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A febre começava a ceder, mas meu corpo ainda estava pesado. Cada movimento era uma batalha contra a dor, um lembrete cruel de que eu estava vulnerável. E eu odiava estar vulnerável.
A mulher que salvou minha vida se movia pelo cômodo com a segurança de quem sabia exatamente o que fazia. Não era um gesto hesitante, não era uma mulher assustada. Era uma mulher que já tinha visto o pior da humanidade.
E eu queria saber por quê.
Ela trocou o pano na minha testa, a expressão fechada, como se tentasse decidir o que fazer comigo. Havia uma barreira invisível entre nós, uma batalha silenciosa que nenhum dos dois queria admitir que estava acontecendo.
Foi ela quem quebrou o silêncio primeiro.
- Eu era médica no Brasil.
Minha atenção se voltou completamente para ela. Isso explicava tanta coisa. O jeito que cuidou dos meus ferimentos, a confiança com que lidava com o sangue. Mas não explicava tudo.
- Era? - minha voz saiu rouca, mas firme.
Ela desviou o olhar por um instante antes de soltar um suspiro pesado.
- Meus pais foram mortos. E depois, meu ex-marido tentou me matar.
O peso de suas palavras caiu entre nós como uma faca afiada. Eu a encarei, deixando o significado daquilo se assentar. Ela não era uma vítima. Ela era uma sobrevivente.
- Ele conseguiu? - perguntei, observando cada detalhe da sua expressão.
Ela soltou uma risada curta, sem humor.
- Eu estou aqui, não estou? - Seus olhos encontraram os meus com desafio.
Eu sorri de lado. Gostei daquela resposta. Gostei da força por trás dela.
- E agora? - continuei. - Vai passar a vida fugindo?
Ela franziu a testa. Toquei em algo que não deveria? Talvez. Mas queria ver sua reação. Queria entender o que movia aquela mulher.
- Eu faço o que preciso para sobreviver. - Ela cruzou os braços. - Assim como você.
Toque.
Sorri, mesmo sentindo a dor no peito. Ela era afiada. Rápida. Eu gostava disso.
- Isso significa que não vai me entregar?
Ela estreitou os olhos.
- Significa que quero que você saia daqui assim que puder.
Claro que queria. Ela sabia quem eu era. Sabia o perigo que minha presença representava. Mas o problema era que eu ainda não podia ir a lugar nenhum.
Eu precisava dela. E ela sabia disso.
- E se eu disser que não posso ir?
Ela soltou uma risada irônica.
- Esse não é o meu problema.
Eu a observei por um longo momento, estudando seus traços. Ela era linda. De um jeito selvagem, de um jeito que me desafiava. De um jeito que me fazia querer jogar esse jogo.
- Você é uma mulher interessante, Elena.
Ela ergueu uma sobrancelha.
- E você é um problema, Tomazio.
Meu sorriso se alargou.
- Sempre fui bom em ser um problema.
Ela revirou os olhos e se afastou, pegando um copo de água e voltando para mim.
- Beba.
Peguei o copo, deixando meus dedos roçarem os dela de propósito. Ela endureceu ligeiramente, mas não recuou. Interessante.
Bebi a água e a devolvi, mantendo meus olhos nos dela.
- Como é saber que salvou um homem perigoso?
Ela hesitou por um instante.
- Como é ser um homem perigoso e estar tão vulnerável?
Minha risada veio baixa, mas genuína. Ela não recuava.
Eu podia sentir a atração se formando entre nós, lenta, mas inevitável. Ela me intrigava. Me desafiava. E se não fosse pela dor no meu corpo, eu estaria testando esses limites agora mesmo.
Mas não era o momento. Ainda não.
Ela se afastou e pegou algo na mesa: minha camisa rasgada. Olhou para o tecido destruído e depois para mim.
- Se quiser se recuperar, precisa descansar.
- Se quiser que eu saia daqui, precisa me ajudar a melhorar mais rápido.
Ela suspirou, esfregando a testa.
- Você é insuportável.
Sorri, satisfeito.
- Eu ouvi "irresistível".
Ela soltou um som de frustração e se virou para sair do cômodo.
Mas eu vi. Vi o jeito que sua respiração ficou irregular. O jeito que suas mãos apertaram a camisa em um reflexo involuntário.
Ela sentia isso também.
Eu podia estar vulnerável, mas não estava derrotado.
E, pelo que vi nos olhos de Elena, ela ainda não sabia, mas estava entrando no meu jogo.