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O quarto do hotel ocupava quase todo o último andar da torre de vidro, com paredes panorâmicas que ofereciam uma vista vertiginosa de Miami iluminada. O céu da noite parecia se curvar diante da cidade - um mar de luzes, concreto e promessas. Ali, longe do chão e das regras, o mundo parecia suspenso, vulnerável, entregue.
Mas naquela noite, o quarto se tornou algo além do que qualquer arquiteto poderia projetar.
Transformou-se em um campo de batalha silencioso, onde desejo e perigo dançavam juntos, onde as máscaras eram deixadas nos cantos como roupas amassadas, e onde verdades dormiam misturadas aos lençóis.
Dante Ferrari não fazia amor. Ele possuía.
Com a mesma precisão de um soldado treinado e a intensidade de um homem que atravessou desertos - ou infernos - para chegar até ali. Seus beijos não pediam passagem: tomavam. Seus toques não sondavam: comandavam.
E Luna?
Ela não recuava.
Mesmo quando seu corpo gritava alertas, mesmo quando a razão tentava se manter no controle, ela não cedia porque era fraca. Ela cedia porque era fogo enfrentando um furacão.
E naquele confronto, ela também queria vencer. Ou talvez, perder - mas do seu próprio jeito.
As horas que se seguiram foram marcadas por uma coreografia intensa de entrega e provocação.
Na varanda com vista para a cidade, ele a ergueu nos braços como se ela fosse feita de algo mais denso que carne - talvez raiva, talvez desejo acumulado por vidas que nunca se cruzaram antes, mas sempre se buscaram.
Luna o desafiava com o corpo, com a boca, com os olhos.
Contra o vidro que tremia com os movimentos, com a pele dela pressionada contra a cidade lá fora, como se desafiasse o mundo a olhar. No chão de mármore frio, onde o contraste entre a frieza da pedra e o calor dos corpos acendia ainda mais a combustão.
Cada toque entre os dois era como uma linha sendo cruzada.
Cada suspiro, uma promessa de que aquela noite deixaria marcas - não só no corpo.
E deixou.
Horas depois, quando o silêncio substituiu os gemidos e a respiração ainda era pesada no ar, Dante dormia.
Estava nu, parcialmente coberto por um lençol de linho branco. O peito largo subia e descia lentamente, os traços serenos - quase irreconhecíveis diante da fúria com que havia a tomado momentos antes.
Luna estava desperta.
Sentada na beirada da cama, os cabelos bagunçados caindo pelas costas, os dedos levemente trêmulos. Havia algo no jeito como ele dormia... um contraste perturbador com tudo que ela acabara de viver.
Ela o observou por longos minutos, em silêncio.
E então, como se guiada por uma força maior - ou por um instinto que há tempos não ouvia - seus dedos tocaram uma cicatriz fina, quase imperceptível, no lado esquerdo do tórax dele.
E congelou.
Ela conhecia aquela cicatriz.
Não era o tipo de marca que se esquecia.
Um corte cirúrgico, antigo, limpo. Enrico Zavarelli tinha uma idêntica. Mesma posição. Mesmo traço.
O arrepio que percorreu sua espinha foi tão exato quanto um bisturi.
Ela se levantou devagar, vestindo a camisa social dele - larguíssima em seu corpo - e caminhou pelo quarto sem fazer ruído. Seus olhos encontraram a pasta de couro sobre a poltrona ao lado da lareira apagada. Aquela pasta...
Ela hesitou. Por um segundo.
Mas o silêncio do quarto, o peso da dúvida, a marca no corpo dele - tudo pressionava seu peito.
Abriu.
O cheiro do couro se misturou com o da tensão que imediatamente se instalou no ar.
Dentro da pasta, um dossiê.
Papel grosso, encadernado com precisão. Códigos impressos. Gráficos. Fotografias.
E então... nomes.
O seu.
Luna Camargo, depois Zavarelli.
Dados pessoais, históricos financeiros, viagens, reuniões confidenciais.
E mais.
Enrico.
Movimentações bancárias em paraísos fiscais. Operações sigilosas da Zavarelli Group ainda nos tempos em que ele estava vivo. Contratos que haviam sido eliminados, ou ao menos era o que Luna pensava. Até fotos de vigilância antigas - ela e Enrico em aeroportos, jantares, eventos secretos.
E ali, bem no meio, um nome em vermelho:
Projeto LEGADO.
Luna sentiu o estômago revirar. O sangue esquentar. A mente colapsar por um segundo.
Aquilo não era acaso. Não era simples curiosidade. Não era apenas um homem misterioso com uma queda por mulheres poderosas.
Dante a tinha caçado.
Desde o começo.
A excitação da noite anterior começou a se misturar com um veneno lento.
Ela sentiu nojo de si mesma por um instante. Por ter caído. Por ter confiado. Por ter se exposto - física e emocionalmente - a alguém que estava jogando com ela.
Mas, ao mesmo tempo... havia algo mais.
Por que ele não a confrontou?
Por que esperou?
Por que a tocou como se a conhecesse há anos, como se carregasse dor nos olhos também?
Ela fechou a pasta com firmeza. Seus dedos estavam frios.
Vestiu-se em silêncio, cada movimento calculado. Calça, blazer, sapatos de salto. Pegou o celular, digitou algo rapidamente para Jonas, e então olhou uma última vez para Dante, que ainda dormia.
Mas agora, o sono dele parecia fingido.
Será que ele sabia que ela sabia?
Será que estava esperando pela reação dela?
Luna não sabia. E isso a deixava furiosa.
Saiu do quarto com a respiração contida, a raiva comprimida no peito e a mente em ebulição.
O jogo havia mudado.
E pela primeira vez em muito tempo, ela não sabia se estava no controle.
Mas faria de tudo para voltar a estar.
Nem que precisasse enfrentar os fantasmas de Enrico, a verdade sobre Dante, ou a si mesma.