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Chloe Narrando
Acordei com o despertador tocando no volume mais baixo possível. Não gosto de barulhos altos logo pela manhã, prefiro a suavidade do silêncio antes de encarar mais um dia da minha vida. O sol entrava pelas frestas da cortina do meu pequeno apartamento, e, como todas as manhãs, respirei fundo antes de sair da cama.
Minha rotina começa cedo. Cuido das minhas coisas, organizo o que preciso para o dia e, quando possível, passo um tempo com a minha mãe. Hoje, como nos últimos meses, sei que ela está bem cuidada. A acompanhante que contratei tem sido uma bênção, garantindo que minha mãe tenha companhia e receba a atenção que merece. Isso me dá um pouco de paz, mas o preço que pago para manter tudo isso funcionando é muito alto. Alto demais.
Todas as manhãs, rezo em silêncio por uma vida melhor. Não sei se alguém me escuta, mas continuo pedindo, porque ainda acredito que pode haver algo além do que vivo agora. Meu trabalho não é fácil, mas é o que paga as contas, mantém minha mãe segura e me permite sonhar, mesmo que um pouco, com um futuro diferente.
Tenho clientes de todos os tipos. Alguns me tratam com respeito, outros nem tanto. Há aqueles que apenas querem companhia, pagar para conversar, e confesso que esses são os que menos me pesam. Seu Dionísio é um deles. Um senhor de fala tranquila e olhar gentil, que reservou suas noites de quinta-feira para mim. Ele sempre me leva para a cobertura de um de seus hotéis de luxo, onde passamos horas conversando.
Na verdade, ele fala e eu escuto. Fala sobre o passado, sobre suas conquistas, sobre o tempo que parece correr mais rápido do que ele gostaria. Às vezes, pergunta sobre mim, sobre minha semana, e então eu respondo. Ele sempre diz que conversar comigo é melhor do que qualquer terapia. Talvez porque eu não o julgue, apenas ouço, e ele precisa disso.
Dormimos em quartos separados, e, quando acordo, encontro um carrinho de café da manhã me esperando. Seu Dionísio tem uma delicadeza rara. Como eu queria que todos fossem assim.
Mas a realidade é diferente. Há clientes que me tratam como se eu não fosse nada. Homens que pagam para me humilhar, para descontar suas frustrações em mim. Alguns nem se preocupam em tomar banho, outros são agressivos, querem me marcar, me dobrar até eu quebrar.
Nessas noites, faço meu trabalho e permaneço em silêncio, rezando para que acabe logo. Para que eu possa voltar para minha casa, tomar um banho longo e esquecer. Para que, um dia, eu nunca mais precise passar por isso.
Me arrumei rapidamente e fui direto para a casa mãe. Antes, precisava descontar o cheque e entregar a porcentagem para aqueles urubus que não fazem nada e ganham às nossas custas. Não tem opção. O sistema funciona assim, e se eu quiser continuar sobrevivendo, preciso jogar o jogo.
Assim que cheguei, o segurança já me avisou:
- Hoje é a Zilda que vai te atender. O chefe viajou, e você vai tratar direto com ela.
Engoli em seco. Eu já esperava por isso, mais cedo ou mais tarde. Fui para a sala do chefe, onde ela me esperava, sentada atrás da mesa como se fosse dona de tudo. A cafetina-mor.
Zilda nunca gostou da minha mãe. O motivo? Simples: o chefe a traía com minha mãe. Como se ela, mulher de cafetão, tivesse direito a fidelidade. Ela devia achar que vivia num conto de fadas, como se fosse Alice no País das Maravilhas. Ridícula.
Bati na porta, e a voz dela soou seca:
- Entra.
Fiz o que me mandou, entregando o cheque. Como sempre, ela conferiu minuciosamente antes de abrir a gaveta e pegar o dinheiro do meu pagamento. Eu não peguei de imediato. Primeiro, puxei a calculadora e fiz as contas, garantindo que a porcentagem deles estava correta.
Zilda me olhou com desdém antes de soltar:
- Chloe, a partir de hoje, você não atende mais na casa da mãe. Nem quero te ver na nossa calçada. Você vai pra rua.
Meu corpo ficou tenso. Levantei o olhar para ela e perguntei, com a voz firme:
- O Bandeira sabe disso?
Ela cruzou os braços e respondeu, sarcástica:
- Você tá vendo ele aqui? Não, né? Então apenas obedeça, se ainda quer ser uma puta desse bordel.
Engoli a seco. Ódio. Era isso que eu sentia. Mas não podia fazer nada.
- Qual o ponto que eu vou ficar? - perguntei, já sabendo que não tinha opção.
- Hoje venha mais cedo. Vou mandar te levar até lá. Mas amanhã esteja aqui para acertar o pagamento.
A forma como ela falava, como se estivesse descartando um objeto velho e substituindo por outro... Eu sabia o que estava acontecendo. Zilda trouxe uma novata, diziam que era sobrinha dela. Com certeza vai colocar a garota no meu lugar para atender na casa mãe.
Respirei fundo, contrariada. Eu sabia que, na primeira oportunidade, ela faria isso.
Levantei e saí, sentindo o sangue ferver. No corredor, cruzei com o Egeu, capanga número um do Bandeira.
- Egeu - chamei.
Ele parou e me olhou, sério.
- O que foi?
- Quero saber para onde o Bandeira foi, e quando ele volta?
Ele soltou um riso baixo e descrente.
- Você acha mesmo que eu vou te falar. Entendi Chloe a gente não se mete nos assuntos do patrão, devia ter aprendido isso com a sua mãe.
Às vezes eu acho que essa dívida nunca vai ter fim, é que eu vou acabar igual a minha mãe. Definhando e nas mãos desses ordinários. Respirei fundo e fui para casa, devia agradecer a minha mãe por desgraçar a vida dela e a minha também.