/0/14378/coverbig.jpg?v=cf9c725b4c475d3de3813ee115e4c3d1)
O Diário Esquecido
O vento frio de outono soprou pelas árvores do jardim da casa de sua avó, fazendo as folhas secas dançarem pelo chão de pedra. Isabela parou na entrada da antiga casa, observando o local que sempre tivera algo de encantador, mas também de melancólico. A casa parecia quase imune ao passar dos anos, seus tijolos cobertos de musgo e as janelas empoeiradas guardando histórias que ela nunca soubera contar.
Isabela nunca havia tido um relacionamento muito próximo com sua avó. A mulher era uma figura silenciosa, uma alma cheia de mistérios e segredos, que raramente compartilhava algo sobre seu passado. A velha casa estava repleta de móveis antigos e quadros nas paredes, alguns empoeirados, outros com cores desbotadas pelo tempo. Mas a avó de Isabela sempre insistira que, no momento certo, ela deveria passar algum tempo ali. "Este lugar guarda coisas que você ainda não entende",
ela costumava dizer com uma expressão vaga, como se soubesse que o destino de Isabela estava de alguma forma entrelaçado com a casa.
Naquela manhã, Isabela havia recebido uma carta de sua mãe, informando que sua avó falecera na noite anterior. A perda foi repentina, e Isabela decidiu viajar até a casa para ajudar nos preparativos, sem saber que o que encontraria ali mudaria sua vida para sempre.
O cheiro de madeira envelhecida e poeira era reconfortante. Ela subiu as escadas com cautela, sentindo uma nostalgia que não sabia de onde vinha. No quarto da avó, tudo estava exatamente como sempre. O grande armário de carvalho, a cadeira de balanço que sempre fora um lugar de descanso, e, sobre a cama, um caderno de couro, como que esperando por ela.
Isabela não podia deixar de sentir uma estranha sensação ao olhar para o caderno. Ele estava fora do lugar, sobre a cama, como se tivesse sido colocado ali para ser encontrado. Ela se aproximou lentamente, sentindo uma curiosidade crescente. Quando o abriu, a primeira página estava repleta de uma caligrafia elegante, mas com traços que indicavam que a pessoa que escrevera estava tentando ocultar algo. As palavras pareciam um enigma:
"O tempo, como a maré, leva consigo o que nos é precioso. E, nas sombras do passado, há segredos que devem permanecer em silêncio."
Isabela leu e releu aquelas palavras, sentindo um calafrio correr pela espinha. Quem seria a autora dessas palavras? A avó nunca mencionara nada sobre segredos ou sobre o passado de sua família. Ela folheou as páginas, cada uma delas mais misteriosa que a anterior. As memórias ali contidas não eram apenas palavras, mas fragmentos de um outro tempo, de uma época distante. E, enquanto ela passava os olhos por cada uma delas, Isabela sentia que algo dentro dela começava a despertar, uma sensação de déjà vu, como se aquelas palavras já tivessem sido lidas por ela em outro momento.
Havia nomes. "Evelyn" e "Arthur" estavam entre os mais recorrentes, como se fossem os protagonistas de uma história não contada. O diário detalhava encontros secretos, olhares furtivos, e um amor proibido. Cada página parecia mais densa e cheia de emoções intensas, como se o amor descrito ali estivesse prestes a ultrapassar os limites da razão e da moralidade da época.
E então, em uma das páginas finais, Isabela encontrou algo que a fez prender a respiração. Era um desenho. Um retrato de uma jovem mulher, com traços delicados, mas marcados por uma tristeza profunda nos olhos. O nome "Evelyn" estava escrito abaixo do desenho, e, ao lado, uma inscrição que dizia:
"Às vezes, o destino nos obriga a escolher entre o amor e o dever. Arthur escolheu o amor. Eu escolhi o dever."
Isabela tocou a imagem, seus dedos traçando as linhas da face de Evelyn. Algo nela parecia familiar, mas não conseguia entender o porquê. O retrato parecia chamar por ela, como se o destino estivesse tentando dizer-lhe algo.
Sentiu uma dor repentina no peito, como se estivesse sendo puxada para outro lugar, outra época. Seus olhos se fecharam por um momento, e quando os abriu novamente, ela não estava mais na casa de sua avó. Ela estava em um outro lugar, um local que jamais imaginaria que pudesse existir.
O ar era diferente, mais pesado, com um cheiro de terra molhada e de flores que não reconhecia. Olhou ao redor, confusa, e seus olhos se fixaram em uma paisagem bucólica: uma casa de campo com jardins impecavelmente cuidados, e, ao fundo, um grande portão de ferro forjado que parecia conduzir a um mistério.
Antes que pudesse entender o que estava acontecendo, uma voz suave, mas firme, chamou-lhe a atenção.
"Você finalmente chegou."
Isabela virou-se rapidamente, e ali, diante dela, estava uma jovem mulher, com os mesmos olhos tristes que ela havia visto no retrato do diário. Ela estava vestida com roupas de época, uma saia longa e uma blusa de mangas bufantes, uma mulher do passado, mas com uma expressão que parecia... eterna.
"Evelyn?" Isabela perguntou, sem saber como a palavra havia saído de sua boca. Mas, ao dizer o nome, tudo pareceu se encaixar. Evelyn sorriu levemente, e algo em seus olhos brilhou.
"Sim, sou eu. E você... você finalmente encontrou o que procurava. Agora, precisamos terminar o que começamos."
Isabela sentiu um arrepio percorrer sua espinha. O que Evelyn queria dizer com isso? O que ela precisava terminar? E, mais importante, como ela tinha ido parar ali?
Ela não sabia, mas uma coisa era certa: o tempo havia começado a se desdobrar diante dela de uma forma que ela nunca poderia ter imaginado. E, talvez, o destino de Evelyn e Arthur fosse mais entrelaçado com o seu do que ela jamais imaginara.