Caça-Trevas: O Mal em Solar
img img Caça-Trevas: O Mal em Solar img Capítulo 4 Caçados
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Capítulo 6 O Ritual img
Capítulo 7 O Expurgo da Fera img
Capítulo 8 Caça-Trevas img
Capítulo 9 A Revelação img
Capítulo 10 Karl, filho de Lark img
Capítulo 11 A Batalha de Solar img
Capítulo 12 Karl contra A Escuridão img
Capítulo 13 O Caminho do Caçador img
Capítulo 14 Da Batalha dos Ursos img
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Capítulo 4 Caçados

"Pode fazer isso por mim?" Disse Karl para Anna. "Não vamos voltar rápido, provavelmente vamos ficar até amanhã à noite na floresta. Não tem mais ninguém para cuidar dela."

"Certo Karl, certo." Disse Anna, com as mãos ao alto, rendida. "Vou cuidar muito bem dela, não tem com o que se preocupar."

Karl agradeceu com um sorriso sem graça e um aceno de cabeça. Sam vinha por trás de Anna, dando-lhe um beijo no pescoço.

"Cuide das crianças, querida. Voltamos amanhã de noite. Não me espere acordada." Disse Sam, num tom de piada. "E o Karl aqui tem que achar um bicho bem grande pra gente."

"Vamos, Sam." Disse Karl, impaciente. "Preciso pegar meu arco."

"Certo, certo. Até mais, amor, até mais filhos, até mais Elena." Disse Sam, por fim acenando para a esposa.

Karl caminhou passando por duas casas até chegar à sua. Lá dentro, o alívio lhe veio por sentir o bem vindo ar abafado da casa. As velas já estavam quase derretidas. Logo foi até a parede e retirou seu arco dos ganchos, indo buscar a aljava no quarto.

"Faz um tempo que não entro aqui." disse Sam, observando os cômodos.

"Está como da última vez que veio." Respondeu Karl, tentando quebrar o gelo entre os dois. "Já vamos sair, só preciso achar a aljava com as flechas."

Enquanto Karl procurava, Sam perambulou pela casa, observando as velas ainda acesas derretendo a cera. Havia velas por toda a casa, não tinha um lugar sequer sem pelo menos uma vela. Cada estante, cada espaço, cada canto minimamente seguro possuía uma vela brilhante.

"Karl, por que essas velas? Não tem medo de um incêndio?" indagou Sam, estranhando aqueles objetos por toda a casa.

"Ah, bom..." Karl entrou na defensiva. Seu tom de voz baixou. "Não é por nada, é besteira. Achei a aljava, vamos?"

Sam notou que Karl agia estranho, mas decidiu não insistir. As coisas já não estavam tão boas assim entre os dois, não valia a pena piorá-las. Enquanto saiam, Karl lembrou-se de algo por fazer. Entrou novamente e retirou todas as velas derretidas com rapidez.

"O que está fazendo?" perguntou Sam.

"Nada de mais." Gritou Karl, lá de dentro, ainda cumprindo a tarefa.

Quando Karl reapareceu, Sam notou que havia mais velas em suas mãos. Pôs as novas nos mesmos lugares. Karl acendeu uma por uma em toda a casa e então saiu, trancando a porta.

"Pronto, podemos ir agora." Afirmou Karl, envergonhado.

"Hã... Certo." Respondeu Sam, estranhando.

Dali caminharam para as últimas casas de Solar, se aproximando da floresta. O movimento era quase nulo. O medo era latente entre o povo de Solar, era chocante notar que só se passaram dois dias desde o incidente. Passaram pelo Açougue do Porco-Jantado e não viram Bill por lá, isso era esquisito. Todos que costumavam estar em seus lugares de sempre agora estavam acanhados, assustados dentro de suas casas, poucas estavam abertas.

"Bom, parece que os outros não vêm hoje." Falou Sam, subitamente.

"Para mim, é meio óbvio." Exclamou Karl, sério. "Estamos assustados. E agora que olho para essa mata, não me sinto seguro. Eu entendo que eles não queiram vir, pois nem eu mesmo desejo estar aqui. É como se aquilo que devia nos proteger do que vem lá de fora fosse a porta de entrada pra isso."

"Tem razão." Disse Sam, também sério.

Quando passaram pelo arco de entrada e saída de Solar, pararam por um segundo. Observaram a floresta à frente, como agora não parecia tão comum quanto dois dias antes. Ambos sentiram que ao passar dali para as escuras copas das árvores, talvez não voltariam. Era desconhecido. Algo com o qual estavam tão habituados agora era uma ameaça. Podiam sentir que algo exalava de lá, não parecia mais só uma floresta, parecia um mundo inteiro de sombras. Sentiam que o que devia protegê-los do mal, agora podia trazê-lo a eles. E quando o que você mais confia se mostra inútil e não merecedor de tal confiança, isso pode ser caótico.

"Está sentindo?" perguntou Karl, incomodado.

"Sinto algo como um frio incomum, mais profundo que o da neve." Respondeu Sam, olhando em volta com arrepios.

"Tem algo aí fora Sam, algo muito ruim." Disse Karl, bem baixo, como se algo pudesse ouvi-los.

Com passos vagarosos, adentraram a floresta, e à medida que entravam, seu medo aumentava junto às sombras acima. Seus pés afundavam sob a neve fofa. Olhavam por todos os lados, nervosos. Havia tantas que mais à frente, depois das últimas árvores que conseguiam enxergar, só viam um grande perturbador breu, como se nada mais houvesse além da floresta.

"Certo, certo, vamos ficar tranquilos. Precisamos encontrar rastros de algum animal." Disse Karl.

"Eu gosto de cervos." Respondeu Sam, tentando levantar o astral.

"Vá por aquele lado que eu vou por esse aqui, se encontrarmos rastros, nos chamamos pelo sinal." Mandou Karl, que não gostava da ideia de se separarem, mas era preciso.

"Estou indo, estou indo." Disse Sam, nem um pouco apressado.

Separaram-se. Passou um tempo enquanto não ouviram nada um do outro. A paranoia era inevitável. E se algo os estivesse observando? Esperando a hora certa de atacá-los? E se... Estivesse bem debaixo de seus narizes? É chocante que nos momentos em que estamos nervosos, tudo parece possível. A sensação de estar sendo observado vinha por trás de cada árvore, cada tronco grosso o bastante para esconder alguma coisa, cada som sequer causado por sabe-se lá o quê. Karl segurou um grito quando ouviu de repente o sinal emitido por Sam lá do outro lado. Preparando uma flecha e respirando sem controle, ele correu. Chegando lá, viu Sam mandando fazer silêncio. Era visível o que encontrara. Uma enorme marca de arranhões no tronco de uma árvore.

"Acha que foi um urso?" questionou Karl, sussurrante.

"Isso não foi um urso. Ursos hibernam no inverno. Isso aqui é violento, olha a profundidade, não foi um urso." Sussurrou Sam, tocando e cheirando os dedos logo depois. "Eca. Tem cheiro podre, muito podre. É recente. Seja lá o que for ainda está por aqui."

O pavor lhes dava as boas vindas. Foram atrás do que estivesse por ali com flechas prontas para atirar. Por alguns minutos, ficaram perdidos. A paranoia os acompanhou em cada passo na neve. Era estranho como um lugar tão aberto podia parecer tão estreito e apertado.

"Sente esse cheiro?" sussurrou Sam, com repulsa.

"Parece... Sangue." Respondeu Karl, farejando o ar.

"Segue o cheiro." disse Sam.

Caminharam na direção do odor, e à medida que se aproximavam, o fedor parecia piorar. No caminho notaram que muitos troncos estavam também marcados e lambuzados de um líquido negro que fedia. Foi quando alcançaram uma clareira, e ali viram algo perturbador. Uma poça vermelha vazava do que um dia já foi um cervo. Estava espalhado- o cervo e o sangue-pela neve. Só souberam que era um cervo pelos chifres despedaçados, ainda reconhecíveis. A cabeça estava esmagada e os olhos saltavam para fora do crânio quebrado. Notaram, horrorizados que o mesmo líquido negro das árvores jazia misturado ao sangue derretendo a neve e queimando qualquer coisa que tocasse. Como constataram ao encostar uma flecha na coisa negra.

O cheiro era insuportável. Os dois cobriam o nariz com suas roupas. Sam logo pôs para fora o café da manhã, enquanto Karl, tão assustado, mal se mexia.

"Olha..." disse Sam, tentando não vomitar. "Pegadas..."

"Vamos, prepare-se." Respondeu Karl, com medo.

As pegadas pareciam ter sido causadas por algo tão repulsivo que a neve derreteu abaixo de seus pés. Eram pegadas humanas. O maldito cheiro os perturbava, ficando mais fétido à medida que seguiam os rastros. Os olhos lagrimando como se mil cebolas estivessem sendo fatiadas a um palmo de seus rostos. A floresta já parecia eterna. Uma névoa pesada lhes impedia de ver muito. Depois de um tempo, estavam tão submersos na névoa que sua única garantia de que o outro estava ali era o som de suas respirações. O silêncio tumular era de tirar o fôlego. Às vezes esbarravam numa árvore e se assustavam, era quase impossível saber onde estavam.

De repente, Karl achou ter perdido Sam, mas se aliviou ao sentir a respiração do amigo ao lado.

"Sam, onde estamos? Deveríamos voltar." Perguntou Karl, silencioso.

Sem resposta. De repente, num impulso, Karl se virou já com uma flecha preparada para lançar. Olhou por todos os lados, em círculos, chamando por Sam.

"Sam! Vamos Sam, apareça!" gritou Karl.

Começou a correr. Sua visão se tornou turva e perdida. Parecia ouvir passos rápidos atrás de si, tentando alcançá-lo. Se escondeu por trás de uma árvore. Não sabia o que fazer, nem mesmo sabia se adiantaria lançar uma flecha contra o que quer que fosse. Lembrou-se do quão difícil foi a luta contra besta no templo, talvez não fosse possível vencer agora. Mil pensamentos lhe passaram pela mente, Elena, Maria, Elena, Maria. Se morresse ali, quem Elena teria? Quem a protegeria? Podia sentir o bafo quente lhe tocando o pescoço, causando arrepios. Foi quando um som familiar soou da escura névoa. Uma lembrança lhe veio à mente num flash: um homem, uma fera, uma noite tempestuosa. Uma flecha rápida veio da névoa em sua direção, ele se esquivou, notando que a farpa atingiu a coisa atrás de si.

"Corre, Karl, corre!" ecoou a voz de Sam, vindo de qualquer lugar.

Karl começou a correr, correr, correr. Não sabia se a criatura estava atrás dele, mas sentia que estava. De novo, o flash lhe trouxe mais uma parte da lembrança: uma corrida descompensada, uma fera e medo, muito medo. Quase não enxergava à sua frente, sentia que iria desmaiar há qualquer momento. Quando esbarrou em Sam, os dois correram até as pernas não aguentarem mais.

"A névoa é muito densa, precisamos parar e nos esconder em algum lugar, senão vamos vagar para sempre nessa merda." Disse Sam ofegante, vigiando os arredores.

Karl não respondeu. Estava sem respirar. De repente ficou sem chão. A visão se tornou turva e escureceu. Uma voz lhe veio à cabeça, trazendo de volta algumas palavras que enterrou com dificuldade. "Karl, socorro, Karl!". A cabeça girava com as marteladas. As árvores pareciam crescer até os céus. Começou a berrar e se debater. Iria cair, e caiu.

            
            

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