- Eles poderiam ter te pego, você não está seguro lá fora!
Antes que Miguel possa protestar Carras diz a frase que sempre o faz obedecer.
- Eu jurei a sua mãe que o protegeria... em seu leito de morte! Maria deu a vida por você meu filho ! Ele fala estendendo a mão e tocando os cabelos negros do rapaz com carinho paternal.
-Antes ainda haviam as outras irmãs... mas todas foram embora! O rapaz protesta, mas já sabendo estar vencido.
- Você ainda tem a mim, irmã dulce e irmã Imaculada!
Carras o conduz de volta a seu quarto improvisado no grande porão, o cômodo escondido por uma parede falsa servindo para alguma emergência, principalmente quando alguém desobedece a ordem de não descer até o porão e as catacumbas que guardam os restos mortais de religiosos do convento.
- Tudo tem seu tempo menino, um dia você será mais forte e tenho fé que Deus há de nos mostrar uma saída! Padre Carras fala mas sem acreditar muito nas próprias palavras.
Enquanto anjos e demônios existirem... Miguel corre perigo!
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- Você foi muito corajosa hoje! Grace fala afastando os longos cabelos negros de cima dos olhos azuis.Ela olha com admiração para a amiga, sua única amiga! Grace sempre foi uma menina sociável... até o incidente que vitimou seus pais.
Nenhuma das meninas desejava dividir o quarto com ela, não com seus pesadelos. Mas Nina era diferente, sua religião evocava espíritos e nada lhe colocava medo, além de ser a garota mais bonita que Grace já viu, alta como uma amazona com olhos e cabelos negros que emolduravam um rosto cor de chocolate, os cachos macios e armados a deixando com uma aparência mais agressiva. Como se nada no mundo pudesse meter medo na selvagem Nina. E não podia mesmo, nem irmã Frederica a amedrontava, diversas vezes ela colocava medo na freira fingindo estar lhe lançando alguma praga ou feitiço, mesmo recebendo punições por estar brincando com essas coisas dentro de um convento, Nina não resistia de apoquentar a freira má com seu próprio medo e preconceito com outras religiões de matriz africana.
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O grito de Grace perturba a noite, uma mistura de terror e angústia escapa de seus lábios. Em segundos Nina já está ao seu lado tentando acalmá-la.
- Shiiiii calma foi só um sonho, você está segura !
- Não foi .... eu estava lá de novo .... eles os mataram Nina... minha mãe e meu pai ... Ela balbucia ainda sonolenta.
- Calma já passou ... volte a dormir, eu estou aqui e nada de mal vai te acontecer.
- Esse foi diferente ... havia alguém lá que me chamava pra fugir! Ela fala se recordando do pesadelo que a fez gritar.
Nina a escuta contar de forma paciente.
- Tinha um homem ... um rapaz, seus cabelos eram negros e seus olhos também, mas ele não me dava medo.... era como um príncipe e me fez sentir menos medo, era o inverso dos homens dos olhos azuis. Ela explica, enquanto Nina escuta pela milésima vez ela falar sobre os homens de olhos que mudavam de cor e mataram seus pais a sete anos atrás.
Depois de lhe servir um copo com água, Nina à estimula a tentar dormir, ambas tem aulas logo cedo e serão acordadas para as matinas, que são as orações antes mesmo do dia clarear.
Olhando o relógio ela vê que são quase uma da manhã, em três horas terão que estar de pé, resmungando ela convence Grace a tentar dormir mais um pouco, Grace se vira de lado encolhendo o corpo na cama e fechando os olhos, mas seu sono não vem.
Um pouco assustada ela se pega lembrando da fisionomia do rapaz que nunca tinha visto nem na vida real, quanto mais em seus pesadelos.
Ela não se lembra de já tê-lo visto em lugar algum, mas seus olhos lhe pareciam familiares.
Grace leva muito tempo para pegar novamente no sono, segurando sua medalha de São Francisco ela lembra do rosto tão belo, sem querer um nome lhe vem a mente... quase como um susurro, ou uma carícia do vento! Miguel .... ela nomeia o príncipe de seus sonhos, sem saber de onde tirou esse nome. No pequeno tempo para dormir antes das orações da manhã, ela não volta a ter pesadelos, mas sonha com o rosto do rapaz alto e branco como se ele lhe falasse algo, mas ela não fosse capaz de ouvir, somente observar o belo rosto e a boca vermelha que parece se mover de forma ansiosa, como se houvesse muito para lhe contar e pouco tempo para isso.
Ao acordar Grace não se lembra exatamente de seu sonho, mas uma paz parece lhe aquietar a alma, nem a voz arranhada de Irmã Frederica nas matinas, conseguindo que ela deixe de sentir a sensação de bem estar que tem desde que dormiu sem ter pesadelos já próximo do amanhecer.
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- Você está sorridente, o que aconteceu? Nina lhe pergunta curiosa enquanto caminham para o refeitório em busca de tomar o café da manhã, logo terão aula e o tempo é curto. As duas conversam enquanto caminham apressadas, mas Grace só lhe responde quando já estão sentadas após se servirem.
- Eu não tive mais pesadelos essa noite ... ela fala enrubrescendo como se Nina pudesse ler o que se passa em sua mente.
- Que coisa ótima! A amiga exclama sabendo que Grace tem poucas noites tranquilas, ela está ali a três anos e em todo esse tempo, poucas foram as noites que Grace teve paz.
- Sempre que isso acontece você tem algum sonho bom com seus pais, o que sonhou dessa vez? Ela pergunta curiosa, mas o rubror que cobre as faces de Grace lhe diz que ela não sonhou com os pais .
- Ohhhh sua ... você teve algum sonho de mulher? Nina pergunta excitada, ela mesma agora em pleno auge dos hormônios, sonha muitas vezes coisas que as irmãs considerariam impróprias.
- Não Nina , deixe dessas coisas ... eu sonhei com ele, o rapaz que vi no sonho ....
- Grace ... então você sonhou sim coisas de mulher!
- Não.. Não... eu só sonhei com o rosto dele, era muito bonito! Ela fala corando muito, suas faces tão vermelhas que parece até ter usado maquiagem. Coisa que Nina sabe que ela não fez, uma vez que é proibido e Grace com sua vontade de ser freira... jamais desobedeceria essa ordem ... por nada.