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Vozes entre as paredes
O diário ainda pulsava nas mãos de Isabela quando ela desceu as escadas, cada degrau rangendo como se ecoasse o passo de alguém que já caminhara por ali muitas vezes antes. A casa parecia desperta, observando, aguardando o próximo movimento. Ela não sabia se estava pronta para o que viria, mas também não conseguia parar. Havia algo no olhar de Evelyn, naquela aparição diante do espelho, que a impelia para frente: um chamado silencioso, mas urgente.
No corredor, a luz tremulava, e o som do vento lá fora fazia as janelas estremecerem. Ao chegar à sala, Isabela avistou o velho diário de Evelyn ainda sobre a mesa. Aproximou-se e o abriu novamente, agora com uma atenção redobrada, buscando mais do que palavras-buscando sentido.
Na margem de uma das páginas, quase apagada pelo tempo, havia uma anotação diferente, escrita com pressa:
"Se alguém encontrar esta página, vá até o sótão. Há algo que Arthur deixou. Só a verdade pode libertar o que o tempo prendeu."
Isabela levou a mão ao peito, sentindo o coração bater mais rápido. O sótão sempre fora um lugar ignorado, mantido trancado por dona Cecília, como se guardasse algo que não deveria ser mexido. Mas agora, tudo indicava que era lá que as peças se encaixariam.
Subiu as escadas com passos firmes, mesmo que o medo ameaçasse cada pensamento. No final do corredor, a pequena porta do sótão parecia mais escura do que o restante da casa, como se o tempo ali tivesse se estagnado. A chave ainda estava pendurada em um prego ao lado-dona Cecília sempre dizia que era só para "coisas antigas".
Com um leve giro da chave, a fechadura cedeu, e a porta rangeu ao se abrir, liberando uma poeira densa e um cheiro de passado que tomou o ar. Subiu os degraus estreitos, com o diário contra o peito, e, ao alcançar o interior do sótão, foi como entrar em outro mundo.
Mal iluminado, o espaço era preenchido por móveis cobertos, baús trancados e objetos esquecidos pelo tempo. Mas o que chamou sua atenção foi um cavalete de madeira no canto, coberto por um lençol branco encardido. Com as mãos trêmulas, ela puxou o tecido e revelou uma pintura antiga.
Era um retrato.
Um homem de olhos profundos, que carregavam uma tristeza bela e feroz ao mesmo tempo. Seu semblante era firme, mas havia algo de extremamente delicado em seu olhar. Isabela soube, sem dúvida alguma, que aquele era Arthur.
Ao lado do quadro, uma caixa de madeira trancada com um fecho enferrujado. Tentou abri-la, mas sem sucesso. Passou os dedos pela tampa e viu gravado em letras pequenas: "Para quando o tempo permitir."
Ela sentou-se no chão de madeira, tentando entender o que sentia. Não era só curiosidade. Era uma dor nova, estranha, como se estivesse conectada àquela pintura, àquele homem, como se... o conhecesse. Um arrepio percorreu sua espinha. O que estava acontecendo com ela?
Foi então que ouviu o som de alguém subindo a escada do sótão.
Assustada, levantou-se rapidamente. O coração disparado, o corpo inteiro atento. Por um segundo, pensou que fosse Evelyn outra vez. Mas não era.
A cabeça de um jovem surgiu pela abertura, e seus olhos se encontraram. Ele era alto, tinha os cabelos castanhos desalinhados e o olhar carregava algo que ela não via havia muito tempo: reconhecimento. Como se a conhecesse antes mesmo de saber quem ela era.
"Você é Isabela, não é?" ele perguntou, subindo o último degrau.
Ela assentiu, ainda surpresa. "Sou. Quem é você?"
"Lucas. Fui amigo da sua avó. Na verdade, ela me pediu que viesse aqui... caso algo acontecesse."
Isabela sentiu um nó na garganta. "Ela nunca me falou de você."
Lucas deu um meio sorriso triste. "Ela me contou sobre você. Mais do que imagina. E me contou também sobre... isso tudo."
Ele olhou ao redor do sótão, e seu olhar parou na pintura de Arthur.
"Então é verdade", ele murmurou. "A história de Evelyn... ainda vive."
Isabela olhou para ele, sentindo o ar rarefeito. Aquele momento não parecia real. E, ao mesmo tempo, era mais real do que qualquer coisa que já havia sentido.
"O que você sabe, Lucas? O que minha avó te contou?"
Ele se aproximou devagar, olhando para ela com seriedade. "Ela me disse que o amor de Evelyn e Arthur foi interrompido, mas não destruído. Que há algo que precisa ser restaurado. E que você... é parte disso."
Isabela abaixou os olhos, sentindo o peso de tudo recaindo sobre si. Mas agora, ela não estava mais sozinha.
"Então vamos descobrir o que está nessa caixa", ela disse, apontando para o objeto fechado ao lado do retrato.
Lucas se aproximou, tirando do bolso uma pequena chave dourada.
"Essa chave foi deixada comigo por Cecília. Ela disse que um dia você saberia quando usá-la."
Isabela sentiu um arrepio tomar todo o corpo.
Lucas entregou a chave a ela. As mãos de Isabela se fecharam em torno do metal frio. E quando ela a inseriu na fechadura e girou, a tranca se abriu com um estalo surdo.
Dentro da caixa, havia algo que faria sua respiração falhar.
Um medalhão.
Um bilhete envelhecido.
E uma fotografia que mudaria tudo.