Capítulo 3 O Fim e o Começo

O voo foi longo. Mas não tão longo quanto os dias que eu passei tentando me convencer de que estava fazendo a coisa certa.

Cada turbulação parecia uma lembrança do que deixei para trás. A dor física ainda estava lá nas costelas, no rosto, no corpo marcado por Daniel. Mas, agora, o peso da culpa era o que mais me afligia.

Será que estou fugindo por medo ou por coragem?

Será que estou fazendo a coisa certa?

O estômago revirava a cada pensamento. Cada lembrança. Cada grito.

A dor da partida, no fundo, era mais forte do que qualquer golpe físico que eu tivesse levado.

****

Cheguei em Nova York e, logo que o avião tocou o chão, o calor do asfalto me fez sentir que algo estava prestes a mudar. Não sabia ainda o quê, mas algo dentro de mim me dizia que a cidade tinha um destino reservado para mim e eu já não tinha escolha.

Mariana estava à minha espera.

Ela me encontrou na saída da alfândega, com o olhar preocupado, mas a postura firme.

- Você está bem? ( Ela perguntou, me abraçando com força. Não havia mais espaço para palavras. Eu apenas respondi ao abraço. Fiquei ali, por alguns segundos, me permitindo sentir a proteção dela. Pela primeira vez em muito tempo, me senti segura. E foi tudo o que eu precisava. )

- Vamos. Milena já está no apartamento. ( disse ela, pegando minha mala com facilidade. A mesma mala que carreguei por tantos dias, como se fosse a única coisa que ainda me restasse )

****

A viagem até o apartamento foi silenciosa. O motorista não falava muito, e eu estava triste demais para tentar conversar.

O arranha-céu de Nova York se erguia à minha frente, mas eu mal conseguia absorver a magnitude da cidade.

Eu só queria estar lá ou talvez só queria estar em algum lugar onde as memórias de Daniel não pudessem me alcançar.

Milena me esperava no apartamento.

Ao contrário de Mariana, ela não demonstrava tanta ansiedade. Ela me olhou com aqueles olhos de sempre: protetores, mas cautelosos.

- Você está segura aqui. ( foi o que ela disse, me recebendo com um abraço apertado. Ela não questionou, não perguntou nada. Apenas me recebeu. Como uma irmã deveria fazer. )

Eu, por minha vez, não sabia o que dizer.

Não sabia o que sentir.

Deitei-me no sofá depois de algumas palavras rápidas, e tentei relaxar. Mas o peso da minha decisão estava mais presente do que nunca.

Eu sabia que havia fugido do que era mais doloroso, mas também estava fugindo de tudo que me era familiar. Nova York, a cidade imensa, me engolia, me fazia sentir pequenininha. Mas ao mesmo tempo me dava algo que eu não tinha mais: possibilidades.

***

A primeira noite foi a mais difícil. Mesmo com o silêncio de Milena e Mariana no apartamento, com o cheiro de comida que elas prepararam, o corpo ainda estava tenso, com os músculos contraídos pela lembrança das últimas semanas.

Eu não conseguia parar de pensar. Pensar em Daniel. Pensar na casa. Na violência que vivia lá e que me deixava tão incapaz de respirar. Mesmo agora, com a distância, eu sentia o peso daquilo. O medo. A culpa.

- Mari, você tem algo em mente? ( Mariana perguntou, tirando-me de meus pensamentos. Eu estava olhando para a janela, observando a cidade enquanto o vento frio de Nova York entrava por ela. )

- Eu só....não sei por onde começar. ( eu sussurrei, com os olhos ainda perdidos. )

Ela se sentou ao meu lado, tocando minha mão.

- Agora você vai fazer o que quiser. Aqui, você vai decidir o que é melhor pra você. A gente vai te ajudar.

****

No dia seguinte, Milena apareceu com um papel na mão, um sorriso cauteloso no rosto.

- Eu conversei com uma amiga que conhece uma família influente aqui. Eles precisam de uma ajudante para a casa. Moradia inclusa, salário bom. Ela falou que é discreto e seguro.

Eu a olhei sem saber o que pensar.

A proposta parecia ser o que eu mais precisava:

um novo começo.

Mesmo com a dúvida de trabalhar para pessoas que não conhecia, era a única chance de recomeçar sem ter que me preocupar com mais uma noite de fuga.

- Tem mais alguma coisa que eu deva saber? - ( perguntei, tentando ler as entrelinhas. )

Milena olhou para Mariana, que estava ao fundo, e então disse:

- A única coisa que sei é que o dono da casa é diferente. Reservado demais. Pouca gente tem acesso a ele. Dizem que ele vive pelas sombras desde que perdeu a esposa. Tem uma filha pequena. E quem trabalha lá precisa saber calar e obedecer.

Eu olhei para a cidade através da janela, sentindo o vento frio. Era um novo começo.

Ou pelo menos, eu queria acreditar que seria.

- Eu aceito! ( disse finalmente, sem mais hesitações.)

E ali, eu dei o meu primeiro passo na direção de um futuro que eu mal conseguia visualizar, mas sabia que seria melhor do que o passado.

E, ao mesmo tempo, a sensação de que algo maior se aproximava, algo que eu não conseguia controlar, mas que, de algum jeito, sabia que ia mudar minha vida para sempre.

****

Leon Helk ainda estava à frente, mesmo que eu não soubesse disso.

Mas ele estava mais perto do que eu imaginava.

E em breve, eu não seria mais capaz de fugir.

            
            

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