vez desde a reunião, eu senti uma chama de confiança se acender dentro de mim. Eu estava prestes a mergulhar no mundo de Enzo Bellini, e isso significava mais do que apenas um trabalho.
Era a chance de transformar uma vida, e talvez até mesmo a minha.