Capítulo 2 O Dia em Que Quase Morri

Aquela tarde estava abafada. O céu carregado, como se pressenti-se a tempestade que se formava não lá fora, mas dentro de mim.

Sai da faculdade sem dizer uma palavra para Clara. Meu corpo estava ali, mas minha cabeça já estava em outro lugar.

O cartório ficava a poucas quadras. Cada passo até lá parecia um grito silencioso pedindo coragem.

Mas eu fui.

Assinei.

Entreguei os documentos.

E, por dentro, tremi.

"Está feito", pensei, olhando para minha assinatura no papel que, em teoria, me libertava.

Em teoria.

******

Cheguei em casa antes de Daniel. O lugar estava quieto demais.

Guardei os papéis no fundo da gaveta da cômoda e tentei agir normalmente, como se minha vida não estivesse prestes a virar um campo de guerra.

Só que ele já sabia.

Não sei quem contou. Talvez alguém do cartório, talvez algum amigo dele. Não importava.

O som da chave na porta me fez congelar.

Daniel entrou com o rosto vermelho, os olhos vidrados de ódio.

- Então é isso? (ele disse, a voz baixa, mas carregada de veneno). - Foi no cartório escondida de mim?

Fiquei de pé, o coração batendo tão alto que eu mal ouvia minha própria respiração.

- Eu assinei o divórcio, Daniel. Não dava mais. Não dá mais.

Ele se aproximou como uma fera prestes a atacar.

Puxou os livros que eu segurava, jogando-os com força no chão.

Senti o medo correr pelas minhas veias antes mesmo do primeiro golpe.

- Você acha que pode me deixar? Que pode simplesmente ir embora?

O tapa veio antes da resposta.

Minha cabeça virou de lado e o gosto de sangue preencheu minha boca.

Caí.

Ele chutou minhas costelas.

A dor me fez gritar.

- Você é minha! Sempre vai ser! ( ele gritava )

Tentei engatinhar, escapar.

Mas ele puxou meu cabelo e me jogou de volta contra o chão.

- Você não é ninguém sem mim! Ninguém! ( cuspiu, ofegante )

Meus olhos se fecharam.

Meu corpo cedeu.

A dor era tanta que meu cérebro parecia desligar, como um mecanismo de proteção.

E então, tudo ficou em silêncio.

Ele parou.

Subiu as escadas como se nada tivesse acontecido.

Como se eu fosse só um objeto quebrado no chão da sala.

*****

Não sei quanto tempo fiquei ali.

Mas quando consegui me levantar, uma coisa estava clara dentro de mim: eu não podia mais adiar.

Peguei meu celular com os dedos trêmulos e enviei a mensagem.

"Socorro."

Em poucos minutos, Mariana respondeu:

"Mari, me manda seus dados agora. Vou comprar sua passagem hoje. Você vai embora amanhã. Não diga nada a ele. Só arrume sua mala e espere meu sinal."

Me senti respirando pela primeira vez.

Mesmo com o rosto inchado, os lábios cortados e o corpo moído...

Eu estava viva.

E ia continuar viva.

*******

Naquela madrugada, deitei no chão do quarto, abraçada a uma almofada.

A casa estava em silêncio, e eu encarava o teto, esperando o tempo passar.

Cada hora era uma eternidade.

Mas a liberdade ela estava próxima.

O que eu não sabia, era que fugir do Daniel seria só o primeiro passo.

O começo de uma nova prisão.

Uma mais sofisticada.

Mais intensa.

Mais perigosa.

Com olhos escuros.

Mãos firmes.

E um nome que eu ainda não conhecia...

Mas que, em breve, dominaria meus dias e minhas noites:

Leon Helk.

            
            

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