Ela caminhava pelas ruas de Berlim, sentindo-se dividida entre a razão e o caos. Sabia que ele estava certo e que, se continuassem se atacando, a aliança poderia ruir, levando consigo todo o esforço que haviam feito até aquele momento. Mas a questão mais difícil de aceitar era como trabalhar com ele, sendo que o simples fato de estarem no mesmo espaço já acendia uma faísca de tensão entre ambos.
Maya virou em uma esquina, suas botas encharcadas afundando em poças d'água, e parou em frente ao café que costumava frequentar. Era seu refúgio, onde relaxaria e, acima de tudo, encontraria Lucas. Ela enviou uma mensagem rápida para ele, avisando que já estava lá. Entrou no local, o cheiro de café recém-moído envolvendo seus sentidos, e se sentou em sua mesa de sempre, no canto. O calor acolhedor do ambiente contrastava com o frio lá fora, mas nem isso parecia suficiente para aquecer o turbilhão dentro de sua cabeça.
Ela pediu um cappuccino e, enquanto esperava, pegou o telefone e viu uma notificação de e-mail. Era de um dos advogados da empresa, confirmando que a unificação ainda estava segura - pelo menos por enquanto. Ela suspirou, sentindo o peso daquela responsabilidade cair sobre seus ombros.
Alguns minutos depois, Lucas entrou no café, sacudindo o guarda-chuva molhado na entrada e jogando um sorriso largo para Maya. Ele era a única constante em sua vida, o único que a fazia sentir que podia desabafar sem ser julgada. Ele se aproximou da mesa e sentou-se em frente a ela, tirando o casaco e jogando-o no encosto da cadeira.
- Pelo visto, o dia foi uma droga - ele comentou, sem rodeios, enquanto a observava com um olhar de quem já conhecia a resposta.
Maya soltou um riso baixo, balançando a cabeça.
- Você nem imagina, Lucas.
- Então me conta tudo. - Ele gesticulou dramaticamente, encostando-se na cadeira. - Preciso saber como meu amigo Gabriel Thorne consegue te irritar dessa vez.
Maya bufou ao ouvir o nome de Gabriel e tomou um gole de seu cappuccino, sentindo a bebida quente acalmar, pelo menos um pouco, seus nervos.
- Ele sempre consegue - ela disse, finalmente. - Mas, dessa vez... não sei, Lucas. Parece que há algo mais acontecendo. Ele está diferente, menos combativo. Ainda irritante, claro, mas... sei lá. - Ela deu de ombros, confusa com suas próprias palavras.
Lucas franziu a testa, curioso.
- Diferente como? Não me diga que ele finalmente cansou de ser um idiota.
Maya riu, mas logo seu sorriso se desfez.
- Não sei se é isso. Acho que ele percebeu que, se continuarmos assim, a união pode estar em perigo. E, por mais que eu odeie admitir, ele está certo. Preciso parar de agir como se cada reunião fosse uma batalha.
Lucas a observou por um momento, seus olhos cheios de compreensão.
- Então, o que você vai fazer?
- Vamos tentar um acordo temporário - Maya respondeu, suspirando. - Ele sugeriu que precisamos mostrar mais harmonia. Pelo menos até a fusão ser concluída.
Lucas inclinou-se para frente, apoiando os cotovelos na mesa.
- E você acha que isso vai funcionar? Digo, você e Gabriel... vocês são como fogo e gasolina.
Maya deu de ombros, incerta.
- Não sei, Lucas. Mas o que mais posso fazer? O futuro da empresa depende disso. E talvez eu também esteja cansada de lutar o tempo todo.
Lucas a observou com atenção, percebendo algo mais profundo em suas palavras.
- E se... não for só sobre a união?
Maya ergueu uma sobrancelha.
- O que quer dizer?
Ele sorriu, balançando a cabeça levemente.
- Nada, nada... só uma ideia maluca. - Ele deu um gole em sua própria bebida, claramente escondendo algo, mas Maya não estava no clima para forçar uma explicação.
- O que quer que seja, não importa. A questão é que eu tenho que aprender a conviver com ele, e só. Quando tudo isso acabar, voltaremos para nossos lugares de sempre. Simples assim.
Lucas sorriu de canto, mas não parecia convencido.
- Se você diz.
Maya sabia que Lucas sempre via mais do que ela deixava transparecer, mas, naquele momento, ela não tinha energia para discutir o assunto. O que importava agora era garantir que a fusão acontecesse e que pudesse seguir em frente com sua vida, deixando Gabriel Thorne para trás de uma vez por todas.
[Quebra de tempo]
De volta ao escritório, o clima parecia mais pesado do que o habitual. Os olhares dos funcionários eram cautelosos, e Maya logo percebeu o porquê. Gabriel estava parado no corredor, conversando com um dos diretores, e a presença dele parecia aumentar a tensão no ambiente. Ela tentou ignorar o desconforto crescente em seu peito e seguiu em direção à sua sala.
No entanto, antes que pudesse entrar, Gabriel a viu e, para sua surpresa, caminhou diretamente até ela.
- Podemos conversar? - ele perguntou, sua voz baixa e séria.
Maya suspirou internamente, mas assentiu. Entraram na sala de reuniões ao lado, onde poderiam ter um pouco de privacidade. Gabriel fechou a porta atrás de si, e por um momento, eles ficaram em silêncio, apenas se encarando.
- O que foi agora, Gabriel? - Maya perguntou, tentando manter a calma.
Ele passou a mão pelo cabelo, claramente frustrado.
- Recebi uma ligação de Jonas Weber esta manhã - ele começou. - Ele quer adiantar a reunião final sobre a aliança para amanhã à noite.
Maya franziu a testa.
- Amanhã? Isso é muito cedo. Ainda temos coisas para ajustar.
- Eu sei - Gabriel concordou. - Mas Weber quer ver resultados rápidos. E, honestamente, se não mostrarmos que estamos no controle da situação, ele pode começar a puxar o freio.
Maya sentiu uma onda de frustração crescer dentro de si. Tudo estava acontecendo rápido demais, e agora não tinha escolha a não ser acelerar o processo.
- Tudo bem - ela disse, finalmente. - Vamos trabalhar nisso. Mas espero que esteja ciente de que, se essa aliança fracassar, vai ser por causa das suas jogadas de poder, Gabriel.
Ele a olhou por um longo momento, seu olhar mais suave do que ela esperava.
- Não estou interessado em jogar, Maya. Só quero que isso funcione.
Havia algo em sua voz, uma sinceridade inesperada, que a deixou desconcertada. Por mais que quisesse manter a guarda alta, algo no jeito como ele a olhava a fazia questionar suas próprias defesas.
Ficaram em silêncio por um momento, até que Gabriel deu um passo para trás, parecendo concluir a conversa.
- Amanhã, então - ele disse, antes de sair da sala.
Maya ficou parada por alguns segundos, olhando para a porta por onde ele havia saído. Havia algo em Gabriel que ela ainda não conseguia entender, mas uma coisa era certa: aquele homem, de uma forma ou de outra, estava começando a mexer com ela de maneiras que não conseguia controlar.
[Quebra de tempo]
Maya passou o restante da tarde imersa em documentos, relatórios, e-mails. Por mais que tentasse se concentrar no trabalho, sua mente continuava retornando à conversa com o sócio. Ela estava acostumada com o controle, com o planejamento meticuloso, mas a súbita mudança nos planos e a pressão de Weber a deixavam inquieta. E mais do que isso, a atitude de Gabriel a desconcertou de uma maneira que ela não conseguia explicar.
As palavras dele continuavam ecoando em sua cabeça: "Não estou interessado em jogar." Havia uma honestidade em sua voz que Maya não estava preparada para ouvir. E, pela primeira vez desde que começaram a trabalhar juntos, ela se perguntou se Gabriel Thorne era mais do que apenas um rival ambicioso.
Quando o relógio marcou sete da noite, Maya decidiu que era hora de ir para casa. O escritório já estava mais vazio, com apenas alguns funcionários ainda em suas mesas, tentando terminar o que parecia ser uma infinidade de tarefas. Maya se levantou, pegou seu casaco e saiu rapidamente, antes que alguém pudesse abordá-la com mais problemas ou questões.
Assim que pisou na rua, o ar frio de Berlim a atingiu de forma quase revigorante. A chuva havia diminuído para uma garoa fina, que molhava suavemente o rosto dela. Maya decidiu andar um pouco, talvez clarear a mente antes de encarar mais uma noite sem descanso.