Capítulo 4 Um Amigo e um Rival

O dia parecia não ter fim. Dentro da sala de aula, Lucas sentia os olhares de julgamento de seus colegas queimando em sua pele. Ele sabia o que pensavam dele: um garoto pobre, sem perspectivas, sem nada para oferecer. Eles não precisavam dizer uma palavra para que ele sentisse a pressão, a vergonha de ser quem era. Cada sussurro, cada risada abafada, fazia seu coração pesar mais.

Olhando para frente, viu Ana sentada ao lado de Marcos. Eles cochichavam entre si, rindo de algo que ele sabia que não queria ouvir. Marcos lançou um olhar breve em sua direção e soltou uma risada contida.

Lucas baixou a cabeça.

Ele já sabia o que viria a seguir.

Durante o intervalo, Lucas caminhava pelos corredores, imerso em seus pensamentos. Seu corpo ainda doía, mas o que mais pesava era a humilhação. Ele sentia-se esmagado pelo desprezo, sufocado pelas palavras cruéis que ainda ecoavam dentro dele.

Quando virou uma esquina, o riso familiar de Ana o fez parar.

Lá estavam eles. Ana e Marcos.

Ana foi a primeira a vê-lo. Seu sorriso se alargou, mas não de um jeito gentil.

- Ah, olha quem está aqui... O pobre coitado! - Ela cruzou os braços, os olhos brilhando com malícia.

Lucas congelou.

- Você ainda tem coragem de aparecer por aqui? - ela continuou, inclinando a cabeça para o lado, como se realmente estivesse surpresa. - Não vai me convencer que alguém como você tem algo a oferecer, Lucas.

As palavras dela foram como lâminas, afiadas e cruéis. Ele sentiu o sangue gelar nas veias.

Por que ela estava fazendo aquilo?

Ele queria responder, queria gritar. Mas as palavras não saíam. Seu corpo tremia, mas ele sabia que nada poderia mudar a situação. Então, fez algo diferente.

Ao invés de reagir ou tentar se defender, apenas virou as costas e seguiu para o refeitório.

Mas Marcos não deixaria isso passar tão fácil.

O refeitório estava lotado, mas Lucas se sentou sozinho, no canto mais afastado. Ele mexia na comida sem realmente comer, sua mente um turbilhão de pensamentos.

Mas sua solidão foi interrompida.

Passos pesados ecoaram atrás dele.

- Vai fugir, seu covarde?

A voz de Marcos soou alta o suficiente para que algumas pessoas próximas parassem de conversar e olhassem.

Lucas continuou imóvel. Ele sabia o que viria a seguir.

Marcos era filho de Fernando Albuquerque, um dos principais executivos de uma das maiores empresas da cidade. Seu pai ocupava um cargo de grande importância, logo abaixo do presidente, e sempre fora um homem influente nos negócios e na sociedade, crescera cercado de luxo, sempre recebendo tudo de bandeja. Nunca soube o que era lutar por algo. Nunca soube o que era ser negado.

E justamente por isso, adorava pisar nos outros.

A arrogância de Marcos não tinha limites. Exibia seus tênis caros, suas roupas de marca e a vida perfeita que levava como se fosse um troféu. E, quando alguém ousava não se impressionar, sua primeira reação era humilhar.

Agora, ali, diante de Lucas, ele sentia que ainda não tinha feito o suficiente.

Marcos se aproximou e puxou a cadeira de Lucas, fazendo-a arrastar ruidosamente pelo chão.

- Você não vai dizer nada? Hein, mendigo?

Lucas fechou os olhos. Ele não daria a Marcos a satisfação de ver sua dor.

Mas, antes que algo pior acontecesse, uma voz firme ecoou pelo refeitório.

- Ei, Marcos, larga o Lucas!

A figura de João surgiu entre eles.

João era o oposto de Marcos em todos os sentidos. Não tinha dinheiro, mas tinha caráter. Não se destacava pelo status, mas pela lealdade.

Vindo de uma família simples, João cresceu aprendendo que as coisas só se conquistam com esforço. Seu pai era motorista de ônibus, e sua mãe, costureira. Ele nunca teve tudo o que queria, mas sempre teve o suficiente. E, acima de tudo, sempre teve valores sólidos.

João e Lucas se conheciam há anos. Talvez não fossem inseparáveis, mas João sempre estivera ali nos momentos difíceis, oferecendo apoio silencioso quando ninguém mais o fazia.

Agora, ele estava ali de novo.

Marcos riu com desdém.

- O que você vai fazer, João? Vai me impedir de bater no seu amiguinho?

João cruzou os braços, sem se abalar.

- Você é patético, Marcos.

O sorriso de Marcos se desfez.

- O quê?

- Você precisa humilhar os outros para se sentir importante. Só prova o quão pequeno você realmente é.

A mandíbula de Marcos se contraiu. Ele odiava ser desafiado.

Por um momento, o refeitório ficou em silêncio.

Então, Marcos bufou e deu um passo para trás.

- Vocês são dois perdedores. - Cuspiu as palavras com raiva. - E sempre serão.

Com isso, virou-se e saiu, empurrando a cadeira no caminho.

Lucas soltou o ar que nem percebeu que estava segurando.

João se sentou ao seu lado e deu um leve tapa em seu ombro.

- Você tá bem?

Lucas assentiu, ainda surpreso.

- Sim... obrigado. Não sei o que teria feito sem você.

João abriu um sorriso.

- Você teria ficado quieto e levado mais porrada, como sempre. - Ele brincou, mas com um olhar de compreensão.

Lucas soltou um riso fraco.

Então, João puxou algo de sua mochila e colocou sobre a mesa.

- Isso é pra você. Feliz aniversário.

Lucas piscou, surpreso.

Ele não esperava aquilo.

Pegou o presente e abriu com cuidado. Dentro, havia uma carteira de couro simples, mas bem feita.

- Eu sei que você precisava de uma. Achei que poderia ser útil.

Lucas ficou sem palavras.

- Obrigado, João. Eu... eu não sei o que dizer.

- Não precisa dizer nada, cara. Só quero que saiba que você não tá sozinho.

Lucas sentiu os olhos arderem. Uma lágrima solitária escapou.

Naquele dia, ele percebeu algo importante.

Ele podia não ter dinheiro.

Podia não ter status.

Podia não ter Ana.

Mas tinha João.

E, às vezes, uma única amizade verdadeira valia mais do que qualquer fortuna.

Ao final da tarde, Lucas voltou para casa.

O clima da festa estava diferente.

Ele não sabia o que esperar, mas sua alma estava um pouco mais leve.

Talvez, só talvez, aquele dia não fosse um fardo tão grande quanto ele imaginava.

Talvez, apesar de tudo, ainda houvesse algo pelo que valer a pena continuar.

            
            

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