De repente, meu celular vibrou. Era uma notificação de vídeo chamada. Olhei para a tela, e o nome de Karen apareceu. Suspirei e aceitei a chamada, me forçando a sorrir, apesar do turbilhão de pensamentos que me consumia.
- Oi, Karen! - respondi, tentando soar animada.
Karen estava em sua casa, com seu fundo colorido e moderno, um contraste com o meu ambiente sombrio e solitário. Ela sorriu para a câmera, mas seus olhos logo se estreitaram, como se notasse minha falta de entusiasmo.
- Oi, amiga! O que está fazendo? Estudando para o caso Bellini? - perguntou, com um tom de preocupação, já sabendo que eu estava atolada de trabalho.
- Sim, isso... - respondi, sem saber como expressar a quantidade de caos mental em que eu me encontrava. - Mas está complicado, Karen. Estou começando a duvidar de mim mesma. Não sei se estou preparada para lidar com esse caso.
Ela franziu a testa, como se fosse a última coisa que ela esperava ouvir de mim.
- Alice, você sempre soube o que queria. Isso é só uma fase. Você é incrível, vai conseguir dar conta de tudo. Lembra quando você falava que queria lutar pelos inocentes? Acho que, no fundo, esse caso é a chance de você realmente fazer isso - disse Karen, sua voz firme, tentando me dar algum tipo de esperança.
Suspirei, desabando na cadeira e olhando para os papéis novamente. As palavras de Karen faziam sentido, mas a dúvida ainda estava lá, me corroendo por dentro. Eu não queria me envolver com pessoas como Enzo Bellini, mas, ao mesmo tempo, eu sabia que esse caso poderia ser o passaporte para um futuro promissor.
Antes que eu pudesse responder, um rosto familiar apareceu ao lado de Karen. Eu congelei. Não era esperado. Era Ramon.
- Oi, Alice - disse ele, com um sorriso de canto de boca, um sorriso que sempre me desconcertava. Eu sentia uma mistura de vontade de socá-lo e de rir ao mesmo tempo.
Ramon era meu ex-ficante e irmão mais velho da Karen. Durante a adolescência, tínhamos uma "amizade colorida" que continuou até os primeiros anos da faculdade. Não éramos namorados, mas as coisas entre nós eram... complicadas. Ele sempre soubera como me fazer rir e me tirar da rotina pesada da faculdade, mas também sempre soubera como me deixar confusa com suas provocações e flertes constantes.
Apesar de termos vivido um romance de idas e vindas, hoje nossa relação era mais amigável do que qualquer outra coisa. No entanto, Ramon não parecia ter desistido de tentar reacender a chama. Às vezes, ele insistia em tentar reatar a velha amizade colorida, mas eu não cedia mais. Eu sabia que ele tinha o dom de me fazer esquecer a razão, mas já estava cansada disso. Ele sempre procurava me envolver nas suas gracinhas, mas eu não podia me dar ao luxo de ceder. O futuro que eu almejava não estava na diversão sem compromisso.
- Que surpresa, Ramon - disse, tentando manter o tom neutro. Eu não queria que ele visse que sua presença me afetava mais do que eu queria admitir.
Karen sorriu de lado, parecendo perceber a tensão no ar.
- Ah, o Ramon apareceu de última hora. Como sempre. - Ela riu baixinho, antes de se virar para ele e lhe dar um empurrão no braço. - Tente não atrapalhar a conversa da Alice, ok?
Ramon riu, balançando a cabeça de forma despretensiosa.
- Não estou atrapalhando nada, Karen. Só estou querendo saber se minha amiga vai finalmente me dar uma chance de novo. - Ele piscou para mim, com aquele olhar travesso que sempre me fazia questionar como eu tinha me envolvido com ele tantas vezes.
Eu soltei uma risada nervosa, forçando um sorriso, mas não pude evitar o pensamento de que, com Ramon, nunca havia sido simples. Havia algo nele que me fazia ficar em cima do muro, sempre entre o querer e o não querer.
- Não seja idiota, Ramon. Estamos apenas conversando, ok? - disse, tentando colocar um ponto final na questão.
Ele apenas levantou as mãos, como se fosse uma rendição, mas o sorriso ainda estava lá, como se soubesse que tinha me deixado desconfortável.
- Tá bom, tá bom, vou me comportar. Não vou interromper mais... pelo menos por agora.
Karen me olhou de volta, com um sorriso genuíno. Era claro que ela tentava aliviar a tensão, mas eu estava longe de estar descontraída. Ela logo mudou de assunto, fazendo com que a conversa tomasse um rumo mais leve.
- E aí, Alice, como está o caso? Você já tomou uma decisão? Está decidida em defender o Bellini?
Eu olhei para os papéis espalhados na mesa, sem saber o que dizer. Não podia mentir, mas também não queria continuar alimentando a dúvida dentro de mim.
- Não sei, Karen... Eu realmente estou muito confusa. Não sei se estou pronta para lidar com esse tipo de cliente. Quero ajudar as pessoas inocentes, mas esse caso é... é muito mais do que eu imaginava.
Ramon, que até aquele momento estava quieto, resolveu intervir, sua voz baixa e cheia de sarcasmo.
- Então você vai deixar passar a chance de dar um grande salto na carreira por causa de algumas dúvidas bobas? Alice, a vida não vai esperar por você. Ou você dá o passo agora, ou vai ficar no mesmo lugar para sempre.
Eu olhei para ele, com um misto de raiva e frustração. Aquelas palavras vieram de alguém que nunca soubera o que era realmente lutar por algo que valesse a pena.
- Não é assim, Ramon. Não se trata de "dar um salto na carreira". Eu não quero ser a advogada dos criminosos, não importa quanto dinheiro esteja em jogo. - A raiva se misturava com a preocupação, e eu senti meu tom de voz subir um pouco mais do que o esperado.
Karen, percebendo a tensão crescente, interveio rapidamente.
- Alice, você precisa ouvir o que o seu coração está dizendo. Se esse caso está te consumindo assim, é porque ele é importante para você de alguma forma. Não precisa ser agora. Vai com calma, mas faça o que achar certo.
Eu a olhei, um pouco mais tranquila, e respirei fundo.
- Talvez você tenha razão, Karen. Eu vou tentar focar e tomar uma decisão. Eu não posso continuar assim, perdida entre os dois mundos.
Ramon parecia irritado, mas sua expressão mudou rapidamente.
- Tá, ok. Mas, se precisar de ajuda, já sabe onde me encontrar. - Ele sorriu, ainda com aquele olhar insinuante, mas desta vez eu não cedi. Ele saiu de cena como sempre, mas havia algo em seu olhar que me dizia que ele não havia desistido.
Após a vídeo chamada terminar, o silêncio do meu apartamento parecia me engolir. A única coisa que eu conseguia ouvir era o som da minha respiração ofegante e o farfalhar dos papéis sobre a mesa, como se eles estivessem me observando, esperando que eu tomasse uma decisão. Eu me sentia como uma criança que se depara com um abismo imenso à sua frente e precisa decidir entre saltar ou recuar. Mas, em vez de um abismo, era um caminho tortuoso, cheio de escolhas difíceis, promessas vazias e uma sensação esmagadora de que minha vida nunca mais seria a mesma depois daquele caso.
O telefone na mesa brilhou novamente. Era uma mensagem de Karen, simples e direta: "Confia em você, Alice. Você é mais forte do que pensa. Eu sei que você vai fazer o certo."
Eu sorri sem graça, sentindo um nó apertado no estômago. Karen sempre foi essa pessoa que, com um sorriso e palavras de incentivo, conseguia acalmar até mesmo os meus maiores medos. E, ao mesmo tempo, ela me desafiava a ser mais do que eu achava que podia ser. Ela sabia que a ambição e a dúvida dentro de mim sempre brigavam uma com a outra, mas ela sempre acreditou que, no fim, a ambição venceria.
Mas eu não sabia. Eu realmente não sabia.
Fiquei sentada por mais alguns minutos, olhando para o celular, sem querer dar o próximo passo. Eu queria deixar tudo isso de lado e voltar para o meu sofá, assistir a uma série qualquer, e esquecer do mundo ao meu redor. Mas, em algum lugar dentro de mim, sabia que fugir não seria uma opção.
Era tarde da noite quando, finalmente, decidi que não conseguiria focar mais naqueles papéis. Levantei e andei até a janela do meu apartamento. Olhei para a rua iluminada abaixo e para as luzes distantes da cidade. Nova York, com toda a sua grandiosidade e ruído constante, parecia agora uma terra de oportunidades e de mistérios. E no meio dessa cidade, Enzo Bellini estava me esperando.
A imagem dele me invadiu, como uma sombra escura que não conseguia dissipar. Ele era a personificação do perigo, mas também da promessa de algo maior. Eu poderia me tornar uma advogada de sucesso com ele, sem dúvida. Mas a que custo? Quantas vezes eu me vi rejeitando a ideia de me envolver com pessoas como ele, pessoas que estavam dispostas a ultrapassar qualquer limite para alcançar o que queriam. E, no entanto, aqui estava eu, prestes a me entregar a esse jogo.
Eu sabia que Enzo me via como uma peça no tabuleiro, uma ferramenta a ser usada. Mas e quanto a mim? Eu estava disposta a me tornar mais do que isso? Estava disposta a me sacrificar por uma causa que poderia muito bem me consumir?
Eu fechei os olhos, tentando clarear minha mente. Eu precisava de uma pausa, de um pouco de clareza. E foi quando a campainha do meu apartamento tocou. Olhei para o relógio, surpresa. Quem seria àquela hora?
Levantei-me rapidamente e fui até a porta. A surpresa era quase palpável quando a abri.
- Oi, Alice. - A voz de Ramon veio com aquele tom brincalhão que sempre me fazia sorrir, apesar de tudo. Ele estava de pé no corredor, com um sorriso travesso e a expressão de quem não esperava ser recebido com entusiasmo.
- O que você está fazendo aqui? - Perguntei, ainda surpresa. Eu sabia que Ramon sabia como me pegar de surpresa.
Ele deu de ombros, como se a resposta fosse óbvia.
- Queria saber se você estava bem. Fiquei preocupado depois da ligação. Achei que a gente poderia conversar, tomar um café e distrair um pouco. - Ele falou, entrando sem esperar uma resposta.
Eu suspirei, relutante, mas sabia que ele tinha razão. Talvez eu estivesse precisando de uma distração, um pouco de leveza para clarear a mente. Então, sem dizer mais nada, deixei ele entrar. Fechei a porta e seguimos até a cozinha.
- Você realmente acha que isso vai me ajudar? - Perguntei, tentando disfarçar a tensão na minha voz.
Ramon olhou para mim com um sorriso enigmático, uma expressão de quem sabia exatamente o que estava acontecendo.
- Eu sei que você está em um dilema, Alice. Não precisa me esconder isso. Mas eu também sei que você não pode ficar se afundando nessa pressão sozinha. - Ele se sentou à mesa e me olhou com aqueles olhos curiosos, como se tentasse adivinhar o que estava se passando pela minha mente. - Você vai encarar o Bellini. Vai ser uma oportunidade única para a sua carreira. E você sabe disso. Não adianta ficar se torturando, pensando no que poderia ser e no que não é.
Eu sentei-me na cadeira, com a caneca de café quente nas mãos. O cheiro me acalmava, mas as palavras de Ramon ainda ecoavam na minha mente.
- Eu sei. Mas... não é só sobre o caso, Ramon. É sobre quem ele é. Eu me recuso a ser mais uma peça no jogo dele. Ele não está interessado em nada além de conseguir o que quer, a qualquer custo. - Eu disse, tentando fazer com que ele entendesse.
Ramon riu baixinho, uma risada cheia de cinismo.
- Alice, ele é um mafioso. Não espere que ele seja um cavaleiro de armadura brilhante. Mas, ei, você é uma mulher inteligente. Se alguém pode fazer isso funcionar, essa pessoa é você. - Ele se inclinou para frente, com um olhar intenso. - E, entre nós, você sabe que, quando você quer, nada te impede de conquistar o que você deseja.
Eu o encarei por alguns segundos, o peso das suas palavras me atingindo mais do que eu gostaria de admitir. Ele não estava errado. Eu tinha passado toda a minha vida tentando alcançar minhas ambições. Mas, agora, a linha entre o certo e o errado parecia mais turva do que nunca.
Ramon se recostou na cadeira, cruzando os braços, observando-me de maneira atenta.
- E aí, qual vai ser? Vai seguir seu coração ou vai continuar com essa história de ser a advogada das inocentes? - perguntou, com um sorriso sardônico.
Eu suspirei e olhei para ele, meu ex-ficante, agora apenas um amigo distante, mas que, ainda assim, sabia como mexer comigo. A decisão não era simples, mas ele estava certo em uma coisa: eu não podia mais ficar parada.
- Eu vou defender o Bellini, Ramon. - Disse finalmente, minha voz soando mais firme do que eu me sentia. - Mas vou fazer isso no meu ritmo, do meu jeito. Não vou me perder no meio dessa história.
Ramon levantou-se, com um sorriso de aprovação.
- Isso é o que eu queria ouvir, Alice. Agora você está no controle. E eu sempre vou estar por aqui, caso precise de alguma... distração. - Ele piscou para mim, com aquele sorriso charmoso, e, antes que eu pudesse responder, ele se virou e se dirigiu para a porta.
Eu respirei fundo e assisti-o sair. Agora que ele tinha me dado sua benção, ou melhor, me desafiado, a minha decisão estava feita.
Eu estava pronta para o que estava por vir.