Capítulo 3 Gustavo

Gustavo Narrando

Me chamam de Diabo, e não é à toa. O nome na certidão é Gustavo, mas ninguém me conhece assim. Tenho 25 anos, e nesse mundo aqui, respeito não se ganha, se toma. O motivo do apelido? Simples. Desde moleque, aprendi que pra sobreviver tem que ser mais esperto, mais rápido e mais cruel que os outros. Sempre joguei no limite, sem medo de sujar as mãos. No começo, era só um jeito de me virar, mas depois... virou instinto. Dizem que sou o diabo porque não tenho piedade, porque sei exatamente onde apertar pra fazer um homem se ajoelhar. Não preciso gritar, não preciso ameaçar, minha presença já diz tudo. Quando apareço, ninguém ri, ninguém brinca. Só escutam. E pagam o que devem. Minha fama não veio do nada. Cada cicatriz no meu corpo tem uma história, cada olhar que desvio é de alguém que sabe que comigo não tem conversa fiada. E se alguém tem dúvida, basta perguntar pros que tentaram me passar pra trás. Se acharem algum vivo pra responder.

No meu mundo, quem vacila dança, e eu nunca fui de dar brecha. Desde novo, aprendi que confiança demais é fraqueza e que quem deve tem que pagar-de um jeito ou de outro. Não importa se é dinheiro, favor ou sangue. No final, a conta sempre fecha. Já vi muito otário achar que podia me enganar, que podia me enrolar com conversa fiada. Mas eu sou paciente. Espero, observo, deixo o sujeito se sentir seguro... Aí, quando ele menos espera, eu chego cobrando. E cobro alto.

Não sou homem de escândalo, não sou de gritaria. Minha forma de agir é no silêncio, na pressão, no psicológico. Tem gente que acha que só dor física resolve, mas eu sei que o medo faz um estrago muito maior. Um sussurro na hora certa vale mais que um grito. Um olhar pode gelar até o sangue mais quente. E quando eu bato na porta, nego já sabe: não é visita, é sentença.

O tempo passa, mas a dívida fica. E Antônio achou que eu ia esquecer? Que eu ia deixar quieto? Negativo. O dinheiro que ele pegou já fazia tempo, e até agora, nada de acerto. Mas os juros não perdoam, e hoje eu vim cobrar.

Desci o morro com meus vapor, sem pressa, só observando. Todo mundo sabe que quando eu apareço, não é pra bater papo. Cheguei no barraco do Antônio e, antes mesmo de chamar, já reparei na cena: uma menina nova sentada na varanda. Não conhecia. Nunca tinha visto por ali. Cabelo longo, olhar atento, mas sem aquele medo que a maioria tem quando me vê chegar. Me encarou como se tentasse entender quem eu era. Curiosa demais pro meu gosto.

Mas não era ela que eu queria. Meu assunto era com o pai dela.

- Antônio! - bati na porta com força, sem paciência pra enrolação. - Chega de caô, irmão. Tá na hora de acertar essa dívida. Ou tu esqueceu que dinheiro emprestado tem prazo?

Lá dentro, ouvi barulho de cadeira arrastando, passos pesados. Ele sabia que esse dia ia chegar. E eu queria ver qual desculpa ia arrumar agora. A porta abriu devagar, e Antônio apareceu com aquela cara de quem já sabia que ia dar ruim. Olho dele corria de um lado pro outro, evitando me encarar direto. Covarde.

- Diabo... escuta, irmão, eu só preciso de mais um tempinho... - começou ele, já com a ladainha.

Levantei a mão, cortando a conversa fiada.

- Tempo? Tempo é dinheiro, Antônio. E tu já tá devendo faz tempo. Os juros tão correndo, e eu não sou banco pra perdoar dívida.

Ele engoliu seco. Sabia que eu não tava ali pra negociar. Atrás dele, a mulher dele apareceu na porta, segurando o braço dele, nervosa. A menina da varanda ainda tava ali, observando tudo, sem desviar o olhar. Era filha dele? Não sei, mas a postura dela era diferente, não parecia assustada.

- Eu vou pagar, Diabo... só me dá mais uns dias... - Antônio insistiu, a voz trêmula.

Dei um passo pra frente, ficando cara a cara com ele. Meu tom foi baixo, mas firme.

- Tu já devia saber que eu não gosto de repetição. Tô te dando duas opções: ou tu arruma esse dinheiro agora, ou a gente resolve de outro jeito. E cê sabe que o outro jeito não é bom pra ninguém.

A tensão no ar pesou. Antônio ficou em silêncio, a testa suada, e a mulher dele apertou mais o braço dele, como se quisesse impedir ele de fazer besteira.

Olhei de novo pra varanda, mas a menina já não tava mais lá. Antônio, esperto, mandou ela pro quarto antes que a conversa pesasse de vez. Melhor assim. Assunto de dívida não era pra ouvido inocente.

Me virei de novo pra ele, chegando mais perto, sentindo o medo escorrer dele como suor.

- Vou ser bonzinho, Antônio. Último aviso. Tô te dando uma última chance de resolver essa parada sem precisar piorar as coisas. Tu sabe que eu não gosto de perder meu tempo.

Ele engoliu seco, passou a mão no rosto, nervoso.

- Eu vou resolver, Diabo... juro. Só me dá uns dias. Eu consigo esse dinheiro logo.

Fiquei encarando ele por uns segundos, deixando o silêncio pesar. Eu já tinha ouvido esse papo antes. Mas dessa vez, ou ele resolvia, ou ia sentir no corpo o peso da dívida.

- Eu volto em três dias - falei, seco. - E não quero mais desculpa.

Sem esperar resposta, dei as costas e fui saindo, meus vapor me acompanhando. Mas antes de sair do barraco, olhei de canto de olho e vi a cortina do barraco mexendo. A menina ainda tava ali, espiando, curiosa. Aquilo me fez rir de leve. Ela queria entender quem eu era? Ia acabar descobrindo, mais cedo ou mais tarde.

Desci o morro com meus vapor, tranquilo. Antônio que se virasse. Dei a chance dele sair dessa limpo, mas se não resolvesse, ia pagar de outro jeito. E eu não era de dar segunda última chance. Enquanto andava, o pensamento voltou pra menina. Ela não tinha o olhar assustado que eu costumava ver quando chegava pra cobrar. Não desviou, não tremeu. Curiosa demais. Isso podia ser bom... ou ruim. Mas minha mente logo voltou pro que importava. Ainda tinha outras contas pra acertar, outros nomes na minha lista. Meu trampo não parava, e quem devia, sabia que uma hora ou outra eu batia na porta. Antônio tinha três dias. E se no quarto ele não tivesse meu dinheiro, ia aprender do jeito mais difícil que Diabo não perdoa.

            
            

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