Capítulo 2 O peso das memórias

O Peso das Memórias

Isabela olhou para Evelyn, ainda atônita, com a sensação de que tudo ao seu redor estava se distorcendo, como se a realidade estivesse se desfazendo e sendo substituída por algo mais antigo, mais profundo. O vento suave acariciava seu rosto, e a visão da casa de campo, com suas paredes de pedra e janelas de madeira, parecia uma pintura retirada de um passado distante. Mas, por mais que sua mente tentasse processar o impossível, seu corpo sentia algo familiar, como se ela já tivesse estado ali antes, em um sonho ou em uma memória perdida.

"Como... como eu cheguei aqui?" Isabela perguntou, sua voz um sussurro trêmulo. O medo e a confusão a envolviam, mas algo dentro de si a impulsionava a continuar.

Evelyn deu um passo à frente, seu vestido de linho esvoaçando com o movimento. Seus olhos, agora mais intensos, refletiam uma tristeza e um peso imensos, como se carregassem uma dor imortal. Isabela sentiu, então, que não estava diante de uma jovem do passado, mas de alguém que havia vivido tanto, que o tempo em si parecia não ter mais controle sobre ela.

"Você não está apenas aqui, Isabela. Você foi trazida." Evelyn respondeu com suavidade, como se estivesse explicando algo que já deveria ser óbvio. "Este lugar... este tempo... tudo isso é uma memória, um pedaço do passado que foi guardado por você, sem saber."

Isabela sentiu um calafrio, e sua mente buscou respostas, mas nenhuma parecia plausível. Ela se lembrava da última coisa que fizera antes de ser transportada: estava na casa de sua avó, folheando o diário de Evelyn. Agora, aqui estava ela, no meio de um campo bucólico, com Evelyn à sua frente. Ela tentava se lembrar de como tudo isso começara, mas as respostas escapavam como água entre os dedos.

"O que você quer dizer com 'guardado por mim'?" Isabela perguntou, tentando entender, mas sua voz estava cheia de confusão.

Evelyn não respondeu imediatamente. Ela olhou ao redor, como se estivesse absorvendo a própria paisagem, antes de voltar seu olhar intenso para Isabela.

"Você e eu, Isabela, estamos mais ligadas do que você pode imaginar. O diário que encontrou, as palavras escritas... tudo isso foi feito para te guiar até aqui. O que você não sabe ainda é que o que está acontecendo agora, esse encontro, não é apenas uma coincidência."

O vento aumentou um pouco, e as árvores ao longe balançaram com mais força, como se algo estivesse prestes a acontecer. Evelyn levantou os olhos para o céu, onde nuvens escuras começaram a se formar, obscurecendo a luz do sol.

"O amor que você leu no diário, o amor de Arthur e eu... ele está entrelaçado com a sua história. O tempo que você está vivenciando agora não é apenas o meu passado, é o seu futuro também."

Isabela sentiu uma sensação de vertigem. As palavras de Evelyn a faziam sentir como se o mundo estivesse se desfazendo diante de seus olhos, e ela estivesse prestes a cair em um abismo onde o tempo e as memórias não faziam sentido algum. Ela se forçou a respirar fundo, tentando controlar a ansiedade crescente.

"Mas... como isso é possível?" Isabela perguntou, tentando reunir forças. "Eu não entendo. Por que minha vida e a sua se entrelaçam? O que isso tem a ver com o que está no diário?"

Evelyn sorriu, uma expressão amarga que refletia o peso de muitas escolhas feitas ao longo do tempo. Ela estendeu a mão, e Isabela, sem pensar, a aceitou. O toque da jovem era gelado, como se o tempo tivesse congelado em sua pele. Evelyn puxou Isabela para mais perto da casa de campo.

"Venha. Você precisa ver o que aconteceu, como Arthur e eu fomos separados... e como esse amor nunca poderá morrer, mesmo que o tempo tente apagá-lo."

Isabela, ainda sem entender completamente, seguiu Evelyn até a casa, que agora parecia mais próxima e imponente. A porta de madeira antiga rangeu quando foi aberta, e elas entraram. O interior estava empoeirado, mas havia algo de mágico naquele lugar, como se o próprio ar carregasse o peso de memórias não ditas. As paredes estavam cobertas de retratos de pessoas que ela não conhecia, mas de alguma forma, sentia que reconhecia os olhares. Olhares de desgosto, de saudade, e de algo mais profundo.

Evelyn conduziu Isabela até uma sala ao fundo, onde uma grande lareira ainda exalava um calor suave, mesmo que não estivesse acesa. No centro da sala, uma mesa de madeira escura estava coberta por papéis, cartas e fotografias emolduradas, todas com o mesmo tema: um homem, com cabelos escuros e olhos penetrantes, que parecia sempre olhar com um misto de dor e paixão.

"Este é Arthur," disse Evelyn, seu olhar fixo nas imagens. "O homem que meu coração escolheu, mas que o destino tentou arrancar de mim."

Isabela se aproximou da mesa, seus olhos fixos em uma das fotografias. Era um retrato de Evelyn e Arthur, sorrindo, ambos tão jovens e vibrantes. Mas havia algo na foto que a fez parar. Algo em Arthur parecia estranho, como se ele soubesse de algo que ela não entendia.

"Por que ele parece tão... triste?" Isabela perguntou, tocando a foto com os dedos trêmulos.

Evelyn suspirou profundamente, como se o peso da história fosse demais para carregar. "Arthur e eu fomos separados por forças que não podíamos controlar. A minha família, o mundo ao nosso redor, não permitiram nosso amor. Eles nos dividiram, e eu perdi uma parte de mim naquele dia."

Evelyn se afastou da mesa e caminhou até a janela, olhando para o horizonte, onde o céu agora estava escuro, carregado de nuvens pesadas. "Mas o que você precisa entender, Isabela, é que o que aconteceu entre Arthur e eu... não terminou. O tempo pode nos separar, mas as memórias, os sentimentos, não podem ser apagados."

Isabela sentiu uma pressão no peito, uma sensação de que algo maior estava prestes a acontecer. Ela não sabia o que o futuro reservava, mas uma coisa era certa: ela estava prestes a entrar em um jogo onde o amor, o mistério e o tempo se misturavam de maneira irreversível.

Evelyn se virou para ela, e seus olhos estavam mais intensos do que nunca.

"Agora você precisa escolher, Isabela. O que aconteceu no passado vai voltar, e você terá que fazer algo que nunca imaginou. O amor de Arthur e o meu não será a única coisa que você precisará salvar."

Isabela não soube o que responder, mas o som de um relógio velho, que parecia ter parado há muito tempo, começou a tocar no fundo da casa, e o som ecoou como um presságio.

O tempo estava se movendo novamente.

            
            

COPYRIGHT(©) 2022