Capítulo 3 Memórias e Lágrimas

Juliete empurrou a porta de seu pequeno apartamento e entrou sem acender as luzes. O silêncio do lugar a envolveu como um abraço frio, uma lembrança constante da solidão que a acompanhava. O espaço era modesto, uma antítese absoluta da imagem de sofisticação que ela projetava durante o dia. O ambiente tinha poucos móveis, todos escolhidos pela praticidade e não pelo luxo. As paredes, pintadas em um tom neutro, davam uma sensação de ordem, mas escondiam a falta de vida naquele lugar.

Era um refúgio, um esconderijo, um espaço onde Juliete podia ser apenas ela mesma, sem precisar manter sua máscara de controle e sedução.

Ela tirou os sapatos de salto e caminhou descalça pelo chão frio, sentindo um cansaço que ia além do físico. Seus passos a levaram diretamente até a pequena mesa de canto onde repousava um porta-retratos. Seus dedos hesitaram antes de tocar a moldura prateada, como se soubesse que aquele simples gesto a levaria a um abismo de sentimentos que ela tentava evitar. O olhar de Juliete fixou-se na imagem ali contida: um garotinho de sorriso radiante, os olhos cheios de inocência e alegria. Seu filho.

A dor atingiu seu peito com força. Ela apertou os lábios e fechou os olhos, mas as lembranças a invadiram como uma onda furiosa, impossível de conter. De repente, estava de volta àquele dia perfeito, um dia em que tudo parecia certo no mundo.

Era uma manhã ensolarada quando ela e seu filho saíram para um piquenique. O céu azul refletia a felicidade do menino, que corria à sua frente segurando um pequeno avião de brinquedo. O riso dele era uma melodia suave, preenchendo o ar e aquecendo o coração de Juliete. Sentados sobre uma toalha xadrez, eles compartilharam sanduíches, suco e histórias. A brisa suave bagunçava os cabelos dele, e Juliete se lembrava de como gostava de alisá-los com carinho, enquanto ele protestava em meio a risadas.

- Mamãe, olha como meu avião voa alto! - ele exclamou, jogando o brinquedo ao vento.

Juliete sorriu, aplaudindo.

- Você é um piloto incrível, meu amor! Quem sabe um dia você não pilote um de verdade?

Os olhos do menino brilharam com a possibilidade. Ele correu de volta para os braços dela e se aninhou contra seu peito, enquanto ela o envolvia num abraço apertado. Naquele momento, tudo parecia perfeito, como se nada pudesse quebrar aquele encanto.

Mas agora, o tempo havia levado essa felicidade para longe, deixando apenas a lembrança e a dor. Seu menino não estava mais ali. A realidade voltou com força total, esmagandoa sob seu peso insuportável.

Juliete caiu de joelhos ao lado da mesa, segurando o porta-retratos contra o peito como se pudesse trazê-lo de volta. As lágrimas começaram a escorrer, quentes e silenciosas, até se transformarem em soluços pesados. Seu corpo tremia com a intensidade da emoção que reprimira por tanto tempo. Ela não sabia ao certo por quanto tempo permaneceu ali, apenas sentindo a dor, permitindo-se afundar nela.

O apartamento ao redor dela parecia desaparecer. O tempo não existia, apenas aquela sensação sufocante de vazio. Seu rosto estava molhado, seu coração apertado. Sentia-se frágil, despida de qualquer resistência. Como ela conseguia viver com esse peso? Como ainda respirava, com um buraco tão grande dentro do peito?

A exaustão veio como um torpor. Com as mãos ainda segurando a foto, Juliete se levantou lentamente e caminhou até a cama. Deitou-se sem se importar em trocar de roupa, encolhendo-se sobre o colchão, abraçando a moldura como se fosse o próprio filho. Fechou os olhos, mas as lágrimas continuavam a cair, silenciosas, marcando o travesseiro com seu luto solitário.

No escuro, sua mente ainda via o sorriso dele. Ainda ouvia seu riso. O tempo poderia passar, mas essa dor nunca a deixaria. Adormeceu assim, sufocada pelas lembranças, entregue à única companhia que restava: a saudade.

            
            

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