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A sala de reuniões do Hotel Aureum, no centro financeiro de Miami, não tinha janelas. O ambiente era frio, minimalista, dominado por tons de cinza, aço escovado e mármore claro. A iluminação indireta deixava o ar quase solene, como uma câmara de julgamento silenciosa. E, de certa forma, era mesmo. Ali, vidas eram medidas em cifras, decisões assinadas com consequências globais.
Mas naquela manhã, o ar estava ainda mais denso.
Na cabeceira da mesa retangular, Luna Zavarelli ocupava seu espaço com a autoridade de quem não precisava provar mais nada.
Ela entrou sozinha, sem assistente, sem pasta visível. Os cabelos estavam presos em um rabo de cavalo impecável. O conjunto de alfaiataria preto realçava seu corpo esguio, e a maquiagem era precisa, marcada por um batom vinho escuro e olhos delineados com firmeza. Sua presença antecedia sua chegada - como se o ambiente fosse obrigado a reconhecê-la antes mesmo de vê-la.
O salto de seus sapatos estalava no mármore como um relógio de contagem regressiva. Um lembrete claro: o tempo agora jogava a seu favor.
Do outro lado da sala, os executivos do consórcio brasileiro aguardavam em silêncio. E entre eles, sentado com as mãos entrelaçadas sobre a mesa, estava Bruno Rocha.
Assim que ela entrou, ele congelou.
Os olhos o traíram primeiro. Arregalados, perderam por um momento o verniz da indiferença profissional. Reconhecia o nome da empresa - claro. Tinha lido o dossiê, estudado os números. Mas jamais imaginou que a mulher à frente da consultoria seria Luna. E muito menos essa Luna.
Ela não era mais a esposa que chorava em silêncio. Nem a mulher ferida que ele deixou para trás.
Agora, ela era Zavarelli. E o mundo inteiro já começava a entender o peso daquele nome.
Luna caminhou até a cabeceira da mesa, abriu o laptop com um movimento fluido, e então deslizou uma pasta com documentos impressos. Cada gesto era calculado, elegante, como se cada milímetro de sua postura dissesse: eu venci sem você.
Sentou-se lentamente, cruzou as pernas com naturalidade e olhou diretamente para Bruno, sem sorrisos, sem ódio, sem nostalgia.
- Zavarelli, por favor - disse, com a voz firme como aço polido. - Meu nome agora é Luna Zavarelli.
A frase não foi apenas dita. Foi cravada.
Bruno engoliu em seco. A expressão dele vacilou entre surpresa e desconforto. Tentou se recompor, mas a segurança que fingia carregar se dissolvia a cada segundo que olhava para ela. E não era apenas pelo nome. Era pela postura. Pela presença. Pelo fato de que, naquele espaço - e naquele mundo - ela era maior do que ele jamais foi.
Sentado ao fundo, levemente inclinado na cadeira, Dante Ferrari observava em silêncio. Ele estava ali como investidor da Zavarelli Group, tecnicamente apenas para acompanhar. Mas era evidente que seus olhos negros captavam tudo. Cada respiração. Cada tensão nos ombros. Cada microexpressão de Bruno. Cada mínima oscilação no timbre de Luna.
Ele não estava apenas observando. Estava lendo.
A reunião começou de forma objetiva. Luna conduzia a pauta com clareza e precisão cirúrgica. Falava de números, projeções, riscos. Sua linguagem era afiada, sem espaço para sentimentalismos. Os executivos tentavam acompanhar, faziam anotações frenéticas, mas ela os mantinha sempre um passo atrás. Sabia exatamente onde queria chegar - e sabia como deixar claro que quem ditava o ritmo era ela.
Bruno tentou argumentar. Tentou lembrá-la, ainda que discretamente, de que já foram parceiros. Usou um tom mais brando, quase pessoal.
- Você sabe como pensamos no Brasil, Luna... quero dizer, Zavarelli. Nossa equipe valoriza a flexibilidade. Talvez possamos alinhar isso de outra forma...
Luna o interrompeu com um simples levantar de sobrancelha e uma frase:
- Flexibilidade é para quem não tem estratégia. O que vocês têm é um bom projeto. Mas estão despreparados para lidar com um mercado competitivo sem alguém que saiba onde pisar.
Foi um massacre silencioso.
Ao final da apresentação, ela fechou o laptop e recolheu os documentos. Bruno parecia exaurido, como se tivesse corrido uma maratona de palavras. Os demais executivos agradeceram, visivelmente impressionados - e intimidados.
Sem dar a ele o direito de mais uma palavra, Luna levantou-se, agradeceu formalmente e saiu da sala com a mesma tranquilidade com que entrou.
Mas o dia ainda não havia terminado.
O saguão do hotel era um contraste de mármore e vidro, com arranjos florais caros e funcionários que sabiam quando olhar - e quando fingir que não viram nada. Luna caminhava entre eles com o mesmo passo firme de sempre.
Mas antes que chegasse ao elevador, sentiu uma presença atrás de si. E não precisou virar-se para saber quem era.
Dante.
- Você joga sujo - disse ele, encostando-se à parede ao lado do elevador, com um meio sorriso nos lábios.
Ela o olhou de lado, uma sobrancelha levemente arqueada.
- Eu jogo como uma mulher que aprendeu com a dor - respondeu, sem pressa.
Ele se aproximou, o corpo alto e denso. A fragrância amadeirada que usava o envolvia como uma extensão dele. As mãos nos bolsos, os olhos escuros fixos nela, como se quisesse enxergar mais do que ela permitia.
- A forma como você desmontou aquele homem... foi arte. Quase senti pena dele. Quase.
Luna soltou um riso breve, sem humor.
- Ele achava que eu ainda era a mulher de antes. Queria negociar com a sombra do que fui.
Dante então deu um passo à frente. As mãos, agora livres, alcançaram levemente a cintura dela, sem força, apenas o suficiente para sentir sua presença. O rosto tão próximo que o ar entre os dois parecia prestes a incendiar.
- Me mostra como você joga. De verdade - sussurrou.
Os olhos de Luna permaneceram fixos nos dele. Não havia hesitação. Não havia surpresa.
A tensão entre eles era viva, pulsante, e ainda assim, controlada - como uma corda esticada no limite.
Ela poderia ter se afastado.
Poderia ter dito algo cortante, mantido o jogo no campo profissional.
Mas escolheu o silêncio.
E foi o silêncio deles que disse tudo.
Ela não respondeu com palavras. Apenas olhou, respirou fundo, e deixou que o momento falasse.
Um momento em que dois predadores se reconheciam não como ameaça, mas como pares.