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A festa de aniversário de Lucas, embora simples, era a melhor que ele já tivera.
A sala da pequena casa estava decorada com algumas fitas coloridas compradas no mercado, e um bolo caseiro ocupava o centro da mesa, rodeado por alguns salgadinhos improvisados. O cheiro de comida quente se misturava às risadas que preenchiam o ambiente. Pela primeira vez em muito tempo, Lucas sentia um pouco de paz.
Sua mãe, Marta Martins, não parava um segundo. Corria entre a cozinha e a sala, ajustando os pratos e conferindo se tudo estava em ordem. Era uma mulher de traços delicados, mas com a postura firme de quem carregava o peso de uma família nos ombros. Seus olhos denunciavam um cansaço acumulado, mas, naquele momento, ela sorria, satisfeita por ver seu filho feliz, ainda que por algumas horas.
Fernando Martins, o pai de Lucas, era um homem de poucas palavras e muitos pensamentos. Sempre preocupado, sempre atento. Diferente de Marta, ele não demonstrava muito as emoções, mas seu olhar denunciava que aquela festa era importante para ele. Mesmo sem dizer nada, ele mantinha um sorriso discreto ao observar a família reunida.
Sofia, a irmãzinha de Lucas, estava radiante. Com apenas nove anos, ela vibrava a cada novo momento da festa, correndo entre os adultos, fazendo perguntas e tentando roubar docinhos antes da hora.
- Lucas, posso comer o primeiro pedaço do bolo? - ela perguntou, abraçando o irmão com um olhar pidão.
- O primeiro pedaço é do aniversariante, Sofia. - Lucas riu, bagunçando os cabelos dela.
- Ah, mas você pode dar pra mim! Vai, vai, vai!
- O primeiro pedaço vai ser para quem eu escolher.
- Mas eu sou sua irmãzinha favorita!
- Sofia, você é minha única irmã.
- E isso me faz ainda mais especial! - ela cruzou os braços, vitoriosa.
João gargalhou ao ver a cena.
- Ela tem razão, cara. Não tem como fugir dessa.
Todos riram. Aquele era o tipo de momento que Lucas queria guardar. Por um breve instante, a dor dos últimos dias parecia distante.
Até que a campainha tocou.
O som foi alto.
Inesperado.
E, de repente, tudo ficou em silêncio.
Marta e Fernando se entreolharam, e a expressão leve no rosto deles desapareceu instantaneamente.
Lucas franziu a testa.
- Quem é?
- Não estamos esperando mais ninguém... - sua mãe murmurou, quase para si mesma.
A campainha tocou de novo. Dessa vez, mais insistente.
João olhou para Lucas com curiosidade.
- Tá me dizendo que sua festa tem um convidado surpresa? Será que é a Ana, arrependida, implorando pelo seu amor?
Lucas revirou os olhos.
- Se for, fechem a porta na cara dela.
Sofia riu, mas Marta e Fernando continuavam sérios.
O pai de Lucas se levantou lentamente e caminhou até a porta. Ele olhou pelo pequeno vão antes de abrir, e sua expressão endureceu.
Lucas sentiu um arrepio na espinha.
Sem abrir totalmente, Fernando destrancou a porta e a entreabriu.
- Pois não?
Uma voz grave e calma respondeu do lado de fora.
- Estou aqui por Lucas. Ele está?
O silêncio na sala se tornou opressor.
Lucas piscou. Por mim?
Ele se levantou devagar, sentindo uma tensão estranha no ar. João, ao seu lado, sussurrou:
- Se for cobrador, finge que não está em casa.
Fernando abriu um pouco mais a porta.
Do lado de fora, um homem idoso vestia um terno impecável, que parecia deslocado na simplicidade da vizinhança. Sua postura era reta, a expressão séria, mas havia algo indecifrável em seu olhar. Atrás dele, dois homens enormes, de terno escuro e óculos escuros, pareciam duas estátuas de pedra, imponentes e intimidadoras.
Lucas sentiu um nó no estômago.
- Mas que diabos...? - João murmurou, olhando a cena como se estivessem prestes a ser levados por agentes secretos.
Marta segurou o braço de Fernando.
- É ele? - sua voz era um fio de ar.
Lucas percebeu o medo nos olhos da mãe e sentiu o coração acelerar.
O idoso inclinou levemente a cabeça, olhando diretamente para Lucas.
- Feliz aniversário, Lucas.
A voz era calma, mas carregada de algo que Lucas não conseguia identificar.
João se inclinou levemente para o lado de Lucas e sussurrou:
- Certo... Isso tá parecendo começo de filme de conspiração. Se ele disser que você é o escolhido para salvar o mundo, corre.
Lucas engoliu em seco.
- Quem é o senhor?
O homem manteve a postura firme e respondeu com tranquilidade:
- Alguém que pode mudar a sua vida.
O ar na sala ficou pesado.
Sofia, que até então assistia tudo curiosa, puxou a barra da camisa da mãe.
- Mãe, ele é um amigo do Lucas?
Marta olhou para a filha, a preocupação nítida no olhar.
- Eu... eu não sei, querida.
Lucas olhou para seus pais, tentando encontrar alguma explicação na expressão deles. Mas tudo que viu foi um misto de medo e conhecimento. Como se, de alguma forma, eles já esperassem que aquele momento chegasse.
Fernando pigarreou e olhou para o idoso.
- Ele não está preparado.
O homem manteve a calma.
- Então talvez seja a hora de prepará-lo.
Lucas sentiu um frio subir por sua espinha.
- Preparar para o quê?
O idoso sustentou seu olhar, deixando um silêncio agonizante se estender.
Então, disse apenas uma frase:
- Para conhecer a verdade.
Lucas sentiu o estômago revirar.
A festa de aniversário, que antes parecia um refúgio, agora se tornava o palco de algo muito maior. Algo que ele jamais poderia ter imaginado.
E, pela primeira vez naquela noite, ele teve a sensação de que sua vida nunca mais seria a mesma.