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O coração de Lucas batia forte. Suas mãos estavam suadas, e um nó apertava sua garganta. Faltavam apenas algumas horas para seu aniversário e, finalmente, ele tomaria coragem para se declarar para Ana.
Há meses, vivia atormentado por aquela ideia, ensaiando mil formas de dizer o que sentia, mas sempre desistindo no último momento. O medo da rejeição o paralisava. Mas, naquele dia, ele estava decidido: não importava a resposta, ele precisava tentar.
Ana não era apenas uma garota bonita. Para Lucas, ela era especial. Desde que a conhecera, dois anos antes, sentira algo diferente nela. Sua inteligência, sua forma delicada de falar e o jeito doce como ria das piadas dele – mesmo as mais sem graça – o encantavam. Eles conversavam bastante nos corredores, às vezes trocavam mensagens sobre livros e filmes. Ele gostava de pensar que existia algo ali, algo que, talvez, pudesse crescer.
Por isso, escolhera o presente com tanto cuidado: um livro de sua autora favorita. Não era nada caro, mas era significativo. Ele passou horas folheando edições diferentes até encontrar aquela que achava perfeita. Com sorte, aquele pequeno gesto abriria uma porta, um caminho para que ela enxergasse o que ele sentia.
Ao sair do banheiro, já arrumado, caminhou pelos corredores da escola, apertando o pacote simples, mas cheio de significado, contra o peito. Sua mente estava tomada por cenários e possibilidades. E se Ana dissesse que sentia o mesmo? Como seria segurá-la pela primeira vez, sentir seus braços ao redor dele?
Ele sorriu sozinho. Pela primeira vez, sentia que poderia dar certo.
Mas então, ouviu uma risada familiar ecoando pelo corredor.
O sorriso desapareceu de seu rosto.
Ele reconhecia aquela voz.
Ana.
E, junto dela, a voz de alguém que fazia seu sangue gelar.
Marcos.
Lucas franziu a testa e hesitou por um momento. Ele não queria ser o tipo de cara que seguia os outros, mas algo naquela risada – na forma como ela parecia diferente – o fez continuar andando.
Virando o corredor, avistou os dois.
Ana estava encostada na parede perto do banheiro, e Marcos estava próximo demais. Perto o suficiente para que Lucas sentisse o estômago se revirar.
Ele parou onde estava, como se seus pés tivessem fincado no chão.
- Você é cheia de mistérios, sabia? - Marcos disse, deslizando um dedo pelo braço de Ana.
Ela riu baixinho.
- Ah, para com isso...
O tom dela era diferente. Não era o tom que ela usava quando falava com Lucas.
Seu peito apertou.
Lucas queria virar as costas e ir embora, queria esquecer aquela cena antes que ela se gravasse para sempre em sua memória. Mas antes que pudesse se obrigar a sair dali, Marcos segurou o rosto de Ana com uma das mãos e a beijou.
Foi como um soco no estômago.
Lucas sentiu o ar escapar de seus pulmões.
Ana não hesitou. Não recuou. Pelo contrário, retribuiu o beijo com um sorriso no canto dos lábios.
A dor foi instantânea.
Ele não sabia o que fazer. Sua mente gritava para ele ir embora, mas seu corpo se recusava a obedecer. Seu coração, antes acelerado de ansiedade, agora parecia prestes a explodir de dor.
Antes que pudesse se controlar, deu um passo para frente. A porta do banheiro estava entreaberta, e ele empurrou-a sem pensar.
O barulho do trinco ecoou no espaço pequeno, e Ana e Marcos se separaram.
Ana o olhou, surpresa por um breve instante, antes de um sorriso debochado surgir em seu rosto.
- O que você tá fazendo aqui, Lucas?
O tom dela não era o de alguém que se sentia pega de surpresa. Não era o tom envergonhado de quem devia desculpas. Era zombeteiro, cruel.
Lucas abriu a boca para responder, mas nenhuma palavra saiu.
Ele ainda segurava o pacote em suas mãos, mas agora parecia ridículo, insignificante.
Marcos riu, cruzando os braços.
- Espera aí... Você estava mesmo achando que tinha chance com ela?
Ana riu baixo, mordendo o lábio inferior, e olhou para Lucas com uma expressão de falsa pena.
- Ah, Lucas... Você sempre foi tão ingênuo.
- Ana... - Sua voz saiu fraca, quase um sussurro.
Ela suspirou, inclinando a cabeça de lado.
- Você realmente achou que eu gostava de você? Que nós tínhamos algo especial?
Lucas sentiu o mundo girar.
- Mas... a gente sempre conversou, trocou mensagens... Eu achei que...
Ana revirou os olhos.
- Claro que conversamos. Você sempre foi legal, sempre me dava atenção. Mas isso não significa que eu queria alguma coisa com você.
Ele engoliu em seco.
- Então por que... por que nunca disse nada?
Ela deu de ombros.
- Porque era divertido.
Aquelas palavras foram um golpe ainda mais forte do que qualquer soco poderia ser.
Lucas sentiu o coração despedaçar dentro do peito.
Marcos riu e deu um passo à frente.
- Dá até pena, cara - disse, com um sorriso maldoso. - Mas sério, acha mesmo que uma garota como a Ana iria querer algo com alguém como você?
Lucas sentiu o sangue ferver.
- Alguém como eu?
Marcos riu de novo.
- Um ninguém.
Ana soltou uma risadinha e cruzou os braços.
- Você não entende, né, Lucas? Você é só mais um garoto sem futuro, sem dinheiro, sem nada. Olha para você... Você não tem nem onde cair morto. E ainda pensa que pode ser algo para mim?
A humilhação queimou dentro dele como fogo.
Lucas sentiu sua raiva explodir.
- Pelo menos eu sou verdadeiro - ele cuspiu as palavras. - Pelo menos eu não sou um covarde que precisa humilhar os outros para se sentir melhor.
O sorriso de Marcos desapareceu.
Por um instante, seus olhos brilharam de raiva.
Lucas percebeu que tinha falado demais.
Antes que pudesse reagir, Marcos avançou.
O soco veio como um raio.
O impacto foi brutal.
Lucas caiu no chão, o rosto batendo contra o azulejo frio do banheiro. O gosto de sangue encheu sua boca, e a dor se espalhou pelo rosto.
Ana continuava parada ali, indiferente.
- Vai embora, Lucas - ela disse, como se estivesse entediada. - Vai para o seu cantinho. Seu lugar de sempre.
Aquelas palavras foram a gota d'água.
Lucas sentiu seu corpo estremecer, não apenas de dor, mas de humilhação, de raiva, de desilusão. Com dificuldade, se levantou, o presente caindo de suas mãos sem que ele se importasse mais.
Cada passo que dava para fora do banheiro parecia mais pesado que o anterior, como se todo o peso do mundo estivesse sobre seus ombros.
Quando saiu para o corredor, sentiu uma sensação de vazio absoluto.
O que ele pensava ser um momento de coragem havia se transformado na pior noite de sua vida.
E, naquele instante, ele soube que algo dentro dele havia mudado para sempre.