Hoje, era o dia da primeira reunião oficial para discutir os detalhes. Passei a última semana afundada em arquivos, revisando acusações, testemunhos e cada detalhe do processo. Por mais que me incomodasse o mundo em que Enzo estava envolvido, parte de mim queria entender a fundo o jogo. Talvez porque, no fundo, eu soubesse que, de algum modo, minha vida já estava ligada a ele.
Quando cheguei à sala de reuniões, Enzo já estava lá, reclinado na cadeira com o olhar inexpressivo e entediado. Ao seu lado, estava Karen, digitando algo no laptop, lançando um sorriso discreto de encorajamento quando me viu entrar. Enzo mal moveu os olhos na minha direção, mas eu podia sentir o desprezo silencioso em seu semblante. Ele não se importava em esconder o fato de que não confiava em mim – e, pelo jeito, fazia questão de deixar isso claro.
Me sentei do outro lado da mesa e dei um leve aceno para Karen antes de focar meu olhar nele. Respirei fundo, tentando ignorar o peso que aquele encontro carregava.
- Boa tarde, Sr. Bellini. - Comecei, ajustando meus papéis na mesa. - Como comuniquei ao escritório na semana passada, decidi pegar o seu caso.
Ele finalmente ergueu os olhos e esboçou um sorriso sarcástico, como se minha declaração fosse uma piada.
- É mesmo? - ele disse, com o tom levemente debochado. - A "advogada de causas nobres" finalmente decidiu se render ao lado sombrio?
Engoli em seco, mantendo o olhar firme no dele. Eu sabia que ele ia me testar, que provocaria até encontrar uma brecha, uma fraqueza. Mas não ia deixá-lo me desestabilizar tão facilmente.
- Sr. Bellini, eu não estou aqui para discutir o que me motivou a aceitar o caso. - Retruquei, em um tom calmo e controlado. - Estou aqui para garantir que o senhor tenha a melhor defesa possível.
Ele riu baixinho, cruzando os braços com desdém.
- Ah, claro. Estou ansioso para ver o que uma advogada com tão pouca experiência pode oferecer para me tirar dessa. - Seus olhos brilhavam com uma malícia irritante. - Você sabe, Alice, eles me prometeram alguém competente.
Respirei fundo e sorri de forma contida, não querendo mostrar que sua provocação estava, sim, me incomodando.
- E o que me dizem é que sou a melhor advogada que conseguiria, Sr. Bellini. Eu não preciso de anos de experiência para ver que o senhor está metido em uma situação complicada. Então, se é competência que o preocupa, sugiro que comecemos a discutir os detalhes para preparar sua defesa.
Enzo inclinou-se para frente, com uma expressão fria e um sorriso de canto, quase predatório. Eu podia sentir que ele gostava de ter o controle, mas isso só me desafiava ainda mais a mostrar que eu não me deixaria intimidar.
- Muito bem, já que você insiste. - Ele disse, com um tom irônico. - Vamos ver o que você é capaz de fazer, Alice. Mas vou ser bem sincero: se eu achar que você está me fazendo perder tempo, não hesitarei em procurar alguém que possa... digamos, "realmente" me ajudar.
Karen, que estava acompanhando a conversa em silêncio, trocou um olhar rápido comigo, como se tentasse me dizer para manter a calma.
Com uma expressão impassível, organizei minhas anotações, tentando ignorar as farpas dele e manter o foco no que realmente importava. A ficha de acusações era extensa, e ele estava sendo julgado por múltiplos crimes – tudo baseado em uma investigação de anos que reunira evidências que pareciam quase indestrutíveis. Era um desafio, sem dúvida, e talvez por isso Enzo estivesse tão cético.
- Sr. Bellini, - comecei, com um tom firme. - para que eu consiga trabalhar no seu caso, vou precisar que o senhor me forneça alguns detalhes. Preciso entender cada movimento, cada decisão que o senhor tomou nos últimos anos. Se o senhor quer que eu o defenda adequadamente, precisamos de honestidade. Eu não posso lutar contra o que eu desconheço.
Ele levantou uma sobrancelha, claramente se divertindo com o meu pedido.
- Honestidade? - Ele riu, em um tom frio. - Na minha vida, Alice, "honestidade" é um luxo que raramente podemos nos permitir. Mas vá em frente. Pergunte o que quiser. Vou decidir o que vale a pena responder.
Por um momento, quase respondi à altura, mas decidi que seria melhor deixá-lo jogar o próprio jogo. Se ele queria me testar, eu também sabia que poderia fazer o mesmo. Resolvi ir direto ao ponto e, com um sorriso diplomático, perguntei:
- Comecemos, então, pelos registros das suas últimas viagens. Preciso entender quais locais e pessoas podem estar envolvidos nos casos de fraude.
Ele olhou para mim com uma expressão de tédio.
- Ah, isso é fácil. Mas não esperava que começasse por algo tão... banal. É o melhor que consegue?
Minha mandíbula ficou tensa, mas continuei:
- O senhor prefere começar discutindo os testemunhos? Porque podemos ir para a parte mais crítica se assim quiser. Só gostaria de lembrar que sua liberdade depende do cuidado que vamos ter em cada detalhe.
Enzo manteve o olhar fixo em mim, avaliando-me com uma intensidade que quase me fez desviar os olhos. Então, ele se recostou na cadeira, abrindo um sorriso de canto, como se finalmente tivesse encontrado alguma coisa que o intrigasse.
- Você não é o que eu esperava, Alice. - Ele murmurou, como se falasse para si mesmo. - Talvez essa sua teimosia e essa... frieza sejam úteis no final das contas.
Karen soltou um suspiro baixo, claramente aliviada que a conversa tivesse tomado um tom um pouco menos hostil. Mas eu sabia que não era o fim. Enzo Bellini ainda estava jogando comigo, e, se eu quisesse manter o controle, precisaria continuar me mantendo firme.
- Agradeço pela confiança, Sr. Bellini. - Respondi, de maneira calculada, sem me deixar levar pelas palavras dele. - Agora, vamos retomar nosso foco e trabalhar para construir uma defesa que realmente funcione.
A reunião continuou entre provocações e farpas, mas senti que, de alguma forma, eu estava conseguindo encontrar um terreno comum com Enzo. Ele ainda era um mistério para mim, mas, a cada resposta e expressão, eu compreendia um pouco mais do homem por trás daquela fachada arrogante.
Ao final, Enzo se levantou primeiro, me lançando um olhar enigmático antes de sair. Ele não disse mais nada, mas a intensidade do seu olhar deixou claro que a nossa batalha estava apenas começando.
Karen esperou que ele saísse, então se virou para mim com um sorriso cansado.
- Você lidou bem com ele, Alice. Não é qualquer um que aguenta a pressão de Bellini. - Ela disse, enquanto começava a guardar os papéis.
Dei de ombros, tentando esconder o cansaço que sentia.
- Isso é só o começo, Karen. Algo me diz que esse caso vai ser muito mais complicado do que parece.
Ela riu e deu um tapinha no meu ombro.
- Talvez. Mas eu sei que você é a única que consegue lidar com ele. Afinal, só uma mente como a sua seria louca o bastante para aceitar esse desafio.
Sorri, mas, no fundo, sabia que não era apenas loucura. Era uma luta entre o que eu queria ser e o que a realidade me obrigava a enfrentar.
Aqui está a continuação do capítulo para completar o total de 1800 palavras:
Assim que Karen e eu saímos da sala, ela me deu um sorriso ligeiro, ainda tentando aliviar a tensão do encontro.
- Que tal almoçarmos? - sugeriu ela, empurrando as portas do elevador.
Eu estava com a mente ainda mergulhada nas últimas palavras de Enzo, mas acenei em concordância. Precisava de uma pausa, um momento para processar a reunião e a intensidade do caso que eu estava assumindo. Descemos juntas até o térreo, e Karen me guiou para um pequeno restaurante discreto que ficava próximo ao escritório.
Sentamos em uma mesa ao fundo, longe do burburinho. Karen parecia empolgada para saber cada detalhe dos meus pensamentos. Eu, por outro lado, precisava de alguns minutos para assimilar a situação.
- Então... o que achou do "Sr. Bellini"? - Karen perguntou, fazendo aspas com os dedos e um olhar malicioso.
Suspirei, passando a mão pelo cabelo, ainda tentando afastar o impacto da interação com Enzo.
- Ele é... exaustivo. Tem um ar de superioridade que me deixa irritada, mas, ao mesmo tempo, eu entendo que ele está jogando um jogo que aprendeu a dominar. Ele me testa a cada palavra.
Karen riu, balançando a cabeça como se já esperasse por isso.
- Você sabe que ele é o tipo de cliente que todo advogado sonha em ter e teme ao mesmo tempo, certo? Quero dizer, é o tipo de caso que muda carreiras, Alice. Mas também pode... bem, ser perigoso.
Franzi a testa, pegando meu copo de água e olhando para ela com seriedade.
- Eu sei, Karen. Mas me recuso a ser intimidada. Só que... às vezes me pergunto se aceitei esse caso pelos motivos certos. Eu sempre quis ajudar pessoas injustiçadas, sabe? E, bom, eu tenho dúvidas se ele realmente é uma delas.
Karen deu de ombros, sorrindo de forma encorajadora.
- Nem sempre podemos escolher o caso perfeito, Alice. Às vezes, é o caso que nos escolhe. Quem sabe você não descobre algo nesse processo que te ajude a entender o que realmente quer como advogada?
Ficamos em silêncio por alguns minutos, apenas ouvindo o movimento do restaurante. Eu sabia que Karen tinha razão. Essa era uma oportunidade única e, mesmo que me tirasse da minha zona de conforto, era um desafio que podia definir minha carreira.
Mas o que eu não esperava era que, ao aceitar o caso Bellini, eu estivesse entrando em um mundo muito mais complexo e sombrio do que poderia imaginar. Um mundo onde as linhas entre o certo e o errado pareciam cada vez mais embaçadas.
Depois do almoço, voltamos ao escritório, e eu já estava pronta para me jogar na papelada outra vez. Cada detalhe, cada análise dos documentos, parecia uma peça de um quebra-cabeça que Enzo escondia bem no fundo, testando até onde eu conseguiria chegar. Eu não sabia se conseguiria descobrir tudo o que ele guardava a sete chaves, mas uma coisa era certa: eu estava disposta a tentar.