Capítulo 5 5. Um entardecer de revelações

O pôr do sol tingia a cidade com tons de fogo quando meu telefone vibrou com uma ligação inesperada. Era ele. O nome de Enzo Bellini piscou na tela, e por um breve segundo pensei em ignorar. Mas o tom na mensagem de voz que ele deixara - urgente e imperioso - despertou minha curiosidade.

- Srta. Martins, preciso que venha imediatamente ao endereço que enviarei. É uma questão... delicada.

Resmunguei, mas menos de meia hora depois, já estava em frente ao endereço indicado, um prédio discreto e elegante, com uma segurança reforçada. Ao entrar, fui guiada por um segurança por um longo corredor até um escritório sofisticado. Enzo estava lá, em pé, parecendo mais sombrio e impaciente do que o habitual.

- Obrigada por vir tão rápido - ele disse, mas sem cortesia na voz. Parecia que ele me concedia uma honra, não que me devia uma explicação.

Cruzei os braços, impaciente. - O que é tão urgente, Sr. Bellini?

Ele respondeu jogando um jornal sobre a mesa em minha direção. A manchete imediatamente chamou minha atenção: "Desaparecimento de Camila Russo, socialite e amante do chefão da máfia, agita Nova York".

Senti o estômago embrulhar. A matéria especulava sobre o paradeiro de Camila e insinuava que ela poderia estar envolvida em um jogo perigoso entre gangues rivais. Seu rosto elegante e atraente estampava a primeira página.

Ergui os olhos para Enzo, sem conseguir esconder a surpresa e a irritação.

- E o que exatamente isso tem a ver com o senhor? - perguntei, com o tom mais controlado que consegui.

Ele deu um sorriso sarcástico, os olhos duros e impenetráveis.

- Não finja que não entende, Srta. Martins. Aparentemente, a mídia está ansiosa para me conectar a cada escândalo que surge. E, bem... Camila e eu tínhamos um... entendimento.

Encarei-o, tentando manter a calma. - Quer dizer que ela era sua amante?

Ele deu de ombros, como se aquilo fosse irrelevante. - Nós tínhamos uma... relação. Que, agora, virou um problema.

Minha irritação aumentou. - Está me dizendo que quer que eu limpe seu nome enquanto esconde esses detalhes até o último minuto? Acha que eu sou o quê, exatamente?

Ele se aproximou, o olhar hostil e desdenhoso. - Acho que você é minha advogada, Srta. Martins. E, francamente, espero que consiga fazer o seu trabalho, independentemente de gostar ou não de mim.

Respirei fundo, tentando não ceder à raiva. - Para fazer o meu trabalho, Sr. Bellini, preciso de toda a verdade. Cada detalhe. Inclusive os que envolvem suas... relações.

Ele riu, mas sem humor. - Isso é tudo que precisa saber: a mídia está dizendo que eu fui responsável pelo desaparecimento dela. E eu preciso que essa história suma da imprensa, antes que a polícia se interesse demais.

Suspirei, sentindo a pressão dessa nova camada de complicação. - Então vamos começar do início. Onde o senhor estava na noite em que Camila desapareceu?

Ele me lançou um olhar de desdém. - Eu não preciso me justificar para você. Só preciso que faça o seu trabalho.

A hostilidade em sua voz me fez sentir como se estivesse a centímetros de explodir. Mas engoli o orgulho e mantive o profissionalismo. Afinal, eu sabia que pessoas como Enzo estavam acostumadas a manipular, a usar os outros. Só não esperava que fosse tão difícil manter minha frieza perto dele.

- Se eu não tiver informações, posso garantir que vai ser impossível defender sua imagem, Sr. Bellini.

Ele se aproximou, o olhar penetrante, analisando-me com um ar quase de desprezo. - Eu confio em você para resolver isso. Você é uma advogada, não é? Mostre que pode dar conta.

Eu respirei fundo, tentando não transparecer a frustração que fervia em meu peito. Enzo parecia saborear cada segundo da minha irritação, como se fosse um jogo para ele, um teste para ver até onde eu suportava o peso da sua arrogância e dos segredos que ele teimava em esconder.

- Muito bem, Sr. Bellini - comecei, mantendo a voz firme. - Eu sou advogada, sim. Mas, para defender seu caso, preciso mais do que suposições e uma vaga confiança de sua parte. Se quer que eu o ajude, vamos ter que trabalhar juntos. Isso significa transparência.

Ele me observou em silêncio por alguns segundos, o rosto impassível. Em seguida, deu de ombros, afastando-se da mesa e virando-se para a janela. As luzes da cidade refletiam em seu perfil forte e austero, e por um momento, um lampejo de cansaço passou por seus olhos. Mas logo desapareceu, substituído pela habitual expressão de desdém.

- Transparência, hein? - Ele riu, um som seco e quase zombeteiro. - Essa palavra tem um significado muito relativo, Srta. Martins. Especialmente no meu mundo.

- Não no meu - retruquei, sem desviar o olhar. - No meu mundo, transparência é o que separa a verdade de uma sentença condenatória.

Ele se virou para mim, os olhos estreitos, analisando-me como se estivesse decidindo até onde poderia me testar. Havia algo perigoso e hipnotizante nele, uma intensidade que parecia absorver o ambiente ao seu redor. Finalmente, ele cruzou os braços e se aproximou.

- Camila era uma... distração - admitiu, finalmente. - Algo que fugia do controle de ambos. Ela era casada com alguém importante em outra organização, alguém que, digamos, não aceitaria a traição com tanta facilidade.

Encarei-o, absorvendo aquelas palavras. As implicações eram imensas. Um possível conflito entre mafiosos por ciúmes e traição era a última coisa que eu esperava enfrentar.

- E você realmente acha que pode simplesmente... varrer tudo isso para debaixo do tapete? - perguntei, com uma pitada de incredulidade.

Ele sorriu, mas o humor não alcançou seus olhos. - Eu sou Enzo Bellini. Nesse mundo, Srta. Martins, nós não apenas varremos para debaixo do tapete. Nós destruímos o tapete, as paredes, tudo o que puder implicar qualquer coisa contra nós. É por isso que preciso de uma advogada competente. Para dar ao sistema as respostas que ele deseja, mas com as palavras certas.

Minha mente girava, analisando o risco que aquela situação representava. Esse caso poderia definir minha carreira, mas também poderia afundá-la. E, como se lesse meus pensamentos, Enzo deu um passo em minha direção.

- Não pense muito, Srta. Martins - disse ele, num tom que quase parecia um sussurro. - Apenas faça o que precisa ser feito.

Depois da reunião, saí do escritório de Enzo com a mente fervendo de perguntas e uma sensação desconfortável de que eu estava me afundando em algo muito maior do que poderia prever. A noite estava fria, e o ar de Nova York parecia carregado de tensão.

Enquanto caminhava até a estação de metrô, meu telefone vibrou. Era Karen.

- E aí? Como foi a reunião com o Bellini? - Ela parecia animada, claramente esperando algum detalhe sórdido ou interessante.

- Sinceramente? Um pesadelo. Ele acha que pode me manipular como se eu fosse apenas mais uma peça nesse jogo.

Karen riu do outro lado da linha. - Parece o Bellini que todos conhecem. Mas, Alice, você sabia que entrar nesse caso significava lidar com figuras como ele. Aliás, você não é o tipo de pessoa que gosta de fugir de um desafio.

Suspirei, sentindo o peso de cada decisão recente. - Talvez. Mas às vezes tenho a sensação de que esse caso vai consumir mais de mim do que eu estava preparada para dar.

Houve uma breve pausa antes de Karen responder, a voz dela assumindo um tom de preocupação sincera. - Amiga, você sabe que eu estou do seu lado, né? Se precisar conversar, estou aqui.

- Eu sei, Karen. Obrigada. - Sorri, mesmo sabendo que ela não podia ver.

Parei em uma esquina, enquanto as palavras de Enzo ainda ressoavam na minha mente. "Nós destruímos o tapete, as paredes, tudo." Era uma realidade sombria, algo que eu jamais havia considerado enfrentar ao entrar para a advocacia.