Capítulo 3 A Primeira Derrota - Entre o silêncio e a esperança

O telefone não tocou na semana seguinte. Nem na outra. E nem no mês que se seguiu. Lívia olhava para o aparelho todas as noites, como quem espera uma resposta do universo. Marcelo, o homem da agência, não ligou. E com o silêncio, veio a dúvida. Será que tinha ido tão bem quanto achou? Será que ele falou aquilo para todas as meninas? Será que foi tudo imaginação?

Cada vez que a ansiedade surgia, Lívia tentava afastá-la com os conselhos de Solange. Mas a ausência da resposta parecia falar alto demais. A frustração começou a ocupar espaço em seu coração, dividindo lugar com os sonhos.

Enquanto tentava manter a esperança, a realidade dava seus golpes. O dinheiro estava mais curto em casa. Solange tinha perdido o turno extra no restaurante, e agora o orçamento apertado dificultava até as coisas mais básicas. As passagens para o curso começaram a pesar, e algumas vezes Lívia precisou faltar. Cada ausência doía como uma ferida aberta.

Na escola, Lívia sentia-se cada vez mais distante das colegas. Sua mente permanecia presa àquele instante brilhante na passarela, enquanto os pés estavam presos ao chão frio da sala de aula. As lições pareciam vazias, e a rotina parecia sufocá-la aos poucos.

Foi em uma dessas manhãs, após um fim de semana sem ir ao centro cultural, que Bianca Ferraz reapareceu em sua vida. Agora não era mais apenas a garota cruel da escola. Era também aspirante a modelo. Com um portfólio fotográfico caro, produzido por um dos estúdios mais famosos da cidade, Bianca chegou à escola cercada de atenção. Distribuía cartões com seu nome artístico: "Bia Ferraz".

- Sabiam que semana que vem tenho um desfile exclusivo na Galeria Central? – ela anunciava com empáfia.

Lívia ouviu em silêncio. A escola inteira parecia hipnotizada com a novidade. Fotos de Bianca circulavam pelo grupo de WhatsApp da turma. Todos comentavam sobre sua beleza e estilo. Mas o que mais doía era ouvir:

- Bia nasceu pra isso. Tem cara de modelo de verdade, né?

Aquela frase queimou em Lívia. Como se tudo o que havia construído nos últimos meses tivesse sido apagado por um clique de câmera. Um sentimento de impotência a dominava.

À noite, sentada ao lado da mãe enquanto ajudava a descascar batatas para o jantar, Lívia desabafou:

- Mãe... e se eu não for boa o bastante?

Solange deixou a panela de arroz no fogo e sentou-se ao lado da filha:

- Filha, até as estrelas caem antes de brilhar de novo. Tu só tá começando. Derrota não é o fim. É só um passo diferente.

Mas as palavras, embora doces, não afastavam a sombra da frustração. Lívia ainda sentia-se perdida, desorientada.

O sábado seguinte chegou trazendo uma indecisão: ir ou não ir ao treino no centro cultural. Lívia quase desistiu. Mas algo dentro dela insistia em continuar. Precisava ver Renata, precisava saber se ainda tinha alguma chance.

Chegando lá, Renata, sempre observadora, percebeu imediatamente o semblante apagado da aluna e chamou-a num canto reservado:

- O que houve, Lívia?

Lívia contou sobre Bianca, sobre o silêncio da agência, sobre a dor de se sentir invisível.

Renata ouviu em silêncio. Depois, segurando as mãos da garota, disse com firmeza:

- Sabe qual é a diferença entre quem vence e quem desiste? O tempo. As grandes vitórias são feitas de derrotas bem administradas. Você caiu. Mas veio até aqui mesmo assim. Isso, pra mim, é a definição de modelo. Não de moda. De vida.

As palavras da instrutora tocaram fundo. E mesmo sem aplausos, sem convites, sem telefones tocando, Lívia continuou.

No fim daquele mês, durante um exercício em dupla, Giovana, uma das alunas veteranas que já desfilara profissionalmente, aproximou-se discretamente:

- Você é boa, sabia? Já vi muita menina bonita que não chega em lugar nenhum. Você tem algo que não se ensina. Está aqui. - Ela apontou para o próprio peito. - Não deixa ninguém te convencer do contrário.

Lívia sentiu os olhos marejarem. Pela primeira vez desde a decepção, sentiu esperança verdadeira.

Dias depois, uma surpresa renovou sua fé: Renata anunciou uma apresentação interna na escola, com direito a pequenos prêmios e um vídeo promocional que seria enviado a parceiros importantes. Era algo pequeno, mas significativo.

Lívia se preparou como nunca. Com a ajuda incansável de Dona Zefa, criou um vestido com sobras de tecido azul-marinho e rendas brancas delicadas. Naquele dia, pintou os olhos com um lápis velho emprestado pela mãe, prendeu os cabelos num coque simples, e quando entrou na sala, algo mudou: pela primeira vez, as meninas a olharam com respeito genuíno.

Ela caminhou com passos seguros. Seu olhar dizia que estava pronta para lutar por seu sonho, fosse qual fosse o resultado.

Ao final, Renata entregou um envelope para a melhor apresentação da tarde. Dentro dele, estava uma carta de recomendação pessoal, assinada por ela mesma, dedicada a Lívia Marine.

- Você vai entregar isso para quem quiser te conhecer de verdade - disse Renata. - Porque o brilho que você tem, Lívia, não se compra. Se conquista.

Naquele instante, todas as dúvidas, o silêncio do telefone, as palavras cruéis de Bianca, tudo pareceu perder força diante daquela carta. Lívia sabia que ainda não havia vencido completamente, mas agora tinha certeza absoluta de que também não havia perdido. Estava apenas no caminho, e isso era o que realmente importava.

Ao voltar para casa, segurando o envelope como um tesouro precioso, Lívia sentiu que as portas fechadas eram apenas pausas necessárias para o que ainda estava por vir. Naquela noite, antes de dormir, escreveu mais uma vez em seu caderno:

"A vida pode não seguir o roteiro que eu escrevi, mas enquanto houver páginas, eu continuarei escrevendo minha própria história."

E com essa decisão, Lívia adormeceu, sabendo que o dia seguinte seria apenas mais um capítulo em sua jornada rumo aos seus sonhos.

            
            

COPYRIGHT(©) 2022