Capítulo 4 O silêncio da Terra

O Silêncio da Terra

O som da terra sendo lançada sobre o caixão de dona Cecília era como um eco surdo no coração de Isabela. Cada pá de terra parecia soterrar não apenas o corpo de sua avó, mas também um pedaço da infância, da segurança, da memória. A despedida final deixou um vazio que nem mesmo as palavras de consolo conseguiram preencher. A presença dos familiares era silenciosa, contida, como se todos ali compreendessem que algo mais do que a morte havia sido enterrado.

Isabela permaneceu em pé, imóvel, com os olhos fixos na lápide ainda fresca. O céu cinzento parecia respeitar o luto, e o vento carregava murmúrios que apenas ela conseguia ouvir. O rosto de dona Cecília vinha em flashes-o sorriso sereno, os olhos que pareciam saber mais do que diziam, e aquela forma doce de falar sobre coisas do passado como se tivessem acontecido ontem.

"Ela sabia de tudo isso", pensou Isabela, com o coração apertado. "Sobre Evelyn, sobre a casa... talvez até sobre mim."

De volta à casa, o cheiro de velas apagadas e flores murchas deixava o ambiente mais pesado. Os móveis pareciam ter encolhido, como se a ausência de Cecília tivesse tirado da casa o que ela tinha de maior: alma. No quarto onde sua avó costumava repousar, Isabela sentou-se à beira da cama, sentindo a textura do velho cobertor de crochê feito à mão. Por um instante, desejou não carregar tantos porquês. Desejou apenas poder chorar.

Foi quando viu, ao lado da cabeceira, um pequeno baú que nunca tinha notado antes. Estava entreaberto, como se aguardasse por ela. Suas mãos tremeram ao abrir completamente a tampa. Dentro, estavam guardadas cartas, fotos antigas e, no fundo, um caderno de capa de couro já desgastado pelo tempo.

Era um diário. Mas não o diário de Evelyn. Este tinha a caligrafia delicada e firme de dona Cecília.

Ao abri-lo, Isabela se deparou com páginas que misturavam registros cotidianos com reflexões profundas, quase filosóficas. E, ali, nas palavras escritas com tanto cuidado, começou a entender o quanto sua avó estivera envolvida com tudo desde o início. Em uma das entradas, leu:

"Hoje, Evelyn apareceu para mim pela última vez. Seus olhos estavam cheios de desespero. Ela disse que o tempo estava acabando, que logo não haveria mais como mudar o que foi. Sinto que Isabela será a última esperança. O sangue dela carrega mais do que herança-carrega uma promessa."

Isabela levou a mão à boca, surpresa. Evelyn tinha aparecido para dona Cecília? Quantos segredos sua avó guardou para protegê-la? E mais importante: de que promessa ela falava?

Mais adiante no diário, outra passagem a arrepiou:

"Se um dia eu não estiver mais aqui, Isabela precisa saber que o diário de Evelyn não a escolheu por acaso. Ela precisa confiar em seus sentimentos. A casa vai mostrar o caminho quando ela estiver pronta para ver."

Isabela fechou os olhos, sentindo uma onda de emoção subir do peito para os olhos. A morte de sua avó não era o fim-era o início da sua própria travessia. Ela não estava ali apenas para organizar pertences ou reviver memórias, mas para cumprir algo maior.

Foi então que ouviu. Um som. Como passos, vindos do corredor. Lentos. Firmes.

Ela se levantou, com o diário ainda entre as mãos, e seguiu o som com o coração batendo forte. Ao virar a esquina, deu de cara com o espelho antigo da casa. Mas o que viu refletido não era só ela.

Evelyn estava ali. De pé, olhando para ela com um olhar calmo, mas firme. Usava um vestido pálido e antigo, o mesmo que Isabela tinha visto em uma das fotos no diário. Havia dor em seu rosto, mas também esperança.

"Está começando, Isabela", disse Evelyn, com uma voz que parecia vir de dentro da casa e não de sua boca. "Agora, você precisa escolher até onde está disposta a ir para descobrir a verdade."

Antes que Isabela pudesse responder, Evelyn desapareceu. O corredor ficou vazio, o espelho voltou a mostrar apenas o reflexo solitário dela mesma. Mas algo dentro de si havia mudado. A dúvida já não era mais se ela devia se envolver, e sim até onde estava disposta a ir.

Com os olhos fixos no espelho, Isabela sussurrou:

"Se essa é a verdade que minha avó guardou... então é isso que eu preciso descobrir."

E naquele instante, o diário em suas mãos pareceu pulsar, como se tivesse vida. E a casa, uma vez silenciosa, voltou a sussurrar histórias através das paredes. O passado estava chamando. E Isabela, mesmo de luto, começava a se preparar para responder.

            
            

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