Capítulo 2 Muito errado!

- Pensa que eu não sei Luciano, que está envolvido com coisas pesadas? Olha para você, vive na rua, e quando chega tem dinheiro para a família toda.

- Eu já te disse que estou trabalhando com um grupo, pai. Mas você prefere me pintar como um marginal.

- Que grupo? -Elizeu encarou o filho. - Um grupo de bandidos? É isso?

- Não adiantaria explicar. Você é ignorante de mais. - Luciano tinha as mãos fechadas em punho. - Eu sei o motivo da sua raiva.

- Não é uma raiva, Luciano. Eu quero que venha trabalhar comigo na obra. Que seja meu braço direito, se case e tome posse de tudo o que podemos ter.

- Conseguir tudo as custas dos fiéis? Pai, você e o seu amigo criaram uma ceita, aquilo deveria ser fechado, e vocês dois, presos.

Elizeu espalmou a mão no rosto de Luciano, e ele nem se moveu. Não ia ferir o pai na frente de Nadine, que era uma menina ainda. Se afastou com o rosto ardendo, sentindo o peso da arma na cintura. Não fosse Nadine, ele teria descarregado toda a munição naquele velho maldito.

Abriu uma bolsa velha e enfiou o resto das roupas que ainda tinha no quarto que dividia com Nadine, passou pelo pai apressado.

- Ainda vou te buscar na sarjeta. - Elizeu apontou o dedo indicador para as costas do filho.

- Te vejo na cadeia, ou no IML. - Luciano o olhou por cima do ombro. - Não se esqueça, com Deus, ou qualquer outra divindade não se brinca. Adeus, Elizeu.

Luciano bateu a porta atrás de si, rapidamente estava saindo pelo portão sentado em sua moto nova. Podia ter ignorado o fato da irmã correndo em sua direção. Afinal, Nadine também apanharia mais tarde.

- Luciano, espera! - Nadine corria para alcançar o irmão.

- Volta para casa, Na. O pai vai te surrar, agora não tem mais o meu corpo para apanhar no seu lugar.

- Eu não quero que vá. Você é o único que me entende.

- Não tem lugar para mim naquela casa, Na. Eu não aguento assistir aquela patifaria e mentirada. Tenho para onde ir, não se preocupe. - Luciano esticou a mão e limpou o rosto da irmã caçula. - Olha, vai ficar tudo bem.

- Não vai. - Nadine sentiu o queixo tremer. - Já perdi a mãe, agora você.

Luciano virou o tronco e enfiou a mão enluvada na bolsa, tirou de lá um celular simples e estendeu a mão para ela.

- Tome, ligue o celular quando quiser falar comigo. Estou partindo por não aceitar o que ele está fazendo com aquelas pessoas inocentes, e eu me nego a fazer parte daquele circo de horrores. Seja forte, Nadine, nunca se dobre a homem nenhum. Deus não está no sacrifício, entendeu? Ele não precisa de um modelo perfeito. Seja você mesma, mesmo que isso custe a sua vida.

Nadine se lançou contra o irmão, o abraçou forte o suficiente para marca-lo em sua alma. Chorou até perder as forças, no fim, se afastou e sob uma cortina de lágrimas o viu se afastar até desaparecer.

Voltou para casa se arrastando, de cabeça baixa, segurando o cotovelo com a outra mão. Ao passar pelo portão viu o pai, parado junto a porta carregando um olhar indecifrável até mesmo para ela.

- Ele se foi? - Indagou a filha.

- Sim. - Ela soluçou, encolhida. - Luciano se foi.

- Não chore. Deus nos livra do mal todos os dias. Entre, mais tarde vamos a igreja. O filho do pastor Durval voltou da capital e estará presente.

(***)

Enquanto Elizeu dirigia até a igreja, Nadine teve tempo de pensar sobre o que irmão havia dito. Fazia alguns anos que Elizeu e Durval, amigos da antiga igreja onde pertenciam, resolveram sair, alegando que a igreja era errada, e que eles haviam recebido o chamado para abrir uma, verdadeira.

Elizeu cedeu o terreno que Cristina havia ganhado da família falecida, quando ainda gestava o pequeno Luciano. Na concepção dele, Luciano devia por todo o tempo em que foi cuidado, e bancado. Cristina, depois que pariu Nadine nunca mais foi a mesma. Estava cada dia mais fraca, triste e louca, até que um dia foi parar dentro do escritório do marido e acabou com a própria vida.

Pelo menos, isso que Elizeu propagou.

Na igreja acontecia da seguinte forma. As jovens eram aconselhadas a se guardar para o esposo que Durval escolheria depois de uma entrevista particular com cada jovem em idade de casamento. Caso alguma moça fosse desobediente, até mesmo por um beijo, ele incitava a mãe, ou qualquer outra mulher a surrar a pecadora. Ela era humilhada durante o culto.

Obviamente que aconteceu somente duas vezes. O que levou Nadine a pensar que, ou elas temiam a ponto de não fazer, ou, faziam muito bem feito e escondido.

- Não vai descer? - Elizeu abriu a porta do carro para a filha. - Vem, amada.

De terno, ele era outro homem, amoroso, viúvo dedicado a família e um homem de fé.

Nadine desceu do carro, ajeitou a saia e apoiou a bolsa em baixo do braço. Como sempre, sentou-se na primeira fileira. Notou sim, que havia um número maior com eles. Cantou, tocou o piano enquanto Elizeu cantava músicas que ele mesmo compunha para a igreja, já que não aceitavam vínculos com outras.

As palavras de Luciano vinham a tona em todo o momento. Ela fazia parte de uma seita. Uma seita errada e maldita.

O culto acabou e todos saíram emocionados. Nadine se levantou, agradeceu, sorriu, beijou crianças de colo. No fim, sobrou somente ela, o pai, Durval e a família nunca vista.

A mulher era calada, tinha o mesmo olhar estranho da mãe, estava agarrada a mão da filha mais nova. Ao lado dela, havia um jovem, longe de ser bonito ou simpático.

- Nadine, está cada dia mais linda. - Durval estendeu a mão, que ela aceitou. - Quantos anos tem menina?

- Quinze, irmão. - Ela recolheu a mão daquele aperto estranho.

- Não reconhece meu menino? - Durval deu um passo para trás, ficando ao lado do filho. - Vocês se viam muito quando eu e seu pai éramos da outra igreja. O Rafa foi estudar na capital, voltou hoje, depois que se formou na faculdade.

Rafael mal olhava na direção dela. Era absurdo que Durval tentava empurrar um filho dez anos mais velho para Nadine.

- Precisamos falar sobre as ofertas de hoje. - Elizeu mudou o rumo da conversa.

Enquanto os homens falavam sobre os planos e gastos, Nadine se viu encarando aquele rapaz, homem, estranho e feio.

Rafael usava óculos de fundo de garrafas, tinha o mesmo cabelo preto e cacheado do pai, formando um tufo no topo da cabeça. A barba era grossa e mesmo aparada, estava ali. O pomo de Adão era saliente, e quando ele engolia, ela tinha a impressão que ele fosse engasgar. Rafael claramente era tão peludo quanto Toni Ramos. Parecia orgulhoso até de mais.

Já estavam indo para o carro, Nadine tinha de acompanhar o pai de perto, e em dado momento reparou que Durval falou algo no ouvido dele, puxou Elizeu para mais uma conversa, deixando Nadine sozinha ao lado do carro.

Quando notou que Rafael estava se aproximando ela começou a forçar a maçaneta.

- Se continuar assim, vai arrancar a maçaneta. - Rafael tinha a voz suave, bonita até. E os olhos, de perto, eram esverdeados como os da pobre mãe. - Eu não vou te atacar, calma. - deu uma olhada para trás. - Posso te ver outra vez? Aqui ou na sua casa?

- Melhor não. - Ela desviou os olhos. - Você é um homem, e eu sou muito nova.

- Okay, então. - Ele levantou as mãos no ar. - Foi bom te ver, Nadine.

Quando Rafael se afastou, Nadine voltou a respirar, a porta destravou e ela se enfiou no carro. Ela acreditou que nunca mais o veria.

Aquilo era errado. Muito errado.

            
            

COPYRIGHT(©) 2022