Taxista : Opa, só se for agora, é caminho da minha casa - Ele fala abrindo a porta de trás do carro.
Eu entro primeiro e o doutor Everaldo senta do meu lado, o coroa da a volta entrando no taxi e logo dirige, as batidas do meu coração vão ficando cada vez mais forte, falta pouco pra eu chegar e encontrar a minha mulher e o meu filho, porra eu não sei nem como vai ser a reação deles.
Advogado : Muito nervoso senhor ? - Ele pergunta e sorri.
Guto : Eu não sei nem explicar oque eu tô sentindo, tô só pensando em como a minha mulher vai reagir quando me ver - Eu falo e passo as mãos no rosto.
Advogado : Eu tenho certeza que ela vai te abraçar e chorar muito de felicidade, a maioria das mulheres são assim, elas são delicadas e frágeis, não que sejam fracas, mas, o lado emotivo da mulher é sempre mais aflorado.
Guto : Tá parecendo até que você é mulher kkk, explicou direitinho - Eu gargalho zoando ele.
Advogado : Eu estudo bastante sobre as mulheres, por isso eu consigo explicar dessa forma.
Guto : Entendi, doutor sabe tudo - Eu falo brincando.
Ele nega balançando a cabeça e da uma risada, eu fico olhando a rua pela janela do carro e vejo que algumas coisas mudaram no Rio de Janeiro quase todo, as ruas estão até mais bonitas, tem passarelas por toda parte, mais quantidades de lojas e mercados, reparo tudo por onde vamos passando, quando eu vejo que tá chegando perto da minha favela eu começo a suar frio de nervoso e ansiedade, eu nunca sentir essa parada em toda minha vida, deve ser a saudades que eu senti durante esse tempo todo, penso e em minutos o taxista entra na primeira barricada do complexo da maré, os vapores manda ele parar e abaixar os vidros, os moleques ainda estão na mesma atividade de sempre, eu fico até orgulhoso de saber que na minha comunidade estranhos não entra sem permissão, o coroa abaixa o vidro e um vapor se aproxima.
Vapor : Pra onde tu vai coroa ?
Taxista : Eu to indo deixar um passageiro em casa - Ele fala tranquilo.
Vapor : Abaixa os vidros aí, com todo respeito - Ele fala apontando o fuzil.
O doutor Everaldo me olha rindo, o taxista abre os vidros de trás e o vapor me olha.
Vapor : CARALHO, MENTIRA, é tu mermo patrão ? - Ele arregala os olhos e fala animadão.
Guto : Claro que sou eu porra, voltei rapaziada - Eu abro a porta do carro e saio.
Vários vapores vem correndo pra falar comigo, começa a soltar vários fogos e os moleques dão tiros pro alto comemorando a minha volta, o doutor Everaldo fica no canto, o vapor me passa o fuzil e eu atiro várias vezes pra cima enquanto grito felizão, os moradores vão aparecendo na rua e logo eu vejo uma multidão gritando o meu vulgo, é bonzão saber que a comunidade toda gosta de mim.
Guto : QUEM SORRIU NA MINHA IDA, VAI CHORAR NA MINHA VOLTA EM CARALHO - Grito e dou mais tiros pro alto.
Eu mando um vapor pagar o taxista e o coroa vai embora, eu fico mais um tempo cumprimentando geral, do nada eu sinto uma batida no meu ombro e quando olho pra trás vejo o meu mano PL, ele me dá um abraço forte enquanto os fogos continuam estourando no céu.
PL : Caralho irmão, mó felicidade tá te vendo aqui de novo, demorou mais chegou porra - Ele bate nas minhas costas e me abraça de novo.
Guto : Porra irmão tu não mudou nada em moleque, mó saudade que eu tava da minha comunidade e de vocês - Falo olhando pra ele com mó alegria.
PL : Porra parceiro nem fala, essa comunidade não é igual sem você, e eu já tava ficando doido de ter que administrar tudo sozinho, bagulho é foda.
Guto : Mas agora que eu voltei vai ficar tudo suave, e tu tá ligado que eu vou retribuir tudo que tu fez por mim né - Eu falo segurando os ombros do meu mano.
PL : Tá maluco irmão, nós tá aqui pra isso mermo.. Caralho mané, eu nem tô acreditando que tu tá aqui de novo - Ele me olha felizão.
Guto : Pode acreditar parceiro, mas aí, bora ali comigo irmão - Eu chamo ele e vou andando apressado saindo do meio da multidão.
O PL vem caminhando atrás, quando nós saímos do meio do povo eu estendo a mão pedindo a chave da moto dele, o meu mano me entrega, eu faço sinal pra um vapor e o moleque se aproxima, mando ele pagar um taxi pro doutor Everaldo ir embora, ele sai pra fazer oque eu pedi e eu subo na moto do meu mano, ele monta na garupa e eu acelero indo pra uma barbearia, em minutos eu chego e nós entra, o moleque que corta cabelo me olha surpreso, eu sento na cadeira e peço pra ele deixar o meu cabelo na régua, enquanto o barbeiro vai me deixando mais bonito, eu e o meu mano troca umas ideias... Quase uma hora depois ele termina.
Guto : Ai mano tu tem como pagar meu corte de cabelo ? depois eu te devolvo - Falo com o PL.
Ele pega a carteira e paga o moleque, me olho no espelho e fico satisfeito, minha aparência melhorou muito e eu tô me sentindo até mais leve depois de cortar o cabelo, nós saímos da barbearia e eu paro olhando pra ele.
Guto : Irmão eu tô nervosão.
PL : Qual foi, passa a visão mano ? - Ele me olha atento.
Guto : É que eu não sei qual vai ser a reação do meu filho quando me ver tá ligado ? não sei se o meu moleque vai querer me reconhecer como pai, eu fiquei muito tempo longe da minha família - Eu falo desabafando com meu mano.
O PL me olha estranho e ao mesmo tempo parecendo preocupado com alguma parada.
PL : É.... mano, eu... bora sair daqui - Ele fala todo nervoso.
Guto : Qual foi irmão ? tá acontecendo algum bagulho ? já me fala logo - Eu pergunto estranhando o jeito dele.
Ele desvia o olhar e coça a cabeça, essa parada tá estranha, tem alguma coisa acontecendo, penso enquanto encaro ele.
PL : Irmão tem um bagulho que eu preciso te falar, mas aqui não é lugar tá ligado ? bora lá pra salinha.
Eu encaro ele boladão, odeio rodeios, o bagulho comigo tem que ser papo reto, mas se o meu mano tá me chamando pra um lugar mais reservado é porque o assunto é sério, penso e sigo ele, o PL sobe na moto e eu subo também, ele acelera indo varado em direção à boca, geral na rua grita por mim, mas agora eu tô sem cabeça, não da pra falar com ninguém, só quero saber oque o meu mano tem pra me contar e depois vou ver a minha família.... Em menos de dez minutos ele para a moto em frente à salinha, eu desço e os vapores que ficam fazendo a segurança da porta vem me cumprimentar.
Vapor 1 : Porra chefe, tô felizão que tu voltou.
Vapor 2 : Eu também, a comunidade sentiu tua falta pra caralho, não é diminuindo o PL nao, ele representou cuidando da favela o tempo que você tava privado, mas tá ligado que nós já tava acostumado contigo né - Ele fala na humildade.
Guto : Eu to ligado rapaziada, daqui a pouco eu dou uma atenção pra vocês, vou resolver umas paradas aí - Aperto a mão dos moleques.
PL : Fé aí rapaziada.
Eu entro na salinha e vejo que tá tudo diferente e mais bonito, a cor das paredes que eram brancas agora tá cinza e tem alguns móveis novos, eu reparo tudo e sinto uma grande felicidade de tá de volta no lugar onde eu sou cria.
PL : Po irmão eu mudei alguns bagulho porque já tava ficando velho tá ligado ? mas se tu quiser pode botar do teu jeito.
Guto : Assim tá bonito mano, pode deixar.
Eu puxo uma cadeira e me sento, o PL faz o mesmo e começa à bolar um baseado pra nós fumar, enquanto ele desfaz a maconh@ eu pergunto.
Guto : E aí mano, oque tu tem pra me falar ?
Ele me olha sério e coloca os bagulhos em cima da mesa.
PL : Porra mano, papo reto mermo, eu nem sei nem como te contar essa parada, eu queria te falar de uma forma melhor pra tu não surtar de vez, mas... eu acho que não tem um jeito melhor de te falar isso e....
Guto : Bora logo mano, fala oque tu tem pra falar de uma vez sem ficar fazendo rodeio, eu já tô nervosão aqui - Eu falo puto olhando pra ele sério.
O PL respira fundo e concorda balançando a cabeça.
PL : A Duda foi embora daqui mano, ela levou o teu filho junto e já faz tempo - Ele fala de uma vez só.
Eu sinto o meu coração disparar como se fosse sair do meu corpo, tudo ao meu redor eu vejo ficar escuro e me levanto rápido.
Guto : Oque tu falou mano ? foi isso mermo que eu escutei ?
PL : Pior que foi irmão, a Duda levou o teu filho e foi embora junto com o VT, aquele braço direito do HG do complexo do alemão, isso já tem uns cinco anos, e parece que ela tá feliz, da última vez que eu fui lá pra resolver umas paradas com o mano, ela tava na garupa da moto desse moleque desfilando pela favela - Ele fala com raiva.
Guto : Não mano, isso é mentira, a Duda nunca ia fazer isso comigo, ela falou que me amava, isso é brincadeira né ? - Eu olho pra ele enfurecido.
PL : Mano, eu queria que fosse brincadeira - Ele fala e me olha preocupado.
Guto : CARALHO, MENTIRA QUE ELA FEZ ISSO COMIGO, EU VOU MATAR ESSA DESGRAÇADA, EU VOU ACABAR COM ELA - Eu grito descontrolado.
PL : Mano se acalma - Ele se aproxima de mim.
Guto : ME ACALMAR COMO PORRA ? EU FUI FEITO DE OTARIO DE NOVO CARALHO, EU TAVA PRESO ESPERANDO O DIA DE SAIR PRA FICAR JUNTO COM A MINHA FAMÍLIA, E ESSA VAGABUNDA ME TRAI DA PIOR FORMA ?
Eu fico cego pelo ódio e empurro o PL pra longe de mim, dou um chute na mesa derrubando o computador e outras coisas no chão, eu pego uma cadeira e jogo longe.
Guto : FILHA DA PUTAAAA, ESSA PIRANHA VAI MORRER DA PIOR FORMA, TRAIÇÃO EU NÃO ACEITO DE NINGUÉM NESSA PORRA, VAI TOMAR NO CU - Saio destruindo tudo dentro da salinha enquanto eu grito furioso.
PL : PORRA GUTO, SE ACALMA IRMÃO
Ele tenta me segurar mas não consegue, eu sinto o meu sangue fervendo dentro do meu corpo inteiro, as minhas mãos tremem de ódio e eu dou vários socos no espelho pendurado na parede, os cacos de vidro entram na minha mão e o sangue escorre pelos meus dedos.
Guto : ELA TIROU O MEU FILHO DAQUI E LEVOU PRA MORAR COM AQUELE DESGRAÇADO TALARICO, VAI MORRER OS DOIS.
Eu continuo destruindo tudo, o meu coração e a minha alma ta dilacerado, parece que eu perdi o domínio do meu próprio corpo e da minha mente, eu não tô conseguindo nem me controlar, parece que eu fui possuído pelo ódio, tudo que se passa na minha cabeça agora é coisa ruim, eu vejo a forma como a Duda vai morrer nas minhas mãos e isso me causa um grande desespero e raiva, quebro tudo dentro da sala enquanto o PL me olha sem saber oque fazer, eu grito e xingo várias vezes, as lembranças da traição da Samara me vem novamente me atormentando, o passado tá se repetindo de novo, mas dessa vez eu juro que vou acabar com tudo e nunca mais vou confiar em ninguém, saio da salinha transtornado, o PL vem atrás de mim tentando falar comigo mas eu não dou cabeça, subo na moto dele preparado pra encarar a vagabunda que destruiu a minha vida.
PL : Mano eu não vou deixar tu ir lá não, olha como você tá .
Guto : ME DÁ A PORRA DA CHAVE DA MOTO CARALHO, EU TO MANDANDO - Grito furioso.
PL : TU NÃO VAI SAIR DESSE JEITO CARALHO, TA QUERENDO MORRER NA PISTA ?
Guto : FODA-SE OQUE VAI ACONTECER, ME DÁ A CHAVE - Eu puxo ele pela blusa.
Os vapores ficam olhando pra nós de longe, eu arranco a chave da cintura do PL e ligo a moto dele, acelero o mais rápido e piloto feito um louco em direção à saída do morro, hoje eu acabo com a vida desses dois miseráveis....