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Isabella Narrando
Faz dois dias que aquele homem, chamado Diabo, apareceu na minha casa, e desde então, nada tem sido igual. Meu pai está diferente, mais calado, mais nervoso. Ele mal olha pra mim ou pra minha mãe, e quando olha, parece distante, como se a cabeça dele estivesse em outro lugar.
No começo, achei que era coisa da minha cabeça, mas foi só prestar mais atenção pra perceber que alguma coisa mudou de verdade. Ele e minha mãe começaram a brigar depois da visita daquele homem. No primeiro dia, foi só um bate-boca baixinho, como se não quisessem que eu ouvisse. No segundo, a coisa ficou mais séria.
- Você devia ter me contado antes, Antônio! Como esconde uma coisa dessas de mim? - ouvi minha mãe gritar, furiosa.
- Eu já tô resolvendo! Eu disse que vou dar um jeito! - meu pai rebateu, com a voz carregada de desespero.
Depois disso, silêncio. Um silêncio pesado, sufocante. Eles pararam de se falar. Agora, dentro de casa, só se ouve os barulhos do dia a dia, mas nenhuma conversa. Minha mãe finge que tá tudo bem, mas eu vejo no rosto dela que não tá. Meu pai sai cedo e volta tarde, sem dizer pra onde vai. E eu? Eu tô aqui, juntando os pedaços dessa história, tentando entender o que tá acontecendo. Mas tem uma coisa que eu sei com certeza: esse tal de Diabo não veio aqui à toa. Ele deixou uma sombra na minha casa, e eu preciso descobrir o porquê.
A tensão dentro de casa só aumentava. Meu pai evitava olhar nos olhos da minha mãe, e ela, por orgulho ou raiva, também não tentava mais puxar conversa. O silêncio entre eles era pior do que qualquer gritaria.
Eu tentava agir normalmente, mas a verdade era que minha cabeça não parava. Diabo. Esse nome não saía da minha mente. Quem era ele, de verdade? O que meu pai devia pra um cara como aquele? E, mais importante, como ele ia resolver isso?
Naquela noite, não consegui dormir direito. Virei de um lado pro outro, meu peito apertado com um pressentimento ruim. Algo dentro de mim dizia que aquilo não ia terminar bem. Levantei, peguei um copo d'água na cozinha e, no caminho de volta pro quarto, ouvi barulho na sala.
Meu pai estava sentado no sofá, cabeça baixa, segurando um cigarro entre os dedos. Ele não fumava. Pelo menos, não que eu soubesse.
- Pai... - minha voz saiu baixa, mas o suficiente pra ele perceber minha presença.
Ele levantou a cabeça devagar, o olhar cansado, como se tivesse envelhecido uns anos nesses dois dias.
- O que foi, filha? Não consegue dormir? - tentou disfarçar, mas eu vi a tensão no jeito que ele segurava o cigarro.
Respirei fundo. Eu poderia fingir que não sabia de nada, mas aquilo já estava me consumindo.
- Quem é Diabo, pai?
Ele congelou. O cigarro tremeu levemente nos dedos dele. Por um instante, achei que ele fosse negar, fugir do assunto. Mas então, ele soltou um suspiro pesado e passou a mão no rosto.
- Ele é um problema, Isabella. Um problema que eu devia ter resolvido há muito tempo...
Eu me sentei ao lado dele, sentindo meu coração disparar.
- Que tipo de problema?
Ele hesitou. Eu sabia que ele estava tentando me proteger, mas já era tarde demais pra isso. Eu já estava envolvida, de um jeito ou de outro.
- Um que pode custar muito caro se eu não der um jeito logo - ele finalmente respondeu, a voz carregada de preocupação.
E foi ali, naquele momento, que eu entendi: meu pai estava preso em algo grande, e o tempo dele estava se esgotando.
Voltei pro meu quarto com a cabeça a mil. Meu pai não queria me contar tudo, mas deixou claro que a situação era séria. "Um problema que pode custar muito caro." Essas palavras ficaram martelando na minha mente. O que ele tava pensando em fazer?
Deitei na cama, tentando dormir, mas o sono não vinha. O silêncio da casa durou pouco.
- Você tá maluco, Antônio?! Eu jamais vou permitir que você faça isso! - a voz da minha mãe explodiu pela casa, cheia de raiva e desespero.
Meus olhos se arregalaram. Pulei da cama e fiquei perto da porta, tentando ouvir melhor.
- Eu não tenho escolha, mulher! - meu pai rebateu, a voz dele rouca, carregada de tensão. - Se eu não resolver isso agora, ele vai vir cobrar do jeito dele!
- Então a gente foge! Dá um jeito! Mas isso que você tá pensando não é solução!
Meu coração batia tão forte que parecia que ia sair pela boca. Meu pai queria fazer alguma coisa extrema... mas o quê?
- Eu não vou deixar eles chegarem em vocês! - meu pai continuou. - Se eu tiver que pagar esse preço, eu pago!
- E vai deixar sua família como?! Eu e Isabella?! A gente também paga esse preço, Antônio! Você não tá pensando!
O silêncio veio de repente, mas dava pra sentir o peso das palavras dela no ar. Minha mãe tava chorando, eu tinha certeza. Meu pai devia estar de cabeça baixa, sem resposta. Eu me afastei da porta devagar, respirando fundo. Não sabia exatamente o que meu pai ia fazer, mas tinha certeza de uma coisa: seja lá qual fosse o plano dele, não era bom.
Depois disso, eu ainda fiquei um tempo ali, ouvindo só o silêncio pesado que ficou na casa. Meu peito tava apertado, minha mente girando, tentando juntar as peças dessa história que meu pai não queria me contar.
Mas o sono bateu de jeito, e antes que eu percebesse, apaguei. Capotei de verdade, porque quando acordei, o sol já tava entrando pela janela, me cegando.
Levantei meio zonza, tentando lembrar se tinha escutado mais alguma coisa depois da briga. Nada. Ou eles resolveram no papo ou só deixaram pra lá. Mas conhecendo meu pai e minha mãe, duvido que tenha acabado ali.
Fui até a sala, mas meu pai já tinha saído. Minha mãe tava na cozinha, de costas pra mim, mexendo no fogão. Pelo jeito, nem dormiu direito.
Sentei à mesa, esfregando os olhos.
- E aí, mãe... cadê o pai?
Ela demorou pra responder, mexendo na panela sem nem me olhar.
- Saiu cedo - disse, seca.
Eu sabia que ela tava preocupada. Sabia que meu pai também devia estar rodando atrás de um jeito de resolver essa dívida. Mas eu só queria entender no que ele tava se metendo. E o pior de tudo? A sensação ruim dentro de mim não tinha passado. Pelo contrário... tava pior.