Capítulo 4 A decisão

A manhã seguinte estava cinza, como se o céu refletisse o peso de tudo o que Mariana sentia. Ela acordou cedo, como de costume, mas ao invés de se perder nas tarefas diárias, algo dentro dela havia mudado. O ambiente parecia mais frio do que nunca, e a mansão, com suas paredes impecáveis e janelas imponentes, já não a recebia como antes. Mariana sentia-se como um visitante em sua própria vida, uma estranha nesse lugar que deveria ser seu lar. A sensação de vazio era quase física, uma dor constante que lhe apertava o peito. E, naquele dia, ela decidiu que não poderia mais continuar desse jeito.

Ao se arrumar, não foi para agradar a Vinícius. Não mais. Colocou uma blusa de seda simples, mas elegante, e jeans escuros. Ela queria se sentir ela mesma novamente, como antes, quando a vida não estava definida por compromissos e silêncios, mas por suas próprias escolhas. Quando se olhou no espelho, viu uma mulher diferente da que havia se casado. A pessoa diante do reflexo parecia mais decidida, mais forte. E, pela primeira vez em muito tempo, ela se sentiu mais próxima de quem realmente era.

Vinícius não estava em casa naquela manhã. Já havia saído para mais uma reunião, como sempre. Ele nunca estava presente, exceto para os compromissos que ele julgava imprescindíveis. E enquanto ele estava ocupado, ela finalmente teve a chance de reunir coragem para fazer o que precisava ser feito. Ela não sabia o que exatamente aconteceria a partir dali, mas sabia que não podia continuar apenas esperando por uma mudança que nunca chegaria.

Quando ele retornou mais tarde, a porta da mansão se abriu com o som familiar da chave girando. O passo firme de Vinícius ecoou pelo corredor, e ela sabia que ele estava ali. Ele sempre chegava do trabalho com aquela mesma postura implacável, como se o peso do mundo estivesse em seus ombros. Mas, ao contrário das outras vezes, hoje ela estava pronta para olhar para ele de frente, pronta para falar sobre tudo o que estava entalado dentro dela.

Ele entrou na sala, ainda vestindo o terno escuro que parecia grudar em sua pele, como se fizesse parte de sua identidade. Quando seus olhos se encontraram, um breve momento de silêncio se formou entre os dois. Mariana estava de pé, esperando, e ele a observou com uma leve surpresa, como se não esperasse que ela estivesse ali àquela hora, aguardando por algo.

"Mariana, você está bem?" Sua voz era distante, automática, como sempre.

"Estou," ela respondeu, tentando manter a compostura. "Mas nós precisamos conversar."

Ele hesitou por um segundo, como se ponderasse a relevância daquela conversa. "Sobre o quê? Já não falamos sobre tudo o que havia para ser dito?"

Ela respirou fundo e, em um impulso, decidiu que não daria mais espaço para as desculpas. "Não, Vinícius. Não falamos sobre nós. Eu estou aqui, tentando entender o que está acontecendo, e você... você parece estar em outro lugar o tempo todo."

Ele a encarou, com um cenho franzido. "Mariana, você sabia desde o início que minha vida é centrada no trabalho. Eu te avisei sobre isso. Não podemos mudar o que já está estabelecido."

Aquelas palavras, tão frias e repetidas, eram como um golpe direto. Mariana sentiu sua raiva crescer, mas, ao mesmo tempo, a dor de perceber que ele realmente não entendia a profundidade do que ela estava dizendo. Ela não queria que ele mudasse sua natureza, mas que, ao menos, visse nela uma pessoa, uma mulher que merecia ser ouvida, que merecia ser parte de sua vida.

"Não é só sobre o trabalho, Vinícius. É sobre nós. Eu não posso mais viver em um casamento onde não existe nós." A voz dela tremia, mas ela se manteve firme. "Eu tentei, tentei de todas as formas me adaptar, mas estou me sentindo invisível. Como se eu fosse apenas um acessório na sua vida, uma peça que você carrega por obrigação."

O silêncio entre eles se estendeu por alguns segundos. Ele parecia lutar com as palavras, como se tentasse entender o que estava acontecendo, mas não conseguia realmente compreender. Seus olhos, normalmente frios e implacáveis, estavam agora tingidos de uma leve confusão.

"Eu... eu não sabia que você se sentia assim", ele disse, com uma leve hesitação na voz. Pela primeira vez, houve algo mais genuíno ali, algo que se aproximava de uma reação emocional, mas mesmo assim, ele parecia distante. Como se não soubesse o que fazer com aquele sentimento que começava a despertar dentro dele.

"Você não sabia porque nunca me ouviu, Vinícius. Nunca perguntou o que eu sentia, nunca olhou para mim de verdade." Ela deu um passo à frente, sem mais receios. "Eu preciso de algo mais. Eu preciso de uma conexão verdadeira. Preciso de você, não só como marido, mas como parceiro. Eu não sou só uma esposa que cuida da casa e do status. Eu sou uma pessoa, e preciso ser vista por você."

O impacto das palavras de Mariana parecia finalmente chegar até ele, mas ao invés de se aproximar, ele deu um passo para trás, como se fosse mais fácil manter a distância. Ele olhou para o chão por um momento, sua mão apertando a pasta de couro que trazia consigo. "Eu não sei o que você espera de mim. Eu sou o que sou, e você sabia disso quando se casou comigo. Você não pode esperar que eu mude."

Mariana sentiu uma pontada no coração. Ele estava certo em uma coisa: ela sabia. Mas, ao mesmo tempo, ela queria acreditar que o casamento não era apenas sobre os contratos sociais ou os negócios. Era sobre encontrar um espaço para os dois, um espaço onde ambos pudessem se conectar, crescer juntos, como indivíduos, não apenas como peças em um jogo que ele jogava sozinho.

"Eu não espero que você mude, Vinícius. Mas eu espero que você me veja. Eu espero que você me escute. Eu não sou só a mulher que você casou por conveniência. Eu sou alguém que tem sonhos, sentimentos e necessidades. E, se você não consegue ver isso, então, talvez nós não tenhamos mais nada a compartilhar."

As palavras de Mariana estavam tão carregadas de dor que ela mal podia acreditar nelas. Mas era o que ela precisava dizer. Era o que ela precisava para se libertar.

Ele permaneceu em silêncio por alguns momentos, como se estivesse digerindo suas palavras, mas, no fundo, Mariana sabia que algo havia mudado. Talvez não fosse o suficiente para ele mudar completamente, mas era o suficiente para que ele começasse a ver as fissuras no que antes parecia ser uma vida perfeita e controlada.

"Eu... não sei o que dizer", disse Vinícius, finalmente quebrando o silêncio. Ele parecia mais vulnerável, mas não de uma forma que ela pudesse tocar. "Eu nunca quis te machucar, Mariana. Mas não sei como ser diferente."

Mariana olhou para ele, sentindo o peso de suas próprias palavras. A decisão estava diante dela, agora mais clara do que nunca. Ela podia continuar a esperar que ele mudasse, ou podia aceitar que, talvez, ele nunca fosse ser o homem que ela precisava. Mas, acima de tudo, ela sabia que não podia mais viver uma mentira.

"Eu não posso mais esperar, Vinícius", ela disse, com firmeza. "Eu não posso mais viver assim. Eu preciso de algo real. E, se você não puder me dar isso, então, talvez seja hora de seguirmos caminhos diferentes."

Aquelas palavras caíram pesadas no ar, como uma verdade indiscutível. Mariana sabia que acabara de dar o passo mais difícil de sua vida. Ela havia escolhido a si mesma, finalmente. E, por mais doloroso que fosse, ela estava pronta para enfrentar as consequências disso.

Vinícius ficou parado, sem reação, como se estivesse preso a algo que não conseguia compreender. Mas, ao olhar para ele pela última vez, Mariana percebeu que, talvez, fosse a única maneira de os dois realmente encontrarem a felicidade – separadamente.

            
            

COPYRIGHT(©) 2022