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Na semana seguinte à apresentação interna, Lívia acordou mais cedo do que o habitual. Mesmo com o corpo cansado e o frio da manhã atravessando as frestas da janela, havia algo diferente nela. Era como se o peso do mundo tivesse diminuído um pouco, como se as palavras de Renata tivessem acendido um novo tipo de coragem - um tipo que não dependia de aplausos nem de reconhecimento externo.
Depois de se arrumar, sentou-se à frente do espelho rachado do banheiro, aquele mesmo que a acompanhava desde a infância. Pela primeira vez em muito tempo, não se olhou com crítica. Observou-se com um olhar de quem começa a se reconhecer.
- Espelho, espelho meu... quem é essa menina que ainda não venceu, mas já é tão forte? - sussurrou para si, com um meio sorriso.
No caminho para a escola, Lívia foi surpreendida por algo raro: olhares admirados. Algumas colegas que antes a ignoravam passaram a cumprimentá-la com acenos tímidos. Até mesmo Clara, uma das que zombara de seu moletom desbotado, comentou:
- Vi teu vídeo no Insta do centro cultural. Tu mandou bem, viu.
Lívia agradeceu com um aceno e seguiu. Não queria se perder na vaidade - mas não podia negar o gosto doce de ser vista de forma diferente.
Na aula de artes, a professora propôs uma atividade de autorretrato. Cada aluno deveria desenhar a si mesmo como se fosse personagem de um livro ou filme. Lívia se entregou à tarefa com entusiasmo. Em seu desenho, representou-se como uma guerreira sobre uma passarela feita de pedras, com um vestido de estrelas e uma coroa de espinhos transformada em flores.
A professora ficou em silêncio por alguns segundos antes de comentar:
- Lívia, você é um poema vivo.
Aquela frase ficou com ela o dia inteiro. E à noite, escreveu no diário:
"Hoje me vi com os olhos de alguém que acredita. Talvez, finalmente, eu esteja acreditando também."
Naquele mesmo fim de semana, uma nova etapa foi anunciada no centro cultural. As alunas selecionadas participariam de uma sessão de fotos com um fotógrafo profissional convidado. As imagens seriam utilizadas para um portfólio coletivo, que seria enviado a agências de São Paulo e Porto Alegre. Era a chance que todas esperavam.
Mas havia uma condição: cada menina precisaria levar seu próprio figurino - pelo menos três trocas de roupa.
Ao chegar em casa, Lívia contou a novidade com animação, mas logo o entusiasmo cedeu espaço à preocupação.
- Três roupas, mãe. E elas precisam parecer de desfile...
Solange a abraçou com ternura.
- Vai dar certo. A gente vai dar um jeito.
No domingo, Dona Zefa foi chamada para uma missão especial. Reviraram baús antigos, reaproveitaram tecidos, desmancharam vestidos velhos. Com criatividade e muito improviso, criaram três looks que refletiam exatamente quem Lívia era: simples, forte e cheia de brilho por dentro.
No dia das fotos, ao entrar no estúdio improvisado no galpão do centro cultural, Lívia sentiu o coração bater mais forte. Era tudo muito novo: luzes, câmeras, espelhos por toda parte. E ali, de pé, com os pés firmes no chão de cimento e o olhar mirando o próprio reflexo, ela se deu conta de algo poderoso: não era apenas sobre ser fotografada. Era sobre ser quem ela era, com orgulho.
O fotógrafo - um homem simpático chamado Davi, com barba espessa e óculos escuros pendurados na gola da camisa - percebeu rapidamente o potencial da menina.
- Você tem um negócio diferente no olhar. Já trabalhou antes?
- Só no quintal da Dona Zefa. - respondeu sorrindo.
Ele riu.
- Então Dona Zefa merece um prêmio. Vamos começar.
Lívia posou. Timidamente no começo. Depois com mais coragem. A cada clique, sentia-se mais livre, mais inteira. As roupas improvisadas ganhavam vida em seu corpo. Seu rosto, antes inseguro diante dos espelhos, agora mostrava determinação.
Quando terminou, Davi se aproximou e disse:
- Tenho certeza de que você vai longe. Seu nome ainda vai estar em muitas capas por aí.
Na volta para casa, Lívia pensava em tudo o que vivera nas últimas semanas. Da insegurança à coragem, da dor ao reconhecimento. E concluiu:
"Ser bonita não é só aparência. É se aceitar. É se ver com verdade. E hoje, eu me vi."
O espelho da casa continuava o mesmo. Mas quem o encarava já não era a mesma menina.