img

"Entre Mentiras e Lençóis"

Aline.luxo
img img

Capítulo 1 A Queda

O som seco e cortante do cristal estilhaçando-se contra o piso de porcelanato quebrou o silêncio como um trovão, marcando não apenas o fim de uma taça de vinho, mas o colapso de uma era na vida de Luna Camargo. A taça escorregou de seus dedos como se fosse o peso insuportável da verdade que acabara de ser dita.

Ela permaneceu imóvel, os olhos fixos nos cacos espalhados aos seus pés descalços, incapaz de processar por completo o que acabara de ouvir. O líquido rubro do vinho escorria entre as frestas do mármore branco, parecendo sangue - o sangue do coração que Bruno acabara de esfaquear com palavras precisas, frias, fatais.

- Eu quero o divórcio - repetiu ele, com uma calma ensaiada, a frieza cirúrgica de quem não sentia mais nada há muito tempo. Era como se estivesse negociando a venda de um imóvel e não pondo fim a dez anos de vida conjugal.

Do lado dele, uma mulher - ou melhor, uma composição perfeita - loira platinada, cabelos que reluziam sob as luzes da sala, pele impecável como porcelana, corpo moldado pelas mãos de um cirurgião talentoso. Seu vestido justo e caríssimo ressaltava a intenção clara de ser notada. O olhar dela era um insulto à dor de Luna: vitorioso, irônico, quase divertido.

Luna estava de rosto limpo, sem maquiagem, usando uma camisola de seda azul-marinho, um pouco amassada, mas ainda assim elegante - presente do próprio Bruno, comprado anos antes em uma boutique escondida de Paris, num tempo em que ele ainda a chamava de "minha musa".

- Você está me deixando... por ela? - A voz de Luna soou baixa, quase trêmula, traindo a tempestade que se formava dentro dela. Um furacão de lembranças, promessas quebradas e momentos desperdiçados.

Bruno desviou o olhar por apenas um segundo.

- Não é sobre ela. É sobre nós. Você... mudou.

Ela riu. Um riso curto, amargo, quase desumano.

- Mudei? Ou apenas deixei de ser a mulher que te agradava? Aquela que sorria nas festas enquanto você flertava com secretárias, aquela que aceitava suas ausências com silêncio?

Bruno permaneceu calado, como se já estivesse em outro lugar, mentalmente embalado nos braços de uma nova vida.

Luna apertou os punhos, sentindo as unhas pressionarem as palmas. A dor física era quase reconfortante diante da ferida emocional que se abria em seu peito.

Naquela noite, ela perdeu mais do que um casamento. Perdeu o sobrenome que não era mais seu. Perdeu a casa construída sobre aparências - jantares coreografados, sorrisos falsos para vizinhos, e silêncios longos no quarto. Perdeu amigos que evaporaram como vapor quando a estabilidade rachou.

Mas no meio dos estilhaços reluzentes, do vinho tingindo o chão, do gosto metálico da rejeição que invadia sua boca, algo dentro dela se mexeu.

Não era dor.

Não era ódio.

Era uma fome.

A fome de um recomeço. De se reencontrar, não como a esposa de alguém, mas como a mulher que ela se esqueceu de ser.

E naquela mesma noite, Luna Camargo não apenas deixou de ser esposa de Bruno. Ela renasceu - no silêncio cortado apenas por seus próprios passos decididos em direção ao quarto, onde ela começaria a traçar o mapa da sua nova vida.

Desta vez, com as próprias mãos. E sem olhar para trás.

            
            

COPYRIGHT(©) 2022