Capítulo 5 No lugar dele

Já faz dois meses desde que cheguei à mansão Helk.

Um mês desde que deixei para trás tudo o que me machucava e passei a conviver com um silêncio diferente, mas igualmente pesado.

Leon quase não aparecia.

Estava sempre viajando, lidando com negócios que ninguém explicava, e que ninguém ousava questionar.

No máximo, passava um dia em casa durante a semana. E, mesmo assim, era como se estivesse apenas de passagem. Uma sombra elegante, silenciosa e distante.

Nos cruzamos apenas duas vezes nesse tempo. Uma delas foi um simples "bom dia" no corredor.

A outra, um olhar mais demorado do que deveria, quando ele me viu com Leonor no colo, depois de um pesadelo.

Ele não disse nada naquela noite.

Apenas me observou. E depois sumiu.

Ainda assim, algo me dizia que ele prestava atenção.

À distância. No escuro. Em silêncio.

Leonor, por outro lado, tornou-se parte de mim.

Me seguia com passos leves e olhos atentos. Dançávamos pela casa, criávamos músicas, trocávamos risadas e inventávamos histórias. Ela se abria mais a cada dia, e eu sentia o tipo de afeto que me fazia esquecer das minhas próprias cicatrizes.

Mas então veio a febre.

Tudo começou com um espirro.

Depois uma tosse baixa. No fim da tarde, o termômetro marcou 39.2. E quando a noite caiu, Leonor ardia.

Os olhinhos brilhavam de febre, e sua pele estava quente demais sob minhas mãos.

Esther tentou ajudar. Compressas, antitérmicos, chás. Mas não era o suficiente.

Tentei ligar para Leon. Três vezes.

Nenhuma resposta.

- Vamos pro hospital. - sussurrei para Leonor, já enrolando-a numa manta. - Vai ficar tudo bem, pequena.

******

O hospital cheirava a desinfetante e tensão. Leonor estava mole, a cabeça recostada no meu ombro. Meu coração estava acelerado o tempo todo, como se quisesse correr por mim.

- Infecção viral. disse a médica. - Vamos hidratar, manter em observação. Não é grave!

Respirei fundo pela primeira vez em horas.

Ela dormia agora, tranquila, ligada a um soro enquanto eu acariciava seu cabelo com os dedos trêmulos.

Então o celular vibrou.

-*- Leon Helk -*-

O nome dele parecia mais pesado do que nunca. Meu coração disparou antes mesmo da chamada completar o segundo toque. Atendi, tentando manter a respiração estável, mesmo que meus dedos traíssem minha calma aparente.

- Alô?

O rosto dele surgiu na tela, parcialmente iluminado. A luz ambiente estava baixa, mas suficiente para eu ver a expressão tensa. Barba por fazer, olhos escuros apertados, maxilar rígido.

- Onde você está com a minha filha?

A voz veio firme. Profunda. Cortante. Mas havia algo ali, por baixo da firmeza. Uma urgência rouca, uma inquietação crua que ele tentava controlar.

- No hospital. respondi com firmeza. - Leonor teve febre alta. Passei a tarde tentando aliviar, mas não deu. Eu...tentei ligar pra você. Mais de uma vez.

Ele não respondeu de imediato. O silêncio entre nós ficou pesado. A imagem dele congelada me fitando, como se pudesse me atravessar com o olhar. E talvez pudesse.

- Ela está bem? a pergunta veio mais baixa. Mais contida. Quase íntima.

Assenti, tentando não desviar o olhar.

- Sim. A febre já está baixa. A médica disse que é uma infecção viral. Nada grave. Mas ela precisava ser observada. E eu não ia correr riscos com ela.

Ele passou a mão pelo rosto, como se o gesto aliviasse algo. Depois seus olhos voltaram pra mim direto, sem desviar, sem hesitação.

- Você fez certo! disse, com a voz baixa, grave.

- Mesmo sem minha permissão.

Havia algo perigoso naquela frase. Não era acusação. Era constatação.

Era ele me lembrando quem ele era, mas também me dizendo que confiou.

- Eu fiz o que precisava ser feito. respondi, segurando o olhar. - Leonor precisava de alguém ali. Eu estava.

- Sim! ele murmurou, quase para si. - Você estava.

Mais um silêncio. Mas não era desconfortável. Era denso. Vivo.

O olhar dele demorou em mim. Não no fundo branco do hospital. Não no quarto estéril. Mas em mim. No meu rosto cansado, no cabelo solto, nos olhos que eu não conseguia disfarçar.

- Você está bem? ele perguntou, mais baixo. A voz soando mais como um desvio. Mas estava ali.

Engoli seco.

- Estou. Só um pouco exausta.

Ele assentiu lentamente.

Depois inclinou levemente a cabeça, como se me estudasse.

- Você é diferente do que eu esperava.

- E o que esperava de mim? perguntei antes de pensar. Mas a pergunta saiu, carregada de algo que nem eu sabia explicar.

Os lábios dele se curvaram num sorriso curto. Sem dentes. Sem humor. Só intenção.

- Não sei. Ainda estou tentando descobrir.

O silêncio voltou, dessa vez mais carregado. Eu sentia o sangue pulsar nos ouvidos. Como se, de repente, mesmo separados por uma tela, o mundo tivesse ficado pequeno demais para a tensão entre nós.

- Me mantenha informado! ele disse, voltando ao tom sério. Mas os olhos não combinavam com a frieza da voz.

- Claro.

- Boa noite, Mariah.

- Boa noite, Sr. Leon.

A ligação terminou.

Mas ele ainda estava lá.

Na minha pele.

Na minha mente.

E, perigosamente, em algum lugar onde eu não deveria deixar ele entrar.

                         

COPYRIGHT(©) 2022